O aumento da inflação nos Estados Unidos costuma ser combatido com elevações da taxa de juros anunciadas pelo Federal Reserve (Fed). É uma política monetária conhecida como “hawkish”. Esse cenário cria situações específicas para investidores. Da mesma forma, quando o BC americano precisa estimular a economia, ele promove um alívio monetário por meio da redução dos juros, postura conhecida como “dovish”.
Entenda mais sobre as posturas “hawkish” e “dovish” e como elas impactam o cenário econômico mundial. Consultado sobre o assunto, o administrador de carteiras Rodrigo Machado, da Leste, também indica eventuais investimentos que tendem a valorizar em cada um dos cenários.
O que é a política ‘hawkish’
O cenário “hawkish” é caracterizado por alta pressão inflacionária, o que obriga bancos centrais a elevarem os juros. “É basicamente a que definiu o cenário em 2022”, diz Gomes. Nesse cenário, o aumento da taxa de juros acaba sendo a solução encontrada para desestimular a economia e, consequentemente, diminuir a pressão inflacionária.
Por que ‘hawkish’?
“Hawkish” é um termo que faz referência ao falcão. O animal é uma alegoria – assim como o touro e o urso dos mercados “bullish” (em alta) e “bearish” (em baixa). O falcão, um animal que desce em rasante para pegar as presas vistas de cima, é uma figura adequada para representar no mercado financeiro o que se busca na inflação crescente: uma queda forte e acentuada.
Como a política ‘hawkish’ funciona
“O que é preciso entender é que esse aumento da taxa de juros gera o seguinte comportamento: aumento do custo de capital das empresas”, explica Gomes. “Com isso, empresas diminuem seu crescimento – não adquirem mais dívidas, enxugam quadros, e arrefecem a economia. Pelo menos, em tese”.
Cenários “hawkish” são sempre destacados pelo fluxo de investimento rumo a ativos de menor risco, como títulos públicos. André Meirelles, executivo da InvestSmart XP, ilustra o movimento com a abertura de novos negócios.
“Se você quiser construir um bar, é porque imagina que ele vai dar um retorno de 10% ao ano. Já emprestar dinheiro para o governo te retorna só 2% ao ano: o bar parece bem interessante. A relação risco/retorno do bar falir contra o risco do calote do governo torna isso interessante. Já se o governo começa a pagar 14%, montar o bar não vale a pena. E nisso deixa-se de contratar o arquiteto, a mão de obra, os garçons, os caixas, a contratação de serviços etc. Não se promoveu a atividade econômica”, exemplifica o executivo.
Como identificar uma política ‘hawkish’
Ambos os especialistas consultados pelo InvestNews destacam que há uma série de fatores comuns a regimes “hawkish” de mercado. Os elementos elencados são os seguintes:
- Maior controle fiscal
- Valorização da renda fixa
- Diminuição do crescimento de empresas
- Arrefecimento da economia
Entretanto, Gomes destaca que “um falcão só não faz hawkish”. “Se tivermos só um aspecto desses, como a liberação de benesses ou estímulos, pontualmente, não dá para caracterizar essa política nem deve ser interpretada como tal”.
Melhores investimentos no cenário ‘hawkish’
Meirelles afirma que o melhor a se fazer em ambos os cenários é a diversificação. “Depois que o cenário se consolidou, todos sabem o que fazer, mas antes o que existe é uma multiplicação de gurus. Nenhum modelo é certo nem à prova de falhas, por isso é necessário a diversificação sempre”.
Porém, ambos destacam que as taxas pré-fixadas em valores elevados, ou os títulos IPCA+ ou Tesouro Selic têm possibilidade de bons retornos, se a tendência que se observa perdurar. “Mas reitero”, diz Meirelles, “o investidor responsável não imagina. Ele se previne como pode e estuda ao máximo para tomar uma decisão”.
O que é a política ‘dovish’
Já a política ‘dovish’ pode ser interpretada como o inverso da política “hawkish”. Com diminuição das taxas de juros e incentivos para a economia, essa postura econômica visa esquentar a economia e criar vagas de emprego. É adotada em momentos de alta do desemprego.
Por que ‘dovish’?
A política “dovish” tem esse nome em homenagem ao pombo, que cisca migalhas e tende a permanecer no chão. Apesar de poder voar, ele escolhe não fazer isso. Diferentemente do falcão, é uma figura animal que ilustra essa baixa das taxas de juros, incentivando o consumo.
Como a política ‘dovish’ funciona
“Quando o dinheiro está barato fica mais fácil tomar o risco de investir meu capital em algo que promete retorno futuro, e não atual”, afirma Meirelles. “O que ocorre é que os investidores veem retornos melhores no curto prazo em outras formas de investimento, que não o estímulo à produção”.
Gomes explica que as políticas dovish tendem a diminuir os juros, tornando o capital barato e o mercado com maior apetite ao risco. “Ao reduzir a taxa de juros, as empresas aumentam a captação de capital, aumentam o estímulo econômico, há maior distribuição de renda por parte dos governos… Isso leva a um crescimento econômico, maior volume de contratações e aumento da renda média”.
Uma vez que políticas “hawkish” duradouras tendam a trazer baixas na opinião pública, uma prática normalmente empregada é o corte “dovish”.
O que é o ‘corte dovish’?
O “corte dovish” é uma expressão usada para se referir a uma medida dovish em um cenário de políticas hawkish. “É uma situação pontual dentro de uma política hawkish”, explica Gomes. É como uma pausa momentânea de uma determinada política por uma necessidade específica”. Segundo ele, um corte dovish é quando claramente não houve uma mudança de política, sendo uma pausa para causar um respiro econômico.
Como identificar uma política ‘dovish’?
Uma vez que essa política é marcada por ser a antítese da “hawkish”, a política “dovish” é caracterizada por incentivos econômicos visando aumento da empregabilidade. Os especialistas ainda destacam:
- Queda da taxa de juros;
- Incentivo fiscal à produção;
- Protecionismo;
- Incentivo ao consumo;
- Injeção de dinheiro na economia (na forma de bolsas ou obras públicas de infraestrutura).
Porém, Gomes destaca que políticas dovish pontuais também não caracterizam uma tendência, sendo identificadas em períodos de interesse político-eleitoral.
Política monetária no tripé macroeconômico
Ambas as políticas fazem parte da política monetária de um país, um dos três pilares das políticas macroeconômicas que estruturam um governo. Os outros dois são a política cambial e a política fiscal.
O professor doutor em economia Adauto Madalena explica que essa política precisa estar amarrada às outras duas para o sucesso econômico do país. “Na política cambial, temos o real como uma moeda de força média para fraca, enquanto na política fiscal há muitos deslizes de todos os lados”, ressalta.
A política cambial consiste na política de paridade de preços e emissão de papel-moeda, controlando a valorização do real. A política fiscal, por outro lado, envolve a taxação de fortunas, controle dos gastos públicos e gestão de pessoal.
“É nesse âmbito que entra a política monetária, com o controle da taxa de juros. Porém, com a ‘pomba’ fugindo pros Estados Unidos com a alta do dólar, eu só vejo um cenário: temos que aumentar ainda mais a taxa para conter a inflação”, diz ele.