A autonomia do Banco Central é uma pauta recorrente — e é o que proporciona um custo mais baixo para atingir as metas de política monetária e combater a inflação no Brasil. É o que afirma o vice-chairman do Nubank e ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Primeiro presidente do Banco Central brasileiro com autonomia, Campos Neto enfrentou uma situação inédita: comandar a autoridade monetária durante o mandato de um governo que não o havia indicado, precisando conciliar a missão de controlar a inflação com as pressões políticas.

“Quando existe um ataque à autonomia do BC, isso enfraquece o canal da política monetária, o que faz com que tenhamos de realizar um movimento maior nos juros para garantir o mesmo objetivo”, disse Campos Neto, que participou nesta quinta-feira (4) do evento Fronteiras do Investimento, realizado pela Nu Asset em parceria com o InvestNews.

Ajuste fiscal

Ainda no evento, Campos Neto voltou a defender um ajuste fiscal mais robusto. Para ele, diante do nível elevado de endividamento do país, a conta sempre chega — a diferença está em como ela será paga.

“Quando você tem uma dívida tão grande, o ajuste vem sempre. A questão é que ele pode vir pela inflação, por um imposto regressivo em que quem está embaixo paga mais a conta, pode vir via impostos penalizando o capital ou até pela desorganização do mercado, um custo que recai sobre quem financia o governo”, afirma.

Campos Neto avalia que há um quadro de instabilidade que, inevitavelmente, será resolvido de alguma forma. O desafio seria o de “escolher o caminho menos doloroso”. 

Roberto Campos Neto, vice-chairman do Nubank e ex-presidente do Banco Central
Roberto Campos Neto, vice-chairman do Nubank e ex-presidente do Banco Central (Divulgação)

“No final das contas, uma instabilidade tende a se resolver. A questão é qual a melhor forma de resolver isso: de uma forma organizada, cortando gastos. Se o governo não conseguir entender que tem que cortar gastos agora, vai acabar tendo que fazer isso numa situação muito pior do que hoje”, reforça.

O ex-presidente do BC lembra que o problema não é exclusivamente do Brasil. “Incluo os Estados Unidos, que hoje, em muitas décadas, têm um debate fiscal mais acirrado”, disse, ao lembrar que o endividamento acelerou após a pandemia e agora pressiona os governos a encontrar soluções.

O vice-presidente da gestora BlackRock, Nathan do Nascimento afirmou que o Brasil tem se beneficiado com a saída parcial de recursos do mercado dos EUA para os emergentes, motivado pelo enfraquecimento do dólar diante das incertezas causadas pelas tarifas do presidente americano Donald Trump e pelo crescimento mais acelerado do endividamento do país.

Mas a má notícia é que a questão da sustentabilidade da dívida brasileira ao longo do tempo pode voltar a afastar o capital estrangeiro. O executivo ressalta que “não podemos subestimar o desafio fiscal que enfrentamos”.

Nascimento explica que o resultado fiscal que o governo precisa entregar para apenas estabilizar a dívida ao redor de 80% do PIB, ou seja, só evitar que cresça,seria um superávit entre 2% e 2,5% do PIB. O problema é que a missão se torna muito difícil, porque o orçamento público é “90% engessado”.

BCs pelo mundo

Campos Neto também compartilhou sua visão sobre o endividamento no mundo. Para ele, a dívida global já cobrou seu preço após o crescimento expressivo no período da pandemia. Nos mercados desenvolvidos, chegou a 10% do PIB; nos países mais pobres, a 4%. E isso em cima de números que já vinham piorando antes mesmo de 2020.

A partir daí, os impactos deixaram de ser apenas fiscais e passaram a ser também monetários. Ou seja: governos gastando muito mais, ao mesmo tempo em que os bancos centrais cortaram fortemente os juros. O efeito colateral foi claro: a disparada da inflação.

“Depois disso, não só a dívida ficou maior, como os juros tiveram de subir muito, o que fez o custo de rolagem [da dívida] aumentar, sugando liquidez de outros lugares”, explicou. “Começaram os impactos mais graves na economia, com déficit maior.”

A solução para equilibrar as contas seria aumentar impostos ou cortar gastos — e as experiências globais têm apontado para um crescimento da arrecadação. “Temos um equilíbrio de médio prazo que não parece ser estável, e isso se reflete nas taxas de juros longas [contratos futuros negociados em bolsa com vencimento de maior prazo]”, afirmou. “O desafio é crescer a partir daqui.”

Juros nos EUA

Campos Neto também destacou outros temas que estão no radar dos investidores. Um deles é a política monetária nos Estados Unidos. Para ele, a sinalização de corte de juros em setembro é clara, apoiada por dados que apontam enfraquecimento da economia americana — uma visão alinhada à maioria das apostas do mercado para a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) neste mês nos dias 16 e 17.

O ex-presidente do BC comentou ainda o efeito das tarifas comerciais impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, contra diversos países. Segundo ele, olhando o histórico de tarifas, é fato que há um tratamento assimétrico, em que os americanos cobram menos do que os países costumam cobrar deles.

Ainda assim, o nível de incerteza durante o período em que essa discussão esteve em pauta só aumentou — e toda incerteza, seja qual for, é negativa. “Se você não sabe a tarifa que vai pagar, você freia o seu investimento”, declarou.