Primeiro, porque ajuda a buscar oportunidades menos óbvias, que podem estar fora do radar – seja dos investidores diletantes, seja dos profissionais. Segundo porque máquinas têm uma vantagem sobre humanos: não se emocionam.
É nessa parte que o JP Morgan mira. A asset do banco desenvolveu o Moneyball, um robô que tenta corrigir erros dos gestores de portfólio. O nome faz referência àquele filme sobre o uso intensivo de dados para montar um time de baseball com jogadores baratos (baseado no livro homônimo de Michael Lewis).
O uso intensivo de dados no caso do JP Morgan é, obviamente, outro. O Moneyball analisa 40 anos de dados para ver, por exemplo, se ainda é cedo demais para vender uma ação.
Tipo: estamos em dezembro de 2023 e você, gestor, está carregado de Nvidia. O papel já subiu 300% no ano. Hora de vender. Para a imensa maioria, sim. Mas quem fez isso deixou de ganhar. Do final de 2023 até o pico mais recente, Nvidia ganhou mais 200%, em cima dos 300% lá de trás.
E aí que entra o Moneyball. Os 40 anos de dados que ele analisa podem indicar se vale segurar uma ação rampante por mais tempo. Ele se debruça em casos do passado semelhantes ao da Nvidia – seja o da Amazon nos anos 2010, seja o da Coca-Cola nos anos 1980, seja algum caso menos popular, que ninguém lembra mais, mas que uma IA bem treinada acessaria em um milissegundo.
Claro: ajudar nas análises é uma coisa. Acertar é outra. Por conta disso, o sistema ainda está em testes no JP Morgan, nas mãos de poucos gestores. Conforme venham resultados positivos, eles vão expandir o uso lá dentro.
No mundo das pequenas gestoras é diferente. O uso da IA entra também como ferramenta de marketing. É o que acontece no caso da australiana Minotaur, que se vende como uma gestora meio que 100% IA. O staff ali tem apenas quatro pessoas. Os três fundadores e o Taurient, a ferramenta proprietária de IA deles.
O robô analisa 35 mil textos por semana, em busca de achados. Numa entrevista recente a um portal australiano, a co-fundadora Armina Rosenberg, co-fundadora ali, exemplificou um deles: a Chugai, uma farmacêutica japonesa.
A Chugai inventou uma espécie de Wegovy em forma de pílula e cedeu os direitos à Eli Lilly. O remédio ainda está em testes (chama-se Orforglipron), e ela vai ganhar royalties quando (e se) ele chegar ao mercado. Esse é um fato de conhecimento público, e a Chugai é uma empresa de US$ 70 bilhões, que passa por altas fortes quando há testes bem-sucedidos do Orforglipron.
Só que ela escapa ao radar dos analistas simplesmente por ser uma empresa japonesa, pouco coberta pelo noticiário ocidental. “E eu não leio jornais japoneses de manhã com a minha xícara de café”, disse Armina Rosenberg.
A IA lê, porém.
Outro investimento deles alimentado por IA foi na Rheinmetall, uma empresa alemã que fabrica tanques de guerra e outros equipamentos militares. A Minotaur entendeu que, com os EUA se distanciando da Otan, a indústria militar europeia receberia mais encomendas.
Rodaram, então, um deep research no GPT pedindo um relatório de companhias que poderiam ser beneficiadas. E ele entregou, apontando a Rheinmetall. No braço, o trabalho poderia levar semanas. No GPT, foram 10 minutos. A Rheinmetall sobe 200% no ano.
Não dá para dizer que a tática deles seja ruim. Este repórter mesmo encontrou a Minotaur com uma mãozinha do GPT – pois não costuma ler portais australianos no café da manhã. E o retorno deles no ano está em 27%.
Análise maciça
Existe uma área específica em que o poder massivo de análise da IA pode ser ainda mais útil: a do financiamento de litígios. Trata-se de uma área relativamente nova, e ainda pequena, no mundo das finanças. Mas que tem ganhado tração.
Gestoras de investimentos bancam as custas jurídicas de escritórios de advocacia em troca de uma parte dos honorários que caírem lá na frente, em caso de vitória em algum litígio jurídico. Isso é mais comum em ações coletivas – quando um escritório de advocacia junta centenas, ou milhares, de litigantes que não teriam condições de bancar um caso contra alguma grande empresa. Quem paga são fundos de investimento.
Acaba funcionando como um Fdic, um fundo de direito creditório – de alto risco, já que decisões judiciais são tudo, menos previsíveis.
Uma gestora especializada nessa modalidade é a americana Legalist. A essência do trabalho ali é chafurdar uma montanha de processos em busca de casos com boa probabilidade de vitória.
Para ajudar nisso, eles desenvolveram uma ferramenta própria de IA, batizada de Truffle Sniffer – o nome faz referência aos porcos caçadores de trufas, que farejam a terra em busca da iguaria.
A natureza da IA
Bom, se a IA tem uma capacidade sobre humana de pesquisa, não é natural que ela passe a decidir e executar decisões de investimento, sem auxílio humano? Para Roberto Campos Neto, vice-chairman do Nubank, disse que a parte da execução automática seria, no mínimo, perigosa.
No Fronteiras do Investimento, um ciclo de painéis organizado pelo InvestNews em parceria com a NuAsset, o ex-presidente do Banco Central disse que o problema, aí, está na natureza das IA’s generativas.
É impossível saber exatamente como uma inteligência artificial chegou a uma conclusão X oy Y. O “pensamento” delas emula o cérebro humano. Quando você pensa numa imagem, não sabemos como seus neurônios criam essa imagem mental. Com IA é a mesma coisa.
Por conta desse caráter imprevisível, RCN acredita que o acesso da IA à execução de um investimento deve ser restrito, inclusive de forma regulatória.
Como resumiu Glaucia Rosalen, CFO da Microsoft Brasil, no mesmo evento. “Quando pensamos em decisões que envolvam ética e valores, tem que ter o julgamento humano”. E decisões de investimento por parte de gestores que cuidam das economias alheias fazem, definitivamente, parte desse clube.