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Finanças

Prejuízo da Gol: dá para superar o que vem pela frente?

Analistas do mercado financeiro revelam o que está por trás do resultado auditado da companhia

Aeronave da Gol

A companhia aérea Gol (GOLL4) divulgou na segunda-feira (4) os resultados do balanço não auditado para o primeiro trimestre de 2020. Os dados não são oficiais e ainda não estão nos registros da CVM e da B3. A empresa, que até o momento teve uma queda acumulada no ano das suas ações de quase 70%, apresentou um prejuízo líquido de R$ 2,261 bilhões em comparação ao mesmo período de 2019, quando teve um lucro líquido de R$ 35,2 milhões.

O resultado operacional do primeiro trimestre também ficou negativo em R$ 3,243 bilhões. Segundo a Gol, as despesas financeiras sofreram os impactos da variação cambial, com um dólar cotado a R$ 4,03 no final de 2019 e a R$ 5,20 em março de 2020. Excluindo ganhos e perdas do mercado e a variação cambial sobre a dívida da companhia, que é 96,6% em moeda americana, a empresa teve lucro líquido recorrente de R$ 173,2 milhões, que representou um aumento de 76% frente ao mesmo período no ano passado.

O Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, amortização e depreciação) da Gol foi de R$ 1,4 bilhão, com crescimento de 51,3% em relação ao mesmo período de 2019. Apesar do prejuízo da aérea, a receita líquida chegou a R$ 3,1 bilhões, com queda de 2% no período. A redução, segundo a Gol, estaria relacionada à queda dos passageiros. A geração de caixa operacional da companhia foi de R$ 1,1 bilhão, com margem de fluxo de 35,6%.

Visão de mercado

Diversos analistas concordam que os resultados do primeiro trimestre da Gol escondem a realidade de uma empresa em crise, já que foram calculados levando em conta os meses de janeiro, fevereiro e março. Neste período, o reflexo da pandemia só foi percebido na última quinzena do trimestre. Com um balanço ainda não auditado, os investidores ficaram de olho em qual seria o real impacto do Covid-19 no setor aéreo e na Gol.

Luiz Guilherme Dias, CEO da Sabe Invest, avalia que apesar do resultado operacional não ser tão ruim, a Gol não tem caixa suficiente para suportar os desafios do setor nos próximos meses. “A situação da Gol é dramática, com um patrimônio líquido negativo desde 2015. E, em 2019, mais de R$ 7 bilhões de alavancagem financeira, uma dívida cinco vezes maior que os lucros da companhia”, aponta.

Para Dias, mesmo com um caixa de R$ 3,4 bilhões, será muito difícil que a Gol se recupere no curto prazo, correndo o risco de ser sepultada como as antecessoras. “O setor aéreo sempre foi considerado um cemitério de empresas. É o caso da Transbrasil, Vasp, Varig, Panair, esperemos que a Gol não seja mais uma aérea brasileira para sucumbir.”

Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, avalia que o resultado não auditado ainda pode estar sujeito a mudança. Contudo, a situação não é nada confortável. “Dívida alta e em moeda estrangeira, patrimônio líquido estrangeiro, é perceptível que a alta do dólar atrapalhou” defende. Além do dólar e os efeitos do Covid-19, ele acredita que os resultados da companhia não foram muito penalizados porque o levantamento é até março. “No segundo trimestre vamos enxergar se o caixa da companhia é suficiente para sobreviver a uma crise até o final de 2020”, afirma, acrescentando que o dólar deve continuar subindo pressionando ainda mais a situação financeira da Gol.

Com empréstimos próximos a R$ 16,9 bilhão e uma dívida líquida de R$ 11,6 bilhão, Galdi acredita que tudo vai depender do acumulado do período de abril até junho, onde será notório se o BNDES precisará interferir investindo dinheiro.

Para Marcio Lórega, analista da Ativa Investimentos, o resultado é preliminar e precisará ser confirmado com dados do mercado. No entanto, a queda das ações de quase 70% no acumulado do ano mostra qual é o cenário que o próximo trimestre deve deixar para a Gol. Segundo Lórega, o primeiro trimestre não considerou o real impacto da pandemia.

Com um contexto de forte incerteza ,a Ativa manteve sua recomendação neutra para as ações do setor aéreo. Já o preço-alvo da Gol foi projetado levemente acima de R$ 10 até o fim de 2020. “Nossa recomendação para os investidores é não comprar os papéis da Gol, pelo menos no primeiro semestre”, diz. Lórega acrescenta que apenas após o balanço do segundo trimestre o mercado terá clareza do impacto da pandemia, a situação real das dívidas, operações cambiais e do caixa da empresa.

Walter Franco, professor de finanças do Ibmec, destaca que o resultado não auditado da Gol alerta os investidores sobre a situação do setor que não tem boas expectativas para o futuro. Franco também concorda com os analistas de que o balanço não apresenta os impactos do Covid-19 no setor. “Os maiores prejuízos ocorreram em abril com a quarentena, restrição das viagens e aceleração da taxa de câmbio”.

Mas ele defende que o setor já vinha sendo afetado desde muito antes, com uma concorrência acirrada característica das companhias aéreas. “Em 2019, o setor foi impactado pelas tarifas altas, quando o poder de compra do consumidor reduziu. Com a pressão dos custos, a esperança ficou no aquecimento da economia em 2020, que nunca aconteceu”, conclui Franco.

E o 2° trimestre?

Apesar de o jogo parecer perdido para a Gol, para os analisas a saída mais assertiva seria esperar o fim do segundo trimestre e entender qual é realmente o fundo do poço. No entanto, eles apontam que 2020 é um período de sobrevivência para o setor aéreo, onde melhoras só devem ocorrer em 2021.

Para Franco, a perspectiva para o segundo trimestre também não é boa, porque prevalece o câmbio alto, que deve afetar o caixa da Gol. “Não sei se a empresa pode quebrar, mas com certeza teremos um corte severo de gastos, onde será necessária uma administração de capital de giro muito cuidadosa, além de reduzir funcionários e negociar com fornecedores”, avalia.

A recuperação das companhias aéreas também dependerá dos consumidores, que devem levar tempo para retomar seus hábitos de compra em relação a viagens. “Este não será um ano para ver os papéis da Gol se reerguendo. A retomada no preço só ocorre em 2021”, acrescenta Franco.

Lórega acredita que a mudança nos hábitos do consumidor são um sinal claro da realidade dura que o setor ainda vai atravessar. “Há estudos que comprovam que mesmo o governo suspendendo a quarentena, 50% da população optaria por ficar em casa. Um exemplo é a retomada do varejo, que já começa a perceber os impactos da realidade. No setor aéreo, as pessoas não vão voltar a viajar do mesmo jeito”, diz.

A única saída para salvar 2020, segundo os especialistas, seria uma vacina contra o Covid-19, para que a queda no transporte de passageiros impacte menos os balanços futuros da Gol.

Queda de transporte de passageiros da GOL

1 TRI 20203%
2 TRI 202070%
3 TRI 202045%
4 TRI 202033%
Queda anual projetada para 2020*38%

*Projeção Ativa Investimentos

Dias, CEO da Sabe Invest, acredita que o segundo trimestre deve vir “feio”, porém ainda é cedo para falar de caos ou falência. “O divisor de águas não virá, a Gol pode falir como qualquer outra empresa que tenha prejuízo líquido, dívida alta e zero perspectivas”, conclui e acrescenta que a única saída seria o governo socorrer às companhias aéreas.

Com ou sem BNDES?

Com a Embraer cedendo à ajuda do governo, fica a dúvida se as companhias aéreas devem seguir os mesmos passos. Para Galdi, da Mirae Asset, o tema é desgastante, já que as empresas do setor não estão dispostas a trocar ajuda por participação acionária do BNDES. “As companhias aéreas não se manifestam claramente, elas querem ajuda, mas não querem dar o controle da empresa. No final elas vão precisar de socorro”, aponta.

Mesmo com um caixa de R$ 3,4 bilhões, Galdi afirma que o próximo trimestre será desafiador e traumático. “A Gol será muito prejudicada. Difícil saber se vai quebrar, mas o governo terá que interferir para eles não demitirem gente”, acrescenta. A recuperação da queda de 70% nas suas ações, também ficou grande para 2020, segundo o analisa.

Lórega enxerga que a situação da Gol está até mais complicada que a própria Azul, apesar da Gol ser uma empresa resiliente ao longo da história, que já sobreviveu a diversas crises. “Temos o exemplo da França, onde as companhias aéreas receberam incentivos do governo. A expectativa é que o governo brasileiro de suporte a Gol neste cenário”, diz.

Até a ajuda chegar, a companhia pode precisar de mais cortes e redução de custos operacionais para sobreviver. “Olhando para o balanço, o ebtida cresceu 51,3%. Se conseguirem manter o caixa, apesar da pandemia eles podem se arrumar”, conclui.

Já Walter Franco rejeita qualquer hipótese de financiamento e afirma que isso no funciona, olhando para EUA como exemplo. Para ele, há espaço para emissão de títulos de dívida da companhia, que podem ser comprados no BNDES, auxiliando no capital de giro como alternativa de longo prazo.

Vai ou racha

Recentemente, o megainvestidor Warren Buffet, ícone do mundo financeiro, se desfez de toda sua participação acionária em empresas aéreas por causa do Covid-19. Dono da gestora de investimentos Berkshire Hathaway, ele alegou que alguns setores como o aéreo sofrem com a paralisação forçada, o que deixa o investidor fora de controle.

“Cometi um erro com as ações desse setor por causa de eventos que não são culpa dos presidentes das empresas. Não sei se daqui a três ou quatro anos as pessoas estarão voando tanto quanto no ano passado. Há aviões demais no ar”, declarou Buffet em encontro anual da Berkshire no sábado (2).

Se para Buffet, o setor aéreo já está sepultado, o que será dos investidores? O investimento em companhias como a Gol e Azul, ficaria por conta e risco dos acionistas, que segundo Lórega devem ter um perfil super arrojado. “Diante do potencial de queda alto e sendo um ativo que pode quebrar, eu recomendaria para as pessoas que insistem em investir neste setor que estejam preparadas para o pior, e coloquem apenas uma pequena parcela de dinheiro que não afete sua vida financeira”, aconselha.

Para Pablo Spyer, diretor de operações da Mirae Asset, Buffet fez um movimento atípico, ágil, porém muito brusco para alguém que tem uma visão de investimento de longo prazo, como é o caso dele. “Isso deixa a impressão de que Buffet passou a ver o setor aéreo como tóxico para seus investimentos neste novo normal, e que menos gente vai voar e muitas empresas aéreas do setor não devem sobreviver”, conclui.

Até a tarde desta terça-feira, a Gol (GOLL4) perdeu 68,80% no acumulado do ano, comparado com a Azul (AZUL4) que recuou 73,88%. Ambas as companhias estão entre as maiores quedas de 2020, junto a IRB Brasil (IRBR3), CVC (CVCB3) e Totvs (TOTS3)

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