Enquanto Xi Jinping se prepara para começar sua segunda década como presidente da China, o líder enfrenta um novo fenômeno: cidadãos muito mais céticos.
O fim repentino de alguns dos controles mais rigorosos da Covid no mundo, na esteira de raros protestos contra Xi e o Partido Comunista no fim de novembro, levou a uma onda de doenças e mortes na segunda maior economia do mundo, sobrecarregando hospitais e crematórios. Embora autoridades chinesas tenham declarado uma “vitória decisiva” sobre o coronavírus no mês passado pela segunda vez, as consequências políticas de longo prazo para Xi permanecem incertas.
O déficit de credibilidade de Xi é particularmente evidente em Xangai, um centro financeiro e comercial que há muito tempo serve como vitrine da China para o mundo. Entrevistas com mais de uma dúzia de pessoas da cidade nas últimas semanas mostraram uma profunda falta de confiança em relação ao futuro sob o comando de Xi e seu novo braço direito Li Qiang, que foi recompensado com uma promoção a primeiro-ministro depois de praticamente trancar a população em casa por dois meses no ano passado.
“Se alguém te ferir, levará muito tempo para reconstruir a confiança”, disse Lillian, 43, nativa de Xangai, que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome para poder falar sem restrições na China.
Xi terá a chance de começar a restaurar a confiança neste fim de semana, quando a legislatura da China – o Congresso Nacional do Povo – se reunirá em Pequim para sua sessão anual. O evento dará aos cidadãos a oportunidade de ouvir Li e outras autoridades sobre os planos para reativar uma economia que cresce perto do ritmo mais lento das últimas décadas, bem como sobre o rumo da política externa à medida que as tensões EUA-China aumentam em relação à Rússia, Taiwan e controles de exportação de tecnologia avançada.
Para o mundo, as mensagens apresentadas mostrarão até que ponto os crescentes problemas econômicos internos da China afetarão suas políticas em relação a questões globais como a guerra da Rússia na Ucrânia, que impulsionou a inflação e aumentou as suspeitas entre aliados dos EUA sobre as intenções do governo de Pequim em relação a Taiwan. O desejo expresso de Xi de buscar um acordo de paz foi recebido com incredulidade pelo governo dos EUA, que tem alertado repetidamente sobre a possibilidade de a China ajudar a Rússia a prolongar o conflito.
Embora quantificar o nível de insatisfação seja sempre difícil na China, nos últimos meses os cidadãos tornaram-se mais ousados em mostrar oposição ao governo. Manifestações de alto nível levaram autoridades chinesas a mudar de rumo em uma série de políticas além da Covid, incluindo proibições de fogos de artifício, paralisação de projetos imobiliários e redução de benefícios médicos para aposentados.
Insatisfação
A Freedom House, uma ONG de Washington que no ano passado começou a coletar dados para seu China Dissent Monitor, documentou protestos em quase todos os cantos do país nos últimos três meses de 2022. As manifestações foram mais prevalentes na província de Sichuan, no sudoeste da China, na potência econômica de Guangdong e em Shandong, mais acima na costa leste em direção a Pequim, mostrando descontentamento em uma ampla área geográfica.
Por trás dessa insatisfação estão cada vez mais questões sobre a capacidade de Xi de cumprir o contrato social que sustenta a legitimidade do Partido Comunista: aceitar o regime de partido único em troca de uma governança competente que mantenha as pessoas seguras e proporcione prosperidade econômica.
“Se você estabelecer uma causalidade, terá que continuar a cumprir”, diz Ding Yuan, vice-presidente e reitor da prestigiada China Europe International Business School, em Xangai, em referência ao contrato social na China. “Nesse sentido, não podem escapar disso.”
Além disso, destaca Ding, o governo não tem soluções fáceis para problemas econômicos estruturais, como o envelhecimento da população, a necessidade de fortalecer o sistema de segurança social e a dependência excessiva da venda de terras para que os governos locais levantem dinheiro para fornecer serviços essenciais.
“Essas questões vão pesar sobre a economia e, em última análise, tornar as pessoas menos felizes”, disse Ding.