O câmbio deixou de ser um vento a favor do controle da inflação no Brasil e, daqui para frente, o ajuste fiscal – que o Brasil não está conseguindo cumprir – terá mais importância no trabalho do Banco Central de reduzir os juros. Essa é a opinião de Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e diretor da Oriz Partners.

No acumulado do ano, o dólar acumula uma queda de 15% contra o real. A valorização da nossa moeda ajuda a conter a inflação na veia porque torna os produtos importados e os insumos fiquem mais baratos em reais, reduzindo custos – e segurando preços.

Na prática, um câmbio amigo do real faz uma parte do trabalho da Selic, que é o de frear a inflação. E deixa o BC mais propenso a reduzir os juros.

No diagnóstico de Kawall, a queda recente da inflação derivada da apreciação do real foi o que baixou as projeções do mercado para o IPCA no fim do ano, de 5% para perto de 4,5% em 12 meses. “Mas esse vento a favor se exauriu”, diz o economista.

O problema é o seguinte. O dólar caiu em grande parte por conta da expectativa de cortes nos juros dos EUA. Quanto menos juros os americanos pagam, mais o dólar tende a perder valor ante outras moedas. Os primeiros cortes vieram. O mais recente, nesta quarta (29), reduzindo a “Selic” dos EUA de 4,25% para 4%. Mas o próprio banco central americano sinalizou uma provável pausa nos cortes. Menos pressão de baixa para o dólar, portanto.

Sem a ajudsa do câmbio, a política doméstica passa a ditar o ritmo – especialmente o lado fiscal, que tende a ganhar destaque em ano eleitoral. “Lado fiscal” significa o governo aumentar seus gastos (em subsídios, por exemplo). Isso aumenta a atividade econômica. Em outras palavras, coloca mais moeda em circulação.

Juros combatem a inflação drenando dinheiro da economia. Se o governo faz o oposto, o Banco Central não tem como baixar a Selic – no limite, tem de aumentar. “Quem define o juro é a política fiscal”, resume o economista.

Três fatores

No cenário-base das previsões do mercado, a Selic começaria a cair em janeiro e termina o ano em 12,5%. A atividade econômica mostra sinais de desaceleração, embora de forma desigual: o setor de serviços segue resiliente, apoiado por um mercado de trabalho ainda aquecido – “o coração da inflação”, segundo Kawall —, enquanto o crédito e os investimentos já perdem fôlego. Essa diferença de ritmo explica por que o processo de desinflação ainda caminha devagar.

Os serviços resistem justamente por serem pouco sensíveis ao câmbio. Seus preços derivam de salários e consumo interno, não de importados, o que faz com que eventuais oscilações do dólar tenham baixo impacto imediato. Mesmo com uma depreciação da moeda americana, o repasse nesse segmento é limitado e demorado, mantendo um pedaço importante da inflação mais rígido.

Ainda assim, há três fatores que abrem espaço para o corte de juros. O primeiro é o juro real em nível recorde, que continua fortemente contracionista mesmo com reduções graduais da Selic.

O segundo são os efeitos defasados da política monetária, que seguem atingindo os setores mais dependentes de crédito – como bens duráveis, imobiliário e investimentos corporativos – antes de se espalhar para serviços.

E o terceiro é o arrefecimento do emprego: se a criação de vagas desacelera, isso tende a aliviar a pressão sobre salários e, por consequência, sobre os preços de serviços.

Por fim, uma visão otimista. Caso o câmbio permaneça relativamente estável, o risco de novos repasses de preços vindos de importados, combustíveis e fretes diminui. Esse cenário permite ao Banco Central iniciar o ciclo de cortes, ainda que com prudência, calibrando as reduções para combater a inflação sem reacender a demanda. Esse já é um desafio nada trivial para o BC. Mas, se a parte fiscal não ajudar, se tornará impossível.