Inventário é sinônimo de muita espera e gasto, certo? Nem sempre. Existe um caminho em que a repartição de bens pode ser mais barata, rápida e passar ao largo do moroso trâmite da Justiça.
Todas essas facilidades estão na cesta de benefícios do inventário extrajudicial, cuja nomenclatura já diz tudo: a discussão da herança não acontece nos tribunais, onde fica à mercê da decisão de um juiz. Nessa modalidade, o processo acontece diretamente em cartórios de notas, responsáveis por arquivar documentos oficiais no país, como escrituras e testamentos.
A possibilidade de fazer o inventário fora da Justiça tem apenas 18 anos de vigência legal no Brasil. E vem crescendo desde então. Em 2007, ano em que a regra passou a valer, foram registrados 37.637 inventários do tipo. Já em 2023, último dado disponível, o volume saltou para 242.853 — alta de 545%, segundo números da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR). Nesse período, foram pouco mais de 2,3 milhões de inventários extrajudiciais concluídos.
A primeira vantagem do inventário extrajudicial é que ele pode ser feito em qualquer cartório de notas, independentemente do domicílio dos herdeiros. A segunda vantagem, é que esse processo tende a ser mais rápido. Além disso, tem grande chance de os custos serem bem menores na comparação com o inventário judicial — razão pela qual muita gente tem optado por esse caminho.
Mas é preciso ficar muito atento a isso: para o barato não sair caro, é necessário levantar as taxas administrativas, que variam de acordo com o Estado onde vai acontecer o processo. E aí, é importante comparar com o valor dos honorários cobrados por advogados, calculados em cima do tamanho do patrimônio envolvido no inventário.
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A advogada Marina Dinamarco, que atua em São Paulo, tem exemplo recente. Ela foi contratada para gerir uma partilha de bens, que somavam R$ 18 milhões.
O inventário resolvido em cartório segue uma tabela de custas, chamada de Emolumentos. São taxas que remuneram os cartórios pelos serviços de registros, autenticações e lavraturas de documentos.
Em São Paulo, a lógica é a seguinte: quanto maior é o volume de bens, maior é o valor cobrado em taxas, que começam em R$ 343 para bens de até R$ 1.469, e podem chegar a mais de R$ 62 mil para patrimônios avaliados acima de R$ 33,8 milhões.
Para os R$ 18 milhões de patrimônio, do caso de Marina Dinamarco, as custas administrativas ficaram em exatos R$ 33.599,53. Se o mesmo inventário fosse resolvido na Justiça, os gastos só com a taxa judiciária subiriam para R$ 111.060.
No Judiciário paulista, a taxa que incide sobre um inventário judicial considera a UFESP, sigla para Unidade Fiscal do Estado de São Paulo. Ela é usada como referência para cálculos tributários. Em 2025, uma UFESP custa R$ 37,02. Patrimônios acima de R$ 5 milhões geram, por tabela, 3 mil UFESPs. O cálculo, portanto, é este: 3000 x 37,02 é igual a R$ 111.060.
Mas essa é a realidade de São Paulo. Já no Paraná, o cartório vai cobrar sempre as taxas de acordo com o número de imóveis. Já na Justiça de lá, a taxa é de 0,2% sobre todo o patrimônio. Logo, o caminho judicial é vantajoso para quem tem muitos bens.
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Prepare seu bolso
Independentemente do caminho escolhido, os herdeiros vão ter que recolher o Imposto da Herança. É o ITCMD (Imposto sobre Transmissão e Causa Mortis e Doação), tributo que incide sobre doações ou transmissões de bens. Sua cobrança é feita pelas secretarias de Fazenda dos Estados, além do Distrito Federal. Veja alguns exemplos:
- Em São Paulo e no Paraná, a alíquota de ITCMD é de 4%;
- Em Minas Gerais, 5%;
- Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, vai de 1% a 8%.
E ainda tem o valor pago aos advogados, que devem ser contratados para orientar os herdeiros e garantir a segurança jurídica da escritura de inventário.
A Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) sugere percentual de até 6% sobre o valor do patrimônio para os honorários de inventários extrajudiciais. Nos judiciais, a recomendação é de 8%, para os processos com acordo entre as partes; e 10% para os com litígio.
Famílias de baixa renda têm à disposição assessoria jurídica de defensores públicos e podem ser beneficiadas com a gratuidade do serviço prestado pelos cartórios. Mas, para isso, é necessário comprovar a condição financeira.
Mais rapidez
Outro aspecto que torna o caminho extrajudicial vantajoso é que, nesse tipo de inventário, não há audiências, intimações, prazos para manifestações, publicações e outras burocracias comuns às partilhas que tramitam na Justiça. Tudo isso já ajuda a tornar o processo mais rápido.
Mas, de novo, para que essa opção seja viável, é preciso haver consenso absoluto. Todos os envolvidos devem estar de acordo com a destinação dos bens. E mais: não cabe dentro do inventário extrajudicial questionamentos, como dúvidas sobre a união estável de um dos herdeiros.
Com o consenso garantido, o passo seguinte será analisar a complexidade do patrimônio. “Para um patrimônio pequeno é possível finalizar a partilha em até 90 dias. Já quando envolve grandes fortunas, com diversidade de imóveis, que incluem fazendas, a tendência é de um tempo maior de análise”, explica a advogada Marina Dinamarco.
Essa análise envolve juntar diferentes certidões, como as que atestam que não há débitos nos imóveis partilhados, tipo IPTU; e ITR, que incide sobre propriedades rurais.
“A agilidade do inventário extrajudicial depende muito do empenho das partes envolvidas, seja para realizar o levantamento dos documentos necessários, bem como para o pagamento dos impostos, pois os processos internos nos cartórios costumam ser ágeis”, pontua o advogado Jorge Augusto, do Domingues Sociedade de Advogados.
E fique atento: o prazo para abertura do inventário extrajudicial é de 60 dias, contados a partir da morte do instituidor da herança. Quem não cumpre esta regra paga 10% de multa sobre o valor do ITCMD e a situação pode piorar: se ultrapassar 180 dias, a multa avança para 20%.
Mas há um atalho: procure o cartório e já nomeie um dos herdeiros como inventariante do espólio. Esse ato já oficializa a abertura do inventário extrajudicial. “Ele pode anteceder a realização da escritura de inventário, fazendo com que os herdeiros se livrem da multa incidente sobre o ITCMD e ganhem mais tempo para a organização dos documentos e outros acertos necessários”, ensina a advogada Roberta Paganini Toledo, do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados.
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Menos burocracia
Outra mudança recente deve impulsionar os inventários extrajudiciais no Brasil. Em 2024, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) passou a autorizar os cartórios a realizar o trâmite mesmo com a presença de herdeiros incapazes (que não podem responder por si) ou menores de idade.
O advogado Felipe Camiloti, do Oliveira e Olivi Advogados, lembra que a Resolução 571/2024 exige, neste caso, o aval do Ministério Público e coloca sob os cartórios a responsabilidade de garantir que os bens sejam repartidos de forma equânime, sobretudo, aos herdeiros menores ou incapazes.
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A mesma resolução do CNJ autoriza que os inventários em cartórios sejam feitos mesmo com a existência de testamento. “É necessário que o testamento seja válido, tenha sido aberto e registrado judicialmente, com autorização expressa do judiciário para que a partilha seja realizada pela via extrajudicial”, explica Felipe Camiloti.
Mais do que consenso, é preciso seguir as regras do jogo pois o tabelião (profissional do cartório) tem amparo da Justiça para se negar a fazer o inventário extrajudicial caso haja indícios de fraude, qualquer outra atitude em desacordo com a lei e discordâncias entre herdeiros e inventariante.