PicPay, Itaú e o Nubank estão entre as primeiras instituições a usar IA generativa para permitir que clientes transfiram dinheiro sem necessidade de abrir aplicativos dos bancos e diretamente no WhatsApp.
A tecnologia se apoia na base criada em 2020, quando o Banco Central lançou o Pix como um sistema de transferências instantâneas gratuitas.
Rapidamente, ele se tornou a espinha dorsal dos pagamentos do país — apenas no ano passado, foram 56 bilhões de transferências via Pix feitas por smartphones.
Mas a ferramenta também mudou a forma como os brasileiros interagem com bancos: o uso do mobile banking , ou seja, resolver as finanças pelo celular, disparou de 56% em 2020 para 90% em 2024, superando os EUA em 2021. O mobile banking foi usado por 75% dos americanos no ano passado.
Inovação no Brasil
Serviços como esse estão construindo a reputação do Brasil como berço da inovação em IA, segundo Guilherme Horn, head do WhatsApp para mercados estratégicos.
“Com a IA embarcada, pagamentos instantâneos têm cada vez mais movimentado o mercado, e os bancos entenderam que o WhatsApp é uma poderosa plataforma de negócios que está diariamente na mão dos usuários — unindo dois produtos que as pessoas gostam e confiam”, disse Horn em uma resposta por e-mail.
O executivo do WhatsApp afirmou que o Brasil tem se consolidado “como um berço de soluções inovadoras usando IA como tecnologia fundamental e o WhatsApp como sua principal plataforma de negócios”.
Pix no WhatsApp
Usar o Pix no WhatsApp difere de uma transferência via Pix comum, que exige login em um aplicativo bancário. Os clientes podem simplesmente pedir a transferência por texto, voz ou até imagem em um chat com a conta verificada do banco. A mensagem deve conter o valor e a chave Pix vinculada à conta do destinatário.
Se estiver em uma loja, o cliente pode enviar o valor junto com uma foto do próprio QR Code atrelado ao Pix do vendedor.
O sistema confirma os dados, redireciona momentaneamente o usuário ao aplicativo do banco para autenticação por senha ou biometria e, em seguida, entrega o comprovante de volta no chat do WhatsApp. Para o usuário, a interação parece nunca ter saído do aplicativo de mensagens.
Essa conveniência fez a diferença para Alvaro Lima, pesquisador biomédico de 31 anos que frequentemente se esquecia de fazer pequenos pagamentos — como à cozinheira perto do trabalho de quem ele encomenda o almoço pelo WhatsApp. Agora, logo após fazer o pedido para ela, Lima envia uma mensagem ao Nubank pedindo a transferência via Pix.
“Pagar pelo WhatsApp ficou mais fácil”, disse ele, que passou a adotar a funcionalidade por poder enviar o dinheiro na hora, sem sair do aplicativo.
Fábio Licere, sócio-líder de gestão de riscos financeiros da KPMG no Brasil, disse que, embora China, EUA e Europa ainda liderem em certas áreas da IA generativa para finanças, como planejamento financeiro e integração com dispositivos wearables, o Brasil já opera em alto nível em outras áreas.
“O país criou um ambiente altamente propício à inovação, com forte adesão dos consumidores, competição acirrada entre players digitais e uma regulação moderna, que estimula o desenvolvimento tecnológico”, disse Licere. “Não estamos ‘correndo atrás’, mas sim trilhando um caminho próprio — e, em alguns casos, exportando referência”.
E, à medida que o Brasil amplia os serviços com o Pix, algumas das maiores empresas financeiras do mundo estão se movimentando.
O Pix há muito tempo é o pesadelo da Visa, da Mastercard e de Big Techs, que argumentam que ele tem uma vantagem injusta e se beneficia de um campo de jogo desigual.
Quando o presidente dos EUA, Donald Trump, voltou sua ira tarifária contra o Brasil em julho, a plataforma se tornou alvo de investigações norte-americanas sobre alegações de práticas comerciais desleais.
Concorrência
O lançamento do Pix no WhatsApp também agitou concorrentes locais.
Entre os bancos tradicionais, o BTG Pactual, focado em clientes de alta renda, lançou o Pix no WhatsApp em fevereiro e expandiu o uso de IA generativa para incluir mais serviços.
Já o Bradesco começou a oferecer o serviço em julho, enquanto o Banco do Brasil tem usado IA generativa para processar pedidos de Pix feitos por imagens no WhatsApp desde setembro. Dados da Febraban mostraram que a exploração da IA generativa é uma das principais prioridades dos bancos.
Instituições digitais também intensificam seus esforços para manter a liderança.
O Mercado Pago, a fintech do Mercado Livre, lançará uma assistente pessoal com base em IA no Brasil para orientar clientes sobre suas finanças no dia a dia, usando dados de suas contas e bancos conectados. A ferramenta estreará no Brasil antes de ser levada a outros mercados da fintech.
O PicPay informou que sua taxa de satisfação de usuários aumentou 45% desde o lançamento de suas ferramentas de IA generativa.
Apesar do entusiasmo, o Brasil ainda enfrenta desafios para escalar soluções financeiras impulsionadas por IA. Mariana Pimenta, gerente sênior de serviços financeiros na Strategy&, braço de consultoria estratégica da PwC, cita, por exemplo, que a infraestrutura tecnológica do país ainda está em desenvolvimento.
O Brasil também enfrenta escassez de talentos especializados em IA — especialmente fora dos grandes centros urbanos, disse Licere, da KPMG.
A segurança continua sendo uma preocupação, já que muitos golpes no Brasil se espalham pelas redes sociais. Mas os bancos afirmam que o Pix no WhatsApp é protegido por sistemas de prevenção a fraudes e requer autenticação pelo aplicativo bancário. Até agora, nenhum deles relatou falhas de segurança com a funcionalidade.
Segundo Joana Henklein, diretora de experiência do cliente em serviços financeiros da Accenture Brasil, as instituições brasileiras são hábeis em avançar tecnologicamente ao mesmo tempo em que mantêm camadas de segurança que não comprometem os serviços.
Obstáculo para IA generativa
O maior obstáculo pode ser o fato de que a IA generativa ainda não foi totalmente adotada por instituições de médio porte.
Carlos Daltozo, especialista de produto da Bridgewise para a América Latina, afirmou que a IA está crescendo de maneira tão exponencial que é crucial que as instituições entendam a importância de se movimentarem rapidamente.
“Em outros ciclos de mudança tecnológica, era possível deixar o primeiro errar, aprender com ele e correr atrás”, disse Daltozo. “Agora, se você deixar para um segundo momento, vai ficar para trás”.