A sangria de dólares vista no fim do ano passado ainda não foi totalmente estancada, mas já começa a perder força. Segundo dados divulgados pelo Banco Central na última quarta-feira (15), US$ 4,6 bilhões deixaram o Brasil nos dez primeiros dias de janeiro. Mas a maior parte da saída (US$ 3,5 bilhões) ficou concentrada nos dias 2 e 3, o que sugere que, aos poucos, o mercado caminha para retomar a normalidade.
A média diária do fluxo cambial entre 2 e 10 de janeiro está negativa em US$ 659 milhões – bem longe do patamar frenético de US$ 2,2 bilhões/dia registrado entre 16 e 30 de dezembro. Se forem excluídos os dias 2 e 3, essa média cai para US$ 221 milhões. Ainda assim, o movimento do capital estrangeiro inicia 2025 com uma dinâmica pior do que a verificada em janeiro de 2024, quando o fluxo ficou positivo em US$ 5,2 bilhões, ou US$ 236 milhões por dia, em média.
De todo modo, essa trégua na forte saída de recursos ajuda a explicar a acomodação da cotação: desde o dia 6 de janeiro, o dólar oscila entre R$ 6,05 e R$ 6,10. Consequentemente, o BC deixou de fazer intervenções no mercado. A última vez que o BC vendeu dólares foi no dia 2 de janeiro.
Os leilões de dólar à vista, realizados pelo BC, contribuíram para essa acomodação, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá.
“O Banco Central está aí para garantir normalidade na negociação cambial. Nesse caso [dezembro], foi uma anormalidade de saída. E o Banco Central procurou ajudar a mitigar essa anormalidade. Foi o que ele fez, sem defender um nível de câmbio específico”, explicou.
Para Figueiredo, esse era o efeito esperado. É como se o mercado financeiro fosse um paciente com uma inflamação e tivesse acabado de receber cortisona. “Ela tem efeito muito forte e muito rápido. Você não consegue dar para o resto da vida, mas o paciente passou a se sentir melhor para dar tempo de se recuperar.”
O processo todo, porém, exigiu doses cavalares de calmante, com a venda de US$ 32,5 bilhões em um sprint de duas semanas, o equivalente a 9% das reservas internacionais.
“Não tem número exato de quanto tem que ter de reserva”, explica Figueiredo. “Mas, quando a gente olha outros países, você pode afirmar que o Brasil tem um pouco mais do que precisa. Com certeza é um pouco para mais, não para menos.”
Com o BC ajudando a organizar a saída de recursos, as empresas e investidores que precisavam comprar dólares conseguiram se planejar e não precisaram correr para garantir hoje um preço “menos pior” do que o de amanhã.
Não que o paciente agora já esteja novinho em folha. “O mercado não está em situação de equilíbrio, é mais de expectativa”, avalia. Mas, considerando a situação de um mês atrás, isso já é um grande alívio. “Quem tinha que sair, saiu.”
Medo acumulado
Ao longo do mês de dezembro, US$ 26,9 bilhões deixaram o país. É a maior saída líquida desde o início da série histórica, em setembro de 2008, e um volume 50% mais alto que o recorde anterior, de dezembro de 2019.
Essa é a comparação em valores nominais. Mas, mesmo fazendo a atualização pelo CPI, o índice da inflação ao consumidor dos Estados Unidos, esse ainda é o fluxo de saída mais intenso da série – mas, neste caso, 22% acima do segundo pior mês (veja abaixo):
Para Figueiredo, da Jive Mauá, o episódio pode ser classificado como “uma mini fuga de capital na virada do ano, depois de uma decepção gigante com relação ao pacote fiscal”.
Esse foi mais um evento dentro de uma série de acontecimentos ao longo do ano, que fortaleceram a sensação de incerteza em relação ao governo brasileiro.
Dólar forte no mundo
Mas nem tudo foi provocado pelas questões locais. O cenário global, por si só, justificou um desvio do fluxo global para ativos americanos. E a vitória do republicano Donald Trump contribuiu muito para isso. A promessa de uma política mais protecionista, com foco no crescimento da economia americana, fez os juros de longo prazo nos Estados Unidos subirem. E isso acabou atraindo muito mais dinheiro para lá e, consequentemente, ajudando a fortalecer a moeda americana , explicou Figueiredo.
O ex-BC ressalta que essa saída mais forte de dólares não tem a ver com o aumento da facilidade de enviar dinheiro para fora ter aumentado a cada ano. Na verdade, o efeito é até inverso: quanto mais liberdade investidores e empresas têm para trazer ou tirar recursos do país, menos pressa ele tem para mandá-los para fora do país.
“Quando o regime é livre, você não tem fuga de capital. Ele flui livremente.”
O que está pesando, além do fortalecimento do dólar globalmente, é o clima de incertezas por aqui. E isso pode ser percebido também no movimento do investidor estrangeiro na bolsa. Em 2024, saíram da B3 o equivalente R$ 32,1 bilhões em capital estrangeiro. Esse dinheiro pode ter ficado no Brasil e apenas migrado para ativos de renda fixa, que está pagando um retorno muito alto neste momento, ou pode ter simplesmente ter ido para fora. Seja como for, esse comportamento é considerado uma demonstração da baixa confiança desse agente estrangeiro.
Para Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV), embora sejam números altos, é possível atribuir essa saída de dinheiro a um ajuste de carteira por parte dos investidores.
“Eu diria que a palavra pânico é muito forte, mas teve uma das saídas mais intensas em muito tempo. Está tendo uma saída forte de recursos, de tudo, não só capital. É ajuste de estoque.”
Olhando separadamente para os canais comercial (as importações e exportações) e financeiro (onde estão contabilizadas as posições em ativos financeiros), fica claro que, em 2024, o fluxo da balança ficou “relativamente equilibrado”, segundo Marçal. A saída ficou concentrada mesmo na conta financeira.
Próximos passos
O fato do câmbio ter se acomodado ao redor dos R$ 6,00 é um sinal de que a sangria vista no fim do ano foi estancada. Mas a discussão agora, diz Marçal, é como reverter o cenário e trazer o dinheiro de volta. E isso tem que passar por uma arrumação interna.
“Se o câmbio for a R$ 8 e a economia brasileira estiver bem, sem inflação, arrumadinho, naturalmente vai ter movimento de entrada. Se a depreciação for bem razoável, as pessoas entram porque Brasil está muito barato”, explica.
Mas não basta os preços caírem. O investidor só vai achar que os ativos estão baratos se houver uma melhora em algumas variáveis, a começar pelo fiscal. “Para gerar a ideia de que o Brasil está barato, as coisas têm que estar arrumadas aqui dentro”, conclui o economista.