Imposto retido na fonte já é chato. Mas trata-se de um berço esplêndido comparado à alternativa: pagar de mordomo do Leão. Ou seja, fazer você mesmo as contas de quanto deve, gerar Darf, pagar no banco e aí, meses depois, descrever todos os detalhes dessa jornada para o fisco numa cartinha chamada Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Ufa. 

Infelizmente, é assim que se paga imposto sobre o lucro que você conseguir com ações. A boa notícia é que dá, pelo menos, para diminuir a carga desse tributo. E usando como ferramenta algo quase tão certo quanto a morte (e os impostos): os prejuízos com ações. 

Só tenha em mente que tornar possível esse desconto é um trabalho de formiguinha, algo que você precisa ir construindo com o tempo. Não adianta colocar um prejuízo forte que você teve com ações em 2023 na declaração do IR 2024, por exemplo. Isso não vai aumentar a sua restituição. 

Até porque não é na restituição que esse jogo se desenrola – o desconto acontece com a bola do ano fiscal rolando, meses antes de você pensar na declaração do IR.  

LEIA MAIS: Como, e por que, o PGBL aumenta a restituição do IR

Para deixar tudo mais claro, comecemos o passo a passo de uma vez.

Passo 1: anote o prejuízo.  

Vamos dizer que você comprou R$ 25 mil em ações da Vale em janeiro de 2023, a R$ 97,40 cada uma, e vendeu em março de de 2024, a R$ 63,40. Uma tungada de 35% em VALE3, que transformou seus R$ 25 mil em R$ 16,2 mil. Prejuízo de R$ 8,8 mil

Agora abra uma planilha (ou um Google Docs, ou uma nota no celular) e anote esses R$ mil negativos da venda. Acredite: você vai precisar disso depois.

Passo 2: anote o lucro

Nem só de más notícias vive o stock picker, claro. Você comprou R$ 30 mil de Petrobras no começo de 2023, com PETR4 a R$ 24, e vendeu agora, em abril, com o papel a R$ 42. Alta de 75%. Seus R$ 30 mil se transformaram em R$ 52,5 mil. Lucro de R$ 22,5 mil. 

Abra a mesma planilha. Anote. Guarde. E vá já para a parte dura: pagar o imposto via Darf (o prazo final é curto, vai só até o final do mês seguinte à realização do lucro). 

Quanto você paga de imposto? 15% sobre o rendimento. No nosso exemplo aqui, com PETR4, isso dá R$ 3.375. Então mãos à obra. Agora, um tutorial necessário, mas burocrático (se eu fosse você, pularia direto para o próximo intertítulo e deixaria para ler depois). Aqui:  

Quando o prejuízo aumenta o lucro

O imposto seria de R$ 3.375 em condições normais de temperatura e pressão. Mas não é o caso aqui, porque dá para reduzir a facada usando o prejuízo que rolou na operação de março. Assim: 

R$ 22,5 mil (lucro com PETR4) menos R$ 8,8 mil (prejuízo com VALE3) = R$ 13,7 mil

É isso. Você tem o direito de abater um prejuízo do passado na hora de calcular o valor tributável sobre um lucro do presente (ou do futuro). O valor que você deve colocar na Darf, então, é outro: 15% de R$ 13,7 mil; ou seja, R$ 2055

Imposto pago, falta avisar ao Leão que você pagou – isso você faz na declaração de IR do ano seguinte, o de 2025

Como preencher na declaração

É agora que você vai usar os números que deixou anotado. Bora para mais um menu clássico:

Pronto. 

Eterno, enquanto dure

E fica a pergunta: até quando um prejuízo com ações “segue valendo” como uma ferramenta para diminuir o imposto sobre um lucro com ações? “É ‘infinito'”, diz André Kelmanson, CEO da Grana Capital. “O prejuízo vai ser carregado até você gerar esse ganho [o que terá o imposto parcialmente abatido] “. A empresa faz um app, o Grana, que automatiza os procedimentos que mostramos aqui.

Renata Grosman, especialista em IR da mesma companhia, lembra outro ponto importante. “O prejuízo é compensado no próprio mês, ou nos meses seguintes. Ele só anda para frente”. Pois é. Se você teve um lucro com ações em janeiro e um prejuízo em fevereiro, vai pagar o imposto completo sobre esse ganho no mês 1, simplesmente porque ele veio antes da perda.  

O prejuízo de fevereiro vai ficar “esperando” até que apareça algum mês com lucro para ele abater (para você abater, no caso). E aí tende ao infinito mesmo. Declare o prejuízo na declaração de 2025 e aí fique à vontade para carregá-lo para a de 2026, 2027… 

Só tomara que, na vida real, você não tenha de esperar tanto tempo 😉