Sabe o arroz e o feijão que você compra todo mês no supermercado? Em torno de 4% do que você paga por esses produtos serve para financiar desde as termelétricas no Nordeste até iniciativas como o fomento da competitividade do carvão nacional.
E não é só o prato típico. Há taxas embutidas na conta de luz de todos os produtos e serviços produzidos ou prestados no país. Elas existem para bancar dezenas de subsídios e ineficiências do setor elétrico. A estimativa faz parte de um estudo feito pela Associação Brasileira dos Consumidores de Energia (Abrace), que reúne os 50 grupos empresariais que mais consomem energia no país.
A conta do que os brasileiros pagam diretamente para custear essas despesas “escondidas” é espantosa. Os consumidores desembolsam R$ 100 bilhões a mais todo ano, segundo o estudo da Abrace. É dinheiro que equivale ao orçamento de todo o Estado do Rio de Janeiro em 2024.
A cifra vem da fatia de 27% da conta de luz usada para bancar essas taxas e custos que nada tem a ver com a geração, transmissão e distribuição de energia. Se essa dinheirama fosse dividida pela população do país, cada brasileiro receberia R$ 490 por ano.
Quando olhamos a lista do que tem nessa fatura de R$ 100 bilhões, os maiores pesos recaem sobre os subsídios de R$ 32,6 bilhões da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e R$ 4,4 bilhões para a geração distribuída (GD). Outros R$ 63 bilhões se relacionam às ineficiências – situações como perdas na transmissão e distribuição e o furto de energia, o popular “gato”.
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A CDE ocupa o topo do ranking no subsidiômetro divulgado no site da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), reguladora do setor. É um encargo setorial que reúne diversas destinações, que vão desde descontos tarifários aos usuários de baixa renda e rural a indenizações de concessões. Mas essa conta embute também incentivos já ultrapassados como promover a competitividade do carvão mineral nacional.
Custos indiretos e o que isso significa para o seu bolso
Além do gasto direto que as pessoas têm na própria conta de luz, os consumidores acabam pagando a fatura indiretamente também. Isso porque as empresas repassam esse custo para os produtos e serviços. São custos extras embutidos nos preços que variam de 1,6% a 8,6%, segundo cálculos da Abrace.
Pode parecer pouco, mas se, de repente, você pudesse economizar 4% em tudo o que gasta, o impacto para as suas finanças poderia ser significativo. No longo prazo, por exemplo, em 10 anos, a conta vira outra. E para você entender por que a escolha dos 4%: essa é a mediana do custo extra repassado. Isso quer dizer que metade do que foi analisado no levantamento tem custo acima de 4% e a outra metade, abaixo de 4%.
Vamos supor que uma família tenha um gasto mensal de R$ 3 mil com compras, restaurantes, lazer e outras despesas. A economia seria de R$ 120 a cada 30 dias.
Se esse dinheiro fosse aplicado todo mês em um investimento conservador, como o Tesouro Selic, que tem remuneração atrelada à taxa básica de juro, o valor nominal em 120 meses (10 anos) chegaria a nada menos que R$ 25.142, considerando as condições de juros atuais.
O estudo da Abrace cita outros casos. A cesta básica, por exemplo, poderia ser comprada com um desconto de 4,1% na comparação com os preços atuais.
Para se ter uma ideia palpável do que isso significa, vamos pegar o preço médio em 17 capitais desse grupo de alimentos essenciais, que inclui feijão, arroz, farinha, batata, legumes, verduras, frutas, carne, ovos, leite, queijos açúcar, sal, óleo, manteiga e café. O valor alcançou R$ 655 em agosto deste ano, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Os consumidores, então, economizariam R$ 27 cada vez que adquirissem o grupo de itens, caso a fatura de energia viesse limpa dos custos embutidos. Se uma família fizer essa compra uma vez por mês, teria R$ 324 a mais por ano. Esse dinheiro aplicado mensalmente no Tesouro Selic resultaria em R$ 5.657, em 120 meses.
Em outro exemplo, se você compra, digamos, R$ 300 de carnes por mês, teria uma economia de R$ 12,40 a cada 30 dias. Ou R$ 148,80 por ano. No caso dos automóveis, a Abrace calculou em 12% a participação da energia elétrica e do gás no custo de produção. Mais de um quarto desse percentual (3,2% do preço do veículo) é a fatia dos subsídios e ineficiências. São R$ 3,2 mil em um carro de R$ 100 mil.
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Impactos
De acordo com o diretor de Energia Elétrica da Abrace, Victor iOcca, “se os consumidores brasileiros, principalmente a indústria, tivessem acesso a uma energia mais competitiva, o impacto positivo para a economia e o crescimento seriam enormes”. No estudo, a entidade calcula que o PIB ganharia R$ 2,625 trilhões em 10 anos, um crescimento de 24% em relação ao resultado de 2023.
A taxa de expansão do PIB per capita passaria de 1,4% ao ano para 3,2% ao ano na média em uma década. Isso levaria o indicador a um valor de R$ 69 mil (contra R$ 50 mil em 2023).
O impulso ao crescimento traria ainda outros ganhos, na visão da associação de grandes consumidores de energia. Em 2033, a taxa de desemprego, por exemplo, poderia cair para algo em torno de 3,5% da população economicamente ativa. Para se ter uma ideia do que significaria uma redução desse nível, basta lembrar que o atual índice, de 6,6% já é considerado um dos menores da história.
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“Precisamos parar de cavar buracos de ineficiência no setor elétrico”, afirma o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa. “Somos obrigados a pagar uma energia mais cara do que o necessário.” Segundo ele, com um custo da energia mais baixo, vários setores da indústria poderiam se tornar mais competitivos.
O sócio e diretor da Thymos Energia, Jovanio Santos, explica que o governo tem retirado de maneira gradual parte dos subsídios. O setor, no entanto, ainda tem desafios para ganhar mais eficiência. Na visão do especialista, é importante investir em uma política de abertura de mercado.
Para Santos, essa abertura “significa dar a oportunidade a todos os consumidores de quem vai comprar energia”. A abertura, acrescenta o sócio da Thymos, pode atrair investimentos de mais de R$ 110 bilhões nos próximos 10 anos.
Acabar com boa parte dos subsídios ajudaria a reequilibrar o mercado de energia. Além de impulsionar o crescimento econômico, seria um argumento de competitividade para atrair mais investimentos. No entanto, como ressalta iOcca, da Abrace, criar subsídio é fácil, mas tirar é outra história. Até lá, o pato continua a ser pago na conta pelos consumidores.
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