Muita gente coloca seu dinheiro em produtos financeiros oferecidos por bancos, plataformas ou escritórios de assessoria de investimentos achando que não está pagando nada por isso.
Mas a verdade é que, por trás de qualquer operação, tem sempre uma comissão. E ela pode ser relevante a ponto de alterar significativamente a remuneração líquida do cliente, que sequer está informado a respeito disso.
É essa falta de transparência que a Comissão de Valores Mobiliários quer corrigir. A partir de novembro, as plataformas que distribuem investimentos e os escritórios de assessores terão de deixar bem claro qual é a remuneração que elas recebem em cada produto financeiro distribuído. Em outras palavras, qual é a comissão que elas ganham cada vez que o cliente faz um investimento.
Na prática, o que vai acontecer a partir de hoje (1), a cada novo investimento –seja em ações, fundos de investimento, ETFs, COEs ou debêntures – o cliente precisará ser informado, no momento da aplicação, qual é a comissão que está sendo paga. Essa informação tem de estar disponível no aplicativo ou na área logada do site.
Se a operação for feita em uma agência bancária ou por telefone, o informe deve estar disponível para consulta em até três dias úteis. Detalhe importante: a regra da transparência só não está valendo para produtos bancários, como um CDB e uma LCI ou LCA (e isso virou uma queda-de-braço entre plataformas de investimento e bancos).
Os investidores também devem receber um extrato trimestral com essas informações, a começar em janeiro de 2025, com dados relativos a novembro e dezembro de 2024.
Um exemplo: em um fundo de investimento que cobra uma taxa de administração de 2% ao ano (comum em fundo de ações), uma prática comum é que 40% dessa taxa fique com a plataforma e com o assessor. Na prática, isso dá 0,8% ao ano . Metade disso fica com a plataforma e a outra metade com o escritório de assessoria. Essa informação, agora, terá de vir discriminada na hora da aplicação.
Quer um exemplo dos valores? Na carteira real de previdência de Juliana (nome fictício) é possível ver com mais clareza o peso da comissão de distribuição. Essa cliente tem três fundos PGBL, distribuídos pela plataforma XP. O Kinea Prev Atlas, no qual ela tem R$ 471.109,35 investidos, pagou R$ 101,97 neste mês apenas para o assessor (os dados da plataforma não estavam disponíveis); no Prev Absolute Vertex, onde estão R$ 486.375,24, a taxa foi de R$ 153,10; e no Genoa Capital Cruise Prev, com R$ 467.811,44 alocados, a taxa do assessor de investimento (também chamada de rebate) ficou em R$ 148,03.
“Nessa hora, o investidor vai poder avaliar se há uma discrepância entre o desempenho e o custo do fundo para tomar sua decisão”, explica Renato Breia, sócio fundador da Nord Wealth.
Fee based x comission based
Aqui, vale um esclarecimento. Com essas novas regras, definidas pela resolução 179, a CVM está dando um passo adiante em relação ao que foi a resolução 178, publicada no ano passado. Ali, a CVM separou de forma bem clara as atribuições das duas figuras que atuam nesse mercado: os assessores de investimento e os consultores.
O consultor de investimento, que atua no modelo fee based, em que é cobrada uma taxa diretamente do cliente, tem dever fiduciário junto ao investidor, ou seja, ele é responsável por defender os interesses de seus clientes, e não das instituições financeiras. Então, ele está proibido de receber rebates ou comissões cada vez que “vende” um produto.
Caso haja uma comissão inerente ao produto financeiro, a parte que iria para a assessoria vai ser devolvida ao cliente em forma de cashback. Se descumprir a regra, não é só a instituição que será punida: o CPF do profissional que recebeu a comissão também será implicado judicialmente.
O assessor de investimento – que trabalha no esquema comission based e que era chamado até pouco tempo de agente autônomo – é uma espécie de vendedor que trabalha para a instituição financeira. E vai ser remunerado por ela, por meio de comissões (os rebates, que até agora ficavam escondidos). Esse é o modelo mais comum no Brasil: quando você compra uma ação, aplica em uma debênture ou coloca dinheiro em um fundo por meio de uma plataforma de investimentos, alguém está sendo remunerado por isso – mesmo que não saiba o nome do seu assessor.
Tem um modelo melhor ou pior? Não. Cada um atende a um perfil específico de investidor. Se você é do tipo de mexe pouco na carteira, prefere concentrar seus investimentos em Tesouro Direto ou é super bem informado a ponto de conseguir escolher o melhor produto, o modelo da assessoria parece cair bem. Já para quem prefere deixar na mão de um especialista a decisão de encontrar as melhores oportunidades de investimento, sem dúvida o caminho da consultoria faz mais sentido.
Mas o importante é entender como funciona cada um desses modelos. É isso o que a CVM quer com a resolução que entrará em vigor em novembro: como trabalham e quanto cobram os assessores, para evitar potenciais conflitos de interesse. Afinal, o risco é que uma recomendação de investimento esteja escondendo uma política comercial: um fundo pode pagar para uma plataforma e seus assessores uma comissão mais alta para que se faça um esforço de venda do produto. E o tal fundo pode acabar sendo recomendado, mesmo que não seja exatamente o mais interessante para o cliente.
Empoderados
Para Luciane Effting, vice-presidente do Fórum de Distribuição da Anbima, ao ter mais clareza sobre como funciona a remuneração do distribuidor, o investidor poderá fazer comparações entre as diferentes casas. E também refletir sobre eventuais conflitos na recomendação de determinado produto. Como consequência, isso pode ampliar a concorrência, o que tende a ser mais saudável para o mercado. “A medida vai empoderar o investidor na tomada de decisão”, afirma.
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O que já acontece – e que deve continuar acontecendo – é que as gestoras de fundos podem negociar comissões diferentes com as plataformas, a depender do tamanho da clientela que elas têm. Ao mesmo tempo, uma comissão mais gorda pode estimular um esforço maior de distribuição de um determinado produto.
“A política comercial existe e não é necessariamente ruim, mas é importante que o cliente saiba o que está em jogo”, explica Leandro Correa, vice-presidente de clientes da Warren Investimentos.
Para Nathan Cohen, fundador da RTS Partners, essa comparação de custos pode estimular.a procura por produtos mais baratos, como os ETFs. Esse é um mercado ainda pequeno no Brasil, mas que nos Estados Unidos movimenta mais de US$ 7 trilhões.
Outro efeito possível é um aumento da procura por casas que atuem no modelo de consultoria, com a cobrança da taxa fixa. Ele diz que isso aconteceu nos Estados Unidos, que adotou regras de transparência para o mercado de investimentos em 2011. Hoje, cerca de 60% do mercado de investimentos americano opera sob o modelo de consultoria, diz o especialista.