Os fundos multimercados ainda sentem a ressaca dos saques bilionários e da competição acirrada com os fundos DI, turbinados pela Selic alta, nos últimos anos. Mas os sinais de recuperação começam a surgir – e devolver parte da confiança que o público havia perdido nessa indústria.

Os resgates ainda superam as captações. Mas, no primeiro semestre, o Índice de Hedge Funds da Anbima (IHFA) avançou 8%, superando o rendimento do do CDI no período (6,4%). É a trégua que esses produtos estavam precisando para voltar a brigar pelo bolso do investidor.

A virada lembra aos investidores por que faz sentido manter multimercados na carteira: a diversificação funciona justamente quando os ciclos mudam.

No Brasil, a realidade é que os juros sempre foram altos – à exceção da pandemia, em 2020 e 2021 – e, mesmo assim, os bons gestores foram capazes de entregar retornos para os cotistas. Os multimercados macro, estilo de gestão a que daremos destaque aqui, sobem 13% em 12 meses, contra 12% do CDI n mesmo período.

A indústria de multimercados é gigantesca, com diversas estratégias possíveis. São fundos com bastante liberdade de gestão, que operam diferentes ativos: juros, câmbio, ações, commodities. Mas existe um tipo de fundo que cumpre especialmente bem essa tarefa de diversifocar: os multimercado macro.

São fundos que buscam capturar tendências econômicas e movimentos de mercado. Alguns têm perfis mais “táticos”: compram e vendem ativos rapidamente; outros são mais buy and hold, com prazos maiores de alocação.

Seja como for, o momento é propício. Estamos justamente numa época de mudança de ciclo. Vamos imaginar um fundo multimercado que aloque principalmente em bolsa brasileira e títulos de inflação (IPCA+).

A parte em bolsa tende a estar bem. O Ibovespa sobe 13,3% no ano, contra (grossos) 8,3% do CDI. Agora, os títulos de inflação. O IPCA+2040, bom benchmark por não ser nem muito curto nem muito longo, sobe 12,2% no ano – também léguas à frente do CDI, mesmo com ele estando no maior patamar desde 2006.

Para entender melhor a pate da mudança de ciclo, basta olhar o caso do IPCA+. Os valor desses títulos aumenta quando crescem as apostas de que a Selic vai começar a cair. Ou seja, no final de um ciclo de alta dos juros.

É exatamente o que estamos vivendo. A Selic chegou à estratosfera, mas o Banco Central já cantou que, salvo desastre, ela não sobe mais. O mercado já vinha precificando esse movimento nos últimos meses. E os títulos de inflação foram subindo. Bom para quem tinha eles na carteira – caso de boa parte dos fundos multimercado.

E o movimento da bolsa? Esse está mais ligado a outro fenômeno: a volta de investidores estrangeiros num momento em que a bolsa americana está particularmente mais cara que a dos países emergentes, como o nosso. Mas o eventual fim do ciclo de alta na Selic também movimenta a renda variável – aproveita-se para comprar papéis enquanto eles “ainda estão baratos”. Ato contínuo, eles ficam mais caros. Valorizam. Como tem acontecido neste ano. Bom para os multimercados.

Em outros campos, o sucesso dependeu de fatores mais aleatórios. Câmbio, por exemplo. Nessa seara, está vencendo quem apostou na queda do dólar – via derivativos que sobem quando a moeda americana cai, por exemplo. No ano, o tombo é de 12,5%.

Ou seja: pelo nosso exemplo, fundos multimercado bem posicionados em Ibovespa e IPCA+, e que apostaram na alta do real estão rendendo muito bem, obrigado.

Concorrência e competência

A verdade é que a vida tinha ficado mais difícil para os fundos com a chegada de produtos isentos de imposto de renda, como as debêntures incentivadas. E a evolução do próprio mercado, facilitando o acesso das pessoas a diferentes ativos de forma diret, também ajudou a fechar o cerco.Mas tudo isso faz parte do jogo.

O diretor da Anbima, Pedro Rudge, é o primeiro a lembrar: não é como se os multimercados simplesmente deixassem de valer a pena. A questão é que a nova realidade vai exigir mais competência dos profissionais para entregar resultados consistentes e dos investidores de selecionar com mais cuidado onde aplicar os recursos.

Outra questão. Esses fundos costumam ser criticados por conta das taxas que cobram Em geral, 2% ao ano de taxa de administração, além de uma taxa de performance de 20% em relação a um indicador de referência. A taxa de performance é o prêmio que o gestor ganha por entregar um retorno acima desse índice – que, no caso dos multimercados, é o CDI.

Há quem possa argumentar que, ao invés de pagar isso, o investidor pode montar sua própria carteira, incluindo aí ETFs – fundos baratíssimos que apenas acompanham índices, e que, dependendo do casom tendem a ter bom desempenho no longo prazo. Mas o planejador financeiro Harion Camargo lembra qual o risco dessa escolha: a pessoa física tem pouquíssima chances de replicar a estrutura de um bom multimercado sozinha.

Não é como se o investidor não pudesse tomar as próprias decisões. Aliás, lembra Harion, o ideal é de fato combinar diversas apostas. Uma carteira madura terá seu investimento direto em ações, ETFs, ativos voltados para proteção, como dólar ou ouro – e, entre eles, os multimercados. “A gestão profissional é o que agrega valor”, destaca. E o conceito de caro, podemos dizer, também é relativo: o bom gestor merece ser remunerado assim como pagamos um prestador de serviço por um trabalho bem feito.

A seleção de fundos

E o que é preciso para escolher um bom fundo, afinal de contas?

Você precisa ter em mente que fazer diversificação de fato corresponde a aplicar em produtos e ativos descorrelacionados entre si. Ou seja, que não se movem na mesma direção conforme o comportamento de um mercado especificamente. Para identificar se um fundo tem esse perfil, basta observar o desempenho dele em diferentes janelas de rendimento no passado e comparar com outras referências de mercado, como o Ibovespa ou o dólar.

É claro que rentabilidade passada não é garantia de retorno futuro. Mas analisar esses números ajuda a identificar qual a consistência de um produto. Dá para fazer uma análise inicial do desempenho de cada fundo ao longo do tempo nos sites dos bancos e corretoras que distribuem esses fundos.

E vale o alerta: se analisar o histórico de um fundo pode contar uma boa história, o investimento em fundos muito jovens, que ainda não percorreram uma estrada, talvez tenha que ficar para depois.

Você também pode contar com a ajuda de um assessor de investimento ou um planejador financeiro para fazer melhores escolhas. E, neste caso, uma grande mudança regulatória recente fez com que o jogo ficasse a favor dos investidores, com maior transparência para as reais motivações na distribuição de um produto.

As Instruções 175 e 179 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) trouxeram ao mercado novas regras para a divulgação de informações de fundos e outros produtos do mercado financeiro, incluindo as comissões pagas aos distribuidores e aos assessores para distribui-los – o chamado “rebate”. Essa cobrança é um pedaço da taxa de administração e, antes, não estava explícita.

A lógica é simples: se você sabe o quanto o seu assessor está recebendo para a distribuição de um fundo, é mais fácil identificar possíveis conflitos de interesses. É, inegavelmente, uma ótima notícia para que o investidor possa seguir a recomendação de um profissional com maior confiança.

Contar com a ajuda profissional, no caso dos fundos, também tem muito valor na avaliação qualitativa – em complemento à quantitativa, que só olha para o rendimento. Nesse caso, estamos falando de analisar a gestão de um fundo não por seus números, mas pelas características da gestora em si. A consistência no desempenho de um fundo está muito ligada ao tempo que os profissionais envolvidos na gestão atuam em conjunto. É simples: se a rotatividade no time é muito grande, a gestora não retém talentos – uma receita para sair dos trilhos.

Como o pequeno investidor não tem acesso aos gestores dos fundos, são as casas de análise e assessores de investimento que acabam fazendo o papel de conectar as duas pontas. Mas, novamente: pesquisar é a ordem do dia. O importante é tentar identificar o histórico profissional dos envolvidos na gestão, a qualidade do trabalho feito em outros lugares e os times que decidem o rumo dos negócios.

O tamanho da carteira

Não existe uma receita pronta do tamanho que os multimercados devem ocupar em uma carteira de investimentos. Em todo caso, uma parte do mercado trabalha com um percentual de até 20% do patrimônio do investidor para esses fundos no caso de perfis conservadores e de 30% a 35% para perfis moderados; investidores com perfis arrojados, mais tolerantes ao sobe e desce dos ativos, podem destinar até 40% do patrimônio.

Nos períodos em que os fundos têm dificuldade de lucrar, é natural que o investidor queira sair correndo desses produtos. Mas essa decisão apressada é a pior possível. Os multimercados não são uma “caixinha mágica” e precisam de tempo para entregar retorno. E manter o dinheiro na mão dos bons gestores é o que permitirá ao investidor colher o resultado dos juros compostos.

Para os fundos multimercados macro, um investimento de três anos em diante é ideal. A cada seis ou doze meses, vale rebalancear a carteira. Em outras palavras: aportar mais dinheiro no que perdeu espaço para diluir aquilo que subiu mais. Isso é importante para manter as fatias do portfólio dentro dos percentuais definidos no início da jornada de investimentos.

Para lembrar: montar uma carteira significa separar as caixinhas para cada tipo de ativo ou produto, conforme o perfil de risco do investidor, e, periodicamente, reavaliar o comportamento de cada pedacinho.

Tributação: o calcanhar de Aquiles

Os aspectos tributários jogam contra os multimercados. Em relação aos produtos negociados diretamente na bolsa de valores, como ETFs e ações, os fundos ainda têm a vantagem do recolhimento de imposto diretamente na fonte. No entanto, sofrem com o chamado “come-cotas”, um mecanismo que antecipa a cobrança de IR sobre os lucros dos fundos a cada seis meses. A alíquota é de 15%, na maioria dos casos.

O come-cotas é o sabor amargo dos fundos multimercados – na verdade, de qualquer fundo, incluindo os de renda fixa. A cada seis meses, o recolhimento até pode parecer pequeno, mas isso prejudica o efeito dos juros compostos ao longo do tempo. Ossos do ofício. Planejadores financeiros continuam defendendo que isso não deveria ser um impeditivo para ficar longe do investimento nos fundos.

E por falar em impostos e custos, o próximo grande desafio dos multimercados são os produtos mais diversificados que chegam aos poucos. É o caso dos ETFs híbridos, mais baratos e mais simples. Mas, mesmo nesse caso, a história se repete: a combinação de produtos é a melhor saída.