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Economia

Recuperação judicial bate recorde histórico e vai continuar na máxima em 2025

Especialistas veem empresas ainda com fôlego para enfrentar cenário de juros altos, mas alertam para riscos em 2026

Recuperação Judicial
Recuperação Judicial

O corpo de qualquer pessoa, quando está prestes a ficar doente, começa a enviar sinais. Pode ser uma dor, um desconforto ou um cansaço persistente. O organismo da economia também tem suas próprias indicações de que algo não vai bem.

A quantidade de pedidos de recuperação judicial (RJ) pode ser vista como uma dessas pistas. No caso do Brasil, os pedidos de RJs vão fechar o ano no maior nível da história. Ou, pelo menos, em 33 anos, que é o período coberto pelos dados da Serasa Experian.

Com base nos números mais recentes, de janeiro a novembro, é possível estimar que 2024 vai terminar com uma quantidade acima de 2,2 mil solicitações. Trata-se de um nível 22% acima do pior momento já registrado, em 2016. A maioria dos pedidos se concentra entre as pequenas e médias empresas, que têm um acesso bem mais restrito ao mercado de capitais e ao próprio crédito bancário comparadas as grandes companhias.

“O cenário é bastante crítico porque estamos falando do custo financeiro entre 16% a 19%, o que, para algumas empresas, se torna quase impagável”, afirma Eduardo Scarpellini, sócio fundador da EXM Partners, consultoria especializada em reestruturação e recuperação de empresas.

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Ainda assim, o esperado é que a maior parte das companhias tenha fôlego para atravessar 2025. Mas além desse ponto, se houver mais um ano no qual as condições financeiras permaneçam tão duras, o preço será alto. “Se a gente falar também de 2026 sem ter recuo na taxa de juros, estaríamos próximos a um colapso de muitas empresas”, diz Scarpellini.

Maior período de juros em dois dígitos desde 2009

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em dezembro, o Banco Central elevou a Selic para 12,25% ao ano. No ano que vem, o juro sobe ainda mais. O BC já sinalizou a intenção de elevar a taxa básica nas próximas duas reuniões do Copom, em janeiro e em março. Com isso, o juro chegaria já no primeiro trimestre a um patamar de 14,25%. E não deve parar por aí. Economistas e analistas já falam em Selic a 15%.

Com esse ambiente de juros altos por mais tempo, 2025 deve seguir o mesmo caminho deste ano, com uma quantidade de RJs em patamar recorde. O sócio da EXM enxerga o nível de recuperações judiciais se mantendo acima das 2 mil solicitações nos próximos 12 meses.

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Na perspectiva de agentes do mercado ouvidos na pesquisa Focus do Banco Central, a Selic pode se manter em dois dígitos até o fim de 2027. Se isso ocorrer, será o segundo maior período com juros acima de 10% na era pós-Plano Real.

Serão seis anos consecutivos. Só houve um intervalo maior com juros de dois dígitos entre 1998 e 2009.

Redução do padrão de vida empresarial

O aumento de pedidos de RJ preocupa porque esse é o caminho que antecede um processo de falência. Quando a recuperação é aprovada pela Justiça, a companhia consegue uma proteção temporária contra as cobranças de dívidas. O objetivo é ganhar fôlego para dar a volta por cima.

Como contrapartida para a aprovação, o solicitante tem de apresentar um plano crível de que vai conseguir resolver os problemas e voltar ao lucro. O custo, no entanto, é enorme. Para a empresa, é como se estivesse negativada, ou seja, perde acesso a financiamentos e desperta aversão de investidores. Por isso, o destino final da maior parte de quem entra em uma RJ tem sido fechar as portas.

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Nenhuma empresa passa por um processo desses sem uma dose de sofrimento e aperto. O crédito, por exemplo, fica escasso e, quando alguma instituição se propõe a fazer algum empréstimo, o custo se revela proibitivo. Outro ponto é o saneamento operacional da companhia. Na maior parte dos casos, leva a cortes drásticos de pessoal, renegociação de dívidas e a venda de ativos, sejam imóveis ou mesmo negócios vistos como secundários dentro da estrutura do grupo.

Os administradores precisam reduzir o “padrão de vida” da empresa. Cortar gastos não essenciais e reduzir custos fixos. E, como não pode deixar de investir no negócio principal, os responsáveis tem de ajustar todas as despesas e buscar alguma sobra de capital.

Mais fusões e aquisições em 2025

Um cenário provável para 2025 é o de consolidação de empresas de setores mais vulneráveis aos juros altos. “Vamos ver mais movimentação de fusões e aquisições de companhias em busca de alianças para passar pelo momento mais difícil”, afirma o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Fábio Coelho.

Scarpellini, da EXM, cita setores como o aéreo, o sucroalcoleiro e o varejo entre os mais afetados pelo juro alto. As dívidas das usinas de etanol, por exemplo, têm subido devido à política de preços de combustíveis do governo, que tinham como principais gatilhos as variações de custos internacionais.

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Com a mudança, aumentou a defasagem do preço da gasolina em relação aos preços internacionais. Nesse cenário, as produtoras de etanol precisam segurar os reajustes sob risco de perderem ainda mais mercado.

No caso das companhias de aviação, a escalada do dólar pesa sobre os custos do setor. As aéreas não conseguem repassar para as passagens os aumentos na mesma velocidade em que o dólar tem subido. “Além disso, como muitas passagens já foram vendidas, há descasamento de custos atuais em relação ao preço antigo”, afirma o especialista.

O varejo acumulou muitas dívidas desde a pandemia. “O custo médio desses financiamentos mais antigos alcançam cerca de 20%. Pagar toda essa dívida do passado está bem mais difícil e o momento também não está favorável para um alongamento por meio de emissões no mercado de capitais.”

Dólar alto traz piora de cenário

O sócio e co-presidente da Seneca Evercore, Rodrigo Mello, também enxerga em 2025 um momento de águas mais turbulentas para as companhias navegarem. “A alta de juros, a partir de setembro, pegou algumas empresas de desprevenidas.” O especialista acredita que muitas corporações vão acabar recorrendo a vendas de negócios secundários e, eventualmente, a uma operação de fusão para evitar um cenário pior.

Há, porém, um problema além do juro elevado, que inspira cautela entre potenciais compradores. O dólar alto tem, como efeito colateral, enfraquecer algumas teses de investimentos. Apesar de a empresa-alvo ficar mais barata quando a moeda americana sobe, o faturamento também fica menos relevante ao ser convertido de reais para a divisa dos EUA. “Então, de repente, os números podem começar a não fazer mais sentido para o comprador estrangeiro.”

Companhias com dívidas maiores e mais caras vão ter dificuldades tanto para manter um processo de redução de endividamento quanto de acesso a financiamentos. Em muitos casos, o custo da dívida pode comprometer praticamente todo o dinheiro obtido com o próprio negócio ou ainda transformar o lucro em prejuízo. O cenário de 2025 porém ainda não está dado. “Se houver mudança na incerteza fiscal, o Brasil se recupera muito rápido”, pondera Scarpellini. A preocupação é esse “se” demorar muito para virar realidade.

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