Com a reforma tributária em pauta, o governo tem buscado a simplificação dos impostos no Brasil e, com isso, também entra em foco a adesão ao IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), atualmente, 174 países ou territórios adotam esse imposto.
Apesar de a reforma incluir sua utilização, a alíquota do IVA ainda é um impasse a ser resolvido pelo governo.
O objetivo é unificar os impostos, no entanto, de acordo com o estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), é possível que a alíquota seja a mais alta entre os países, pouco acima de 28%, vencendo a Hungria (27%).
Quer saber como funciona esse imposto e quais as perspectivas para o futuro do IVA no Brasil? Continue a leitura e confira.
Caso prefira, confira o conteúdo abaixo em áudio:
O que é IVA?
O IVA (Imposto sobre Valor Agregado) é um imposto “unificador” que incide de maneira não cumulativa. Ou seja, ele incide sobre cada etapa da cadeia de produção de acordo com o que foi adicionado ao produto ou serviço.
João Eloi Olenike, presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), comenta que no Brasil ainda não há um IVA, mas que é sabido como ele funciona na Europa ou no Japão, por exemplo. Já nos EUA, não há esse tipo de tributação.
“O IVA é um imposto sobre o valor adicionado, agregado. Então ele é um imposto que recai só sobre a riqueza gerada, por isso ele se chama IVA: Valor adicionado ou valor agregado”, explica Eloi.
Como funciona?
Como dito, com o IVA, cada membro da cadeia produtiva pagará o imposto referente ao que agregou ao produto ou serviço.
O primeiro elo da cadeia é o produtor, e os próximos membros do processo produtivo pagam o imposto que incide somente à parcela que adicionaram, o que será melhor ilustrado mais abaixo.
Eloi esclarece que “Tudo aquilo que você compra, produto de riqueza, você tem condições de obter crédito sobre isso. E aí quando você terminar o seu produto ou vender a sua mercadoria é que você vai verificar qual é o IVA sobre as suas vendas e descontar daqueles créditos que você teve na operação anterior”.
Isso porque não ocorre o “efeito cascata do imposto”, o que significa que há o desconto, o crédito do valor pago em cada etapa quando há cobrança nas fases seguintes da cadeia produtiva.
“Nós temos na Europa o que eles chamam de IVA puro, que é aquele que permite que você tenha crédito à todas, sem exceção, às operações anteriores, aquelas que você pagou e que você comprou, inclusive crédito sobre salários, folha de pagamento”, comenta Olenike.
Exemplo de cálculo do IVA
Para ilustrar melhor como funciona o cálculo do IVA, vamos utilizar o exemplo dado pelo Ministério da Fazenda sobre as etapas do recolhimento do IVA no processo de fabricação e comercialização de uma camisa.
Confira abaixo uma demonstração de como calcular o IVA no Brasil:
- Etapa 1: O produtor rural vende o algodão por R$ 40 (sendo este o próprio valor agregado), mais o IVA de R$ 10.
- Etapa 2: A indústria de tecelagem paga R$ 50 ao produtor rural pelo algodão. Ela então transforma o algodão em tecido, vendendo-o por R$ 60, mais o IVA de R$ 15.
No entanto, ao recolher o tributo, a tecelagem desconta o valor de R$ 10 do IVA que pagou na aquisição do algodão, pagando ao fisco somente a diferença de R$ 5.
- Etapa 3: No momento de compra do tecido, a fábrica de roupas paga R$ 75. A fábrica então transforma o tecido numa camisa, pela qual cobrará R$ 100, mais o IVA de R$ 25.
No entanto, ao recolher o imposto, a fábrica de roupas desconta o valor de R$ 15 do IVA pago na aquisição do tecido, pagando ao fisco somente o valor de R$ 10.
- Etapa 4: A loja de roupas compra a camisa da fábrica por R$ 125 e a coloca à venda por R$ 200, mais o IVA de R$ 50. Mas, ao recolher o imposto, o dono da loja desconta o valor de R$ 25 do IVA que foi pago na aquisição da camisa, pagando ao fisco somente a diferença, de R$ 25.
- Etapa 5: Por fim, o consumidor final pagará à loja o valor total de R$ 250, que corresponde justamente ao preço de R$ 200 da camisa, mais o IVA de R$ 50.
Objetivos do IVA
O objetivo não somente do IVA como da reforma tributária por inteiro é a simplificação da tributação no Brasil.
“O objetivo é que esse IVA que vai ser criado procure ser cobrado por fora. Quer dizer, não incluso no preço de venda, porque hoje praticamente todos os tributos de consumo são embutidos no preço da venda, e quem acaba pagando é o consumidor final. Os preços para o consumidor final acabam ficando mais caros”.
João Eloi Olenike, presidente do IBPT.
Segundo Eloi, o IVA vem para mudar isso. “Como ele vai permitir o crédito geral das compras, ele não vai ser repassado pro preço do produto, ou não deveria ser”, complementa o especialista.
O que é o IVA no Brasil?
No Brasil, o IVA é um tributo proposto pela reforma tributária com o intuito de simplificar e unificar impostos no Brasil, reunindo IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e ISS (Imposto Sobre Serviços).
O IVA vai funcionar da seguinte forma: haverá a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que vai substituir os tributos federais sobre o consumo, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que vai substituir os impostos estaduais e municipais. Isso significa que ele terá caráter dual.
“Haverá dois tipos de IVA no Brasil: um federal, que vai gerar arrecadação para o governo federal e vai substituir PIS e COFINS, que não é um imposto, é uma contribuição chamada de CBS”.
João Eloi Olenike, presidente do IBPT.
Segundo ele, esse terá o mesmo tratamento dado ao IVA destinado aos estados e municípios, o chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
A proposta em discussão prevê um IVA contribuição e o IVA imposto. O IVA contribuição seria federal e o IVA estados e municípios seria para arrecadação desses entes da federação”, complementa.
Enquanto o CBS, destinado à União, unificaria o IPI , o PIS e a Cofins, o IBS reuniria o ICMS (de incidência estadual) e o ISS (de competência municipal).
“No atual modelo de tributação de bens e serviços no Brasil ocorre a tributação ‘por dentro’, que é a incidência da alíquota sobre o preço com tributos, diferentemente da maioria dos países, que tributam ‘por fora’ (alíquota sobre o preço sem tributos)”, destaca o Ministério da Fazenda.
Sobre a não cumulatividade plena do IVA, o arquivo diz que “os impostos recolhidos ao longo da cadeia pelas empresas geram créditos, de forma que, na prática, a tributação recai apenas sobre o consumo final da mercadoria ou serviço”.
Taxa do IVA no Brasil
A alíquota do IVA no Brasil ainda é um impasse a ser resolvido pelo Senado. As projeções do estudo do Ministério da Fazenda, com as exceções, indicam que a alíquota ficará entre 25,45% e 27%.
“Se calibrar uma alíquota muito alta, pode gerar aumento da carga tributária, que não é o objetivo da reforma. A reforma é pra ser feita buscando a neutralidade”.
João Eloi Olenike, presidente do IBPT.
O presidente do IBPT aponta que “no Brasil, a gente sempre tem essa questão da calibragem alta, e que não muda” e comenta sobre os tributos que não entram na reforma, que os brasileiros vão continuar pagando.
“… É muita tributação. Não pode ter uma alíquota assim [tão alta]. Exageradamente 8% para uma e 12% para outra já seria excelente e daria, eu acho, a neutralidade. É o que nós achamos, 12% do IBS e 8% do CBS”, opina Olenike.
Como calcular o IVA no Brasil
A reforma tributária ainda está em tramitação, portanto, muitas são as indefinições acerca do IVA. No entanto, o Ministério da Fazenda realizou um estudo que simula seus cálculos.
Ele leva em consideração que não haja aumento da carga tributária e que a arrecadação dos impostos sobre o consumo permaneça nos 12,45% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e dos serviços produzidos).
Foram apresentados dois cenários considerando o “hiato de conformidade”, resultante do grau de sonegação, elisão fiscal (interpretações divergentes sobre a legislação entre os contribuintes e o fisco), inadimplência (diferença entre o imposto declarado e o imposto recolhido) e judicialização, segundo a publicação no site da Fazenda.
De acordo com o estudo, no melhor cenário, considerado “factível”, o hiato seria de 10%. Já no cenário intitulado “conservador” esse hiato de conformidade seria de 15%.
Ainda considerando os cenários, no melhor deles a CBS corresponderá a 8,53%, e o IBS a 16,92%, totalizando os 25,45% de alíquota de IVA. Na simulação mais pessimista, as alíquotas seriam de 9,05% de CBS e de 17,95% de IBS.
A ideia da utilização do IVA é que cada membro da cadeia produtiva pague o imposto sobre o valor que agregou ao produto ou serviço, no momento da venda.
Exemplo geral: supondo que o consumidor final pague R$ 200 em determinado produto, considerando uma alíquota de IVA de 12%, temos:
Etapa da cadeia produtiva | Preço no momento da venda (R$) | Valor agregado/adicionado | Valor do IVA de 12% (em reais) |
Produção | R$ 150 | R$ 150 | R$ 18 |
Atacado | R$ 175 | R$ 25 | R$ 3 |
Revenda | R$ 200 | R$ 25 | R$ 3 |
IVA Total | R$ 24 |
IVA e a reforma tributária
O primeiro passo da reforma tributária é substituir os cinco tributos mencionados anteriormente (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um IVA Dual de padrão internacional (CBS e IBS). Portanto, o IVA só entrará em vigor no Brasil diante da aprovação da Reforma.
Segundo arquivo sobre a reforma tributária disponibilizado pelo ministério, CBS e IBS terão os mesmos fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos, além de mesma imunidade, regras de não cumulatividade e regimes, a serem definidos numa só lei complementar.
A intenção é manter a carga tributária total sobre o consumo. O ministério da Fazenda diz que o contribuinte vai pagar o que já paga hoje, só que agora de forma simples e transparente.
A reforma ainda define, entre outros, os regimes favorecidos para determinados bens e serviços e as exceções ao IVA.
“A reforma é para ter uma uma melhora na forma de cobrança dos tributos e simplificação, menos obrigações acessórias, diminuir o número de tributos e fazer com que não haja uma incidência tão grande da tributação sobre o consumo”.
JOÃO ELOI OLENIKE, PRESIDENTE DO IBPT.
A reforma tributária ainda está em tramitação no Senado Federal e será votada em dois turnos. “Pode haver desde pequenas até amplas modificações no texto substitutivo aprovado na Câmara”, diz Eloi.
Segundo ele, o longo tempo de implantação da reforma, de 10 anos, poderia ter sido menor, mas também é necessário para que aqueles que se considerarem prejudicados possam intervir.
PEC 45/2019 e PEC 110/2019
A PEC 45/2019 altera o Sistema Tributário Nacional e representa o texto da reforma tributária e apresenta seus principais pontos.
O objetivo geral da reforma tributária, segundo o Ministério da Fazenda, é a revisão da tributação do consumo, da renda, da folha e do patrimônio.
“Em relação à reforma dos tributos sobre o consumo, o Governo Federal apoia a PEC 45/2019, já aprovada pela Câmara dos Deputados”, diz o arquivo da Fazenda.
O IBS e a CBS, que fazem parte do IVA dual, são os tributos sobre valor adicionado propostos pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45.
O texto determina que haverá uma alíquota-padrão aplicável a todos os bens e serviços, à exceção das hipóteses previstas no texto na PEC. Confira a redação final do texto da PEC 45 após aprovação em dois turnos na Câmara dos Deputados.
Assim como a PEC 45, a PEC 110/2019 tem como objetivo alterar o sistema tributário nacional, no entanto, elas possuem algumas provisões diferentes.
Há diferença entre a competência tributária do IBS, que consta na PEC 110/2019 como tributo estadual.
Na PEC 110, são substituídos pelo IBS nove tributos: o IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS, enquanto na PEC 45 são substituídos apenas 5 deles.
“A base de incidência do IBS em ambas as propostas é praticamente idêntica”, no entanto, segundo o site da câmara, existem algumas outras diferenciações entre elas:
- a determinação da alíquota do IBS; a concessão de benefícios fiscais;
- a partilha da arrecadação do IBS;
- a vinculação da arrecadação do IBS (saúde, educação, fundos constitucionais, seguro-desemprego, BNDES etc.);
- a transição do sistema de cobrança dos tributos e a transição da partilha de recursos.
Além disso, a PEC 110 trata de maneira diferente sobre o Imposto Seletivo e contempla outras matérias não previstas na PEC 45.
Futuro do IVA no Brasil
Diante da tramitação da reforma tributária ainda no Senado, o futuro do IVA do Brasil ainda não está definido. Olenike destaca que o IVA é cobrado há muito tempo na Europa, mas que há diferença entre o que ocorre no Brasil e “lá fora”. “O problema não é o IVA, é nossa tributação altíssima sobre o consumo”, opina.
O especialista comenta que em um estudo realizado pelo IBPT ainda não divulgado para o público geral aponta que aqui no Brasil a tributação sobre o consumo passa de 40%, enquanto países considerados de economia mais pobre da OCDE, por exemplo, possuem uma tributação de, em média, 32% sobre o consumo.
“O ideal é tirar essa tributação sobre o consumo e tributar mais patrimônio e renda, como acontece em outros países. O problema não está no IVA. O IVA vai, dependendo das alíquotas, até criar mais problemas do que soluções. Vai depender do bom senso de estabelecer alíquotas que a própria sociedade brasileira consiga assimilar e também fazer com que não haja uma tributação maior ou menor dependendo do setor em que a empresa se encontra”, defende o presidente do IBPT.
Eloi ainda frisa que o que a reforma e a adoção do IVA tem de bom é a simplificação, “em dez anos diminuir as obrigações acessórias e permitir que as pessoas venham aqui no Brasil para investir e pensem que o país realmente está num caminho de simplificação, menos tributos”,
Mas se a carga tributária estiver alta, de nada adianta, na visão do especialista. “Vai ser um tiro no próprio pé, custo-Brasil enorme vai continuar e as pessoas não vão querer. Agora o que tem que dar, realmente, não é só a questão tributária, mas do retorno para a população”, argumenta Olenike.