Um enorme nó logístico do Rio Grande do Sul começará a ser desatado na segunda-feira (21) com a reativação das operações do Aeroporto Internacional Salgado Filho. Após 171 dias fechado por conta das enchentes no Estado, o principal aeroporto da região Sul do país volta a operar, mas de forma parcial: num primeiro momento, 80% da capacidade será utilizada.
Responsável por 90% do movimento entre todos os aeroportos gaúchos, o Salgado Filho, que completou 100 anos em 2023, recebeu 2,29 milhões de passageiros entre janeiro e o dia 3 de maio – 24% a mais do que o Santos Dumont, no Rio, por exemplo.
O fechamento do Salgado Filho causou perdas – de tempo e de dinheiro – para passageiros e companhias aéreas, que precisaram desenhar novas estratégias para deslocamento nos últimos meses. Azul, Gol e Latam, que operam no aeroporto, dizem ter perdido um total de R$ 440 milhões com a interdição só no segundo trimestre.
Salgado Filho x Canoas e alternativas
O InvestNews separou os 70 mil voos nos 17 aeroportos do RS e SC que tiveram voos comerciais registrados neste ano em dois períodos: janeiro e abril, antes das enchentes, e entre maio e agosto (mês do balanço mais recente).
Uma seleção ainda mais ampla que a da malha aérea emergencial, com oito aeroportos nos dois estados, anunciada pelo governo federal. A principal alternativa foi a Base Aérea da cidade de Canoas, vizinha de POA – a base fica a apenas 11 km de distância do Salgado Filho. Trata-se de uma base militar, sem estrutura para balcões de check-in, raio-x ou despacho de bagagens.
A Fraport, administradora do aeroporto de Porto Alegre, bolou uma solução no fim de julho: fazer o embarque dos passageiros no Salgado Filho, transportando todo mundo em comboios de ônibus até a pista, em Canoas.
No desembarque, mesma coisa. Você sai do avião, entra num ônibus e só pega suas malas em Porto Alegre. Perrengue à parte, funcionou bem. Só em agosto, mais de 110 mil passageiros passaram pelo procedimento, que começa três horas antes do voo. Mas, relativamente falando, essa oferta ficou muito longe da capacidade do Salgado Filho.
O Plano B foi Caxias do Sul, a 130 km de Porto Alegre, que transportou 45 mil passageiros por mês desde maio, alta de 119% na comparação com os quatro meses anteriores.
Florianópolis (a 460 km de distância e o terceiro maior da Região Sul) registrou alta de 12,5% na média mensal de passageiros.
Mas mesmo essa expansão não deu conta de escoar toda a demanda porque ela é muito maior do que a infraestrutura existente. O mapa da malha aérea no extremo sul do Brasil é amplo, mas apenas o Salgado Filho e o Hercílio Luz, em Florianópolis, são de grande porte. E este último já lida com sua própria demanda e tem pouco espaço para crescer.
O resultado é que os porto-alegrenses passaram a viajar menos de avião. Entre janeiro e abril, todos esses aeroportos e aeródromos no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, incluindo o Salgado Filho, transportaram 5,1 milhões de passageiros. Entre maio e agosto, sem o Salgado Filho e incluindo a Base de Canoas, foram menos de 3,5 milhões. Queda de 32%.
Em contrapartida, o movimento de ônibus de passageiros no trecho rodoviário entre Porto Alegre-Florianópolis saltou 135% no mesmo período. Em outros 60 trechos entre alguma cidade gaúcha e a capital catarinense não interrompidos após as chuvas, o excedente foi de 100.535 passageiros.
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Preços nas alturas
Em agosto, a média das passagens em Canoas (R$ 1.158) foi 48,5% mais alta que a do Salgado Filho em abril (R$ 780) — já que a oferta de voos da Base Aérea foi muito menor.
O gaúcho Ricardo Rommel, gerente de vendas da multinacional Durlicouros, sentiu em cheio os efeitos da paralisação. Voltada 100% para exportação, a carga de produtos de couro automotivo da empresa não precisa de aviões: viaja em navio até os compradores da América do Norte, Europa e Ásia. Mas Ricardo precisa. Ele usava o Salgado Filho duas vezes por mês para se deslocar até o Aeroporto de Guarulhos – e dali partir em voos internacionais para visitar seus clientes estrangeiros.
Com a escassez de passagens em Canoas, a solução dele foi voar por Caxias do Sul ou Florianópolis.
“A partir de junho já voltei a viajar, mas com dificuldades. Caxias é mais simples, mas Florianópolis colocava um dia a mais na ida e um dia a mais na volta.”
Ricardo Rommel, gerente de vendas
Além de gasolina, pedágio e estacionamento, o executivo teve de gastar com pernoite em hotel, dependendo da hora da decolagem. Sem falar em outros transtornos, como reagendar compromissos porque as passagens estavam esgotadas. “Avisamos os clientes sobre as enchentes, mas é constrangedor”.
Cargas e rodovias
Enquanto as companhias aéreas buscavam alternativas para embarcar os passageiros, o transporte de carga ficou quase zerado em Canoas e na maioria dos aeroportos adjacentes.
Antes de fechar, o Salgado Filho contava com dois voos diários de aviões de carga, principalmente de produtos de alto valor agregado. Somando as cargas pagas, gratuitas e de correio, 102 toneladas circulavam pelo local todos os dias, segundo os dados da Anac.
Um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) obtido pelo InvestNews mostra que o fluxo comercial de importação e exportação entre janeiro e setembro foi mais baixo até do que o observado no primeiro período da pandemia, quando houve a suspensão de voos no mundo todo:
Os Correios também colocaram o pé na estrada para manter o serviço, mas precisaram ampliar em pelo menos um dia o prazo médio de entregas, além de instalar um terminal de autoatendimento para os clientes retirarem encomendas em Canoas. Até o fim do ano, outros nove pontos funcionarão na região da capital gaúcha, segundo informou a empresa.
A boa surpresa, porém, é que a logística do transporte de carga sofreu menos do que as operações aéreas que levam passageiros. Isso aconteceu por dois motivos, segundo Paulo Ziegler, diretor de Infraestrutura da Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas no Rio Grande do Sul (Fetransul).
O primeiro é o fato de que o volume de carga chegando ou saindo do Salgado Filho representam cerca de quatro carretas grandes, um volume que não é tão grande assim e foi absorvido pelo transporte rodoviário.
O segundo é a localização da BR-101, a rodovia que conecta o Rio Grande do Sul ao resto do Brasil. Ela passa perto de Porto Alegre, mas no sentido oposto da área mais afetada pelas enchentes.
“Do ponto de vista operacional, houve uma troca: a carga não conseguiu viajar com mais rapidez [de avião], mas fez o percurso rodoviário em 24 ou 26 horas para Viracopos ou Guarulhos.”
Paulo Ziegler, diretor de infraestrutura da fetransul
Ele diz que o transporte aéreo de carga não é muito mais rápido do que o rodoviário, porque exige horas de percursos por terra até o aeroporto e mais horas de espera até poder embarcar a carga. Por isso, o atraso não foi significativo nesse período.
Já para os viajantes, a comparação é até injusta. Um voo entre Porto Alegre e Florianópolis leva até uma hora entre decolagem e aterrissagem. Por terra, o trajeto em ônibus dura seis vezes mais. Só que essa acabou sendo a opção de 127 mil passageiros entre maio e agosto, 73 mil a mais que no período entre janeiro e abril (alta de 135%), com aumento de 25% no total de viagens únicas entre as duas cidades.
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Normalização só em dezembro
O voo derradeiro antes do fechamento do Salgado Filho decolou às 19h58 de 3 de maio. Era o 6039, da Azul, carregando 150 passageiros pagos até Congonhas, em São Paulo. A chuvas alagaram 75% da pista de 3.200 metros.
Desde então, as primeiras decolagens só voltaram no início de outubro, como teste para verificar as condições de segurança antes da reabertura, inicialmente prevista para o fim de maio, mas adiada para julho e depois prorrogada para a próxima segunda.
Por enquanto o Salgado Filho se restringirá a trechos domésticos, com capacidade de até 128 voos por dia — 79% da média de 162 voos diários entre 1º de janeiro e 3 de maio.
A Fraport afirmou que pretende concluir a retomada completa apenas em dezembro.
Só então os voos internacionais serão liberados e a concessionária vai tirar a calculadora da gaveta para verificar os prejuízos e o custo total de reconstrução.