Economia

‘Surpresa’ no Desenrola em rotativo do cartão é ruim para juros e bancos

Avaliação é de especialistas, que apontam alta do custo do crédito.

Publicado

em

Tempo médio de leitura: 5 min

A Câmara deve votar ainda nesta terça-feira (5) em plenário o projeto de lei do Desenrola, após aprovar na véspera requerimento de urgência com 360 votos a favor e 18 contra. Porém, a proposta do programa do governo para renegociação de dívidas trata também dos juros do rotativo do cartão de crédito. E é nela que o mercado financeiro está de olho.

Isso porque o mérito da matéria, se aprovado nas duas Casas Legislativas, terá reflexos tanto na economia real quanto no setor financeiro. Especialistas ouvidos pelo InvestNews avaliam que, em ambos os casos, o impacto é negativo. Afinal, “não se alteram as leis de oferta e de procura por decreto”, comentou o economista André Perfeito. 

Cartão de crédito (Imagem de StockSnap por Pixabay)

Para o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, o projeto do Desenrola, que traz consigo medidas que preveem a mitigação dos juros do cartão de crédito, tem efeito econômico similar que, se sistemático, pode distorcer os incentivos aos pagamentos, onerando o custo do crédito.

“Ambas as medidas devem incrementar os juros médios da economia, visto que limitar o custo do cartão e ignorar a taxa de inadimplência elevada da modalidade apenas fará com que outras modalidades paguem por esse custo”

economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez

Segundo Sanchez, de maneira análoga, “limpar” a base de inadimplentes beneficia os “maus pagadores”.

Já o analista de investimentos e chefe de análise fundamentalista da Quantzed, Vitorio Galindo, avalia que o impacto está mais relacionado ao produto, no caso o cartão de crédito, do que com a taxa de juros no geral. “A não ser que os bancos decidam compensar as perdas de receita e com a inadimplência no cartão com outros produtos, mas isso não é o trivial”, comenta.

Limite de 100%

Entre as polêmicas da proposta, está a definição de um limite de 100% da dívida para os juros do cartão de crédito rotativo. Essa modalidade é a que determina os juros no período de até um mês após o não pagamento da fatura. Depois deste tempo, transfere-se a dívida para a modalidade parcelado, em que há a incidência de menores taxas de juros. 

Nesse sentido, o analista da Guide Investimentos, Eduardo Siqueira, explica que hoje a taxa média anual de juros na modalidade é de aproximadamente 440%.

“Ou seja, o limite de 100% poderá reduzir drasticamente a oferta de crédito no cartão pelo setor, caso seja aprovada”

analista da Guide Investimentos, Eduardo Siqueira

Por isso, ele prevê que dificilmente a matéria não irá sofrer alterações no Congresso. Até porque um embate sobre rotativo e parcelado marca o segmento, com os bancos defendendo mudanças no parcelamento sem juros ou incentivos/exceções para públicos de maior risco. 

Do contrário, é o consumidor quem irá sentir. “Já que o banco vai ter que limitar os juros, provavelmente vai emprestar, vai ceder crédito no cartão apenas para clientes que tem uma inadimplência boa e que daí não precisa cobrar um juro alto no cartão para compensar as perdas”, explica Galindo, da Quantzed.

Aliás, o setor bancário terá de apresentar uma proposta de autorregulação para o rotativo do cartão. Caso contrário, o total cobrado a título de juros e encargos financeiros não poderá exceder o valor original da dívida. Portanto, além de arcar com maiores riscos, também haverá maior competição entre emissores de cartão. 

Alguns bancos perdem mais

No fim de agosto, portanto antes do avanço da votação na Câmara, o Goldman Sachs publicou um estudo para averiguar quais bancos seriam os mais afetados por um teto de juros no rotativo. Seja em um cenário com limite de 8% ou de 10%, o Banco Inter (INBR32) seria o mais afetado, em termos relativos, com uma queda de até 50% no lucro anual. 

Já em termos absolutos, o Itaú Unibanco (ITUB4) teria o maior impacto, ao redor de R$ 2 bilhões. O Goldman Sachs fez os cálculos considerando a carteira de cartão de crédito de cada banco e qual a fatia do rotativo nesse portfólio.

30/06/2019 REUTERS/Rodrigo Garrido

Para Siqueira, da Guide, a medida é negativa para o setor como um todo, sendo os bancos com maior exposição à modalidade rotativo e os com maiores juros na categoria os mais afetados. Ele cita Santander (SANB11) e Bradesco (BBDC4) como “os principais impactados dentre os grandes bancos”. 

Segundo ele, essa expectativa deve-se à maior representatividade do cartão de crédito rotativo dentro da operação dessas instituições e de segmentos de maior risco de crédito, em que naturalmente incidem as maiores taxas. 

Por outro lado, os menos afetados, na visão da Guide, são o Banco do Brasil (BBAS3) e o Banco ABC. “Enquanto o cartão de crédito rotativo é menos representativo dentro do balanço total do banco público; o segundo não atua nessa linha de crédito, sendo um banco voltado para empresas de maior porte”, emenda Siqueira. 

Mais Vistos