O que mais chamou a atenção foram as divergências na decisão. As discordâncias vieram de dois presidentes regionais, Austan Golsbee, do Fed de Chicago, e Jeffrey Schmidt, do Kansas, que votaram por interromper o corte do juro.
Uma terceira dissonância apareceu na voz do integrante do conselho de governadores, Stephen Miran, o mais recente indicado para o BC dos EUA. Ele advogou uma redução maior, de 0,5 ponto percentual.
As dissidências mostram que o Fed começa a ficar cada vez mais incomodado com a persistência da inflação acima da sua meta de 2% ao ano. Mas, neste momento, a preocupação com o emprego está prevalecendo.
Isso significa que o BC dos EUA está em uma espécie de encruzilhada: se cortar demais pode estimular as pressões sobre preços. Mas hesitar também pode levar a um aumento mais forte do desemprego.
O economista sênior global do Citi, Robert Sockin, explica que a decisão sobre um corte em janeiro e até mesmo a possibilidade de mais reduções no ano que vem vai “depender dos dados do mercado de trabalho e da inflação que serão divulgados nas próximas semanas”. A publicação desses números ficou prejudicada pelo período de mais de 40 dias de paralisação do governo americano, o shutdown, que acabou apenas em 14 de novembro.
O especialista ressaltou que os indicadores atuais sugerem uma continuidade do enfraquecimento do emprego no fim do ano. Sockin lembrou que os dados mais recentes mostram um dos mais altos níveis de desligamentos na economia desde a pandemia.
A cautela do Fed para evitar sinalizar mais cortes já era esperada. Tanto que os mercados reagiram sem surpresas. Os índices das bolsas de Nova York fecharam em alta, com o S&P 500 avançando 0,7% e o Nasdaq em alta de 0,3% tendo acelerado durante a coletiva do presidente do Fed.
O CEO da deVere Wealth Management, Nigel Green, avalia que o Fed terá de cortar mais os juros. Isso na medida em que o mercado de trabalho continua a enfraquecer e a inflação, mesmo acima da meta, não mostra tendência de alta. “Se as contratações continuarem a esfriar e a inflação se mantiver em equilíbrio, manter as taxas estáveis por muito tempo acarretaria risco de apertar as condições monetárias.”
Fed entra em modo ‘esperar para ver’
Na coletiva, o presidente do Fed, Jerome Powell, sinalizou que o BC pode entrar em período de pausa nos corte para avaliar o efeitos dos três cortes sobre a economia, o desemprego e a inflação.
Powell afirmou que a autoridade chegou em um nível de juros – entre 3,50% e 3,75% – que permite “esperar e ver”. Ou seja, trata-se de um patamar perto do nível neutro no qual os cortes não estimulam a inflação, mas devem estabilizar o mercado de trabalho.
O Fed, de qualquer modo, deixou a porta aberta para mais cortes no curto prazo ao citar que as decisões são tomadas reunião a reunião e são dependentes de dados.
Novo presidente do Fed deve criar mais incertezas
Houve ainda uma terceira dissidência da decisão desta quarta-feira. E é justamente aquela que lança incertezas para o futuro da política monetária dos EUA. Stephen Miran, escolhido pelo presidente americano Donald Trump em agosto para ocupar a vaga deixada após a renúncia da integrante do conselho de governadores, Adriana Kugler, votou, como nas duas ocasiões anteriores por um corte de 0,5 ponto.
Miran mostrou uma visão sobre os juros mais alinhada a do governo Trump. Ou seja, que os juros ainda estão muito elevados e deveriam cair mais – ou mais rápido.
O integrante do conselho de governadores, por enquanto, é uma voz solitária no Comitê Federal de Mercado Aberto, o Fomc, o colegiado que decide os rumos da política monetária americana.
No entanto, após 15 de maio, quando acaba do mandato de Jerome Powell, o Fed terá um novo presidente escolhido por Trump.
Há chances de que a visão de um novo presidente do Fed alinhado a Trump – como seria o caso de Kevin Hasset, nome que lidera as apostas sobre a indicação no mercado – seja mais parecida com a de Miran do que aos dos outros integrantes do Fed.
É claro que a estrutura do Fomc ajuda a reduzir riscos de um Fed contaminado politicamente. Isso porque o grupo é formado pelo presidente do Fed, pelos seis integrantes do conselho de governadores e por outros cinco presidentes de regionais do BC dos EUA.
Após 15 de maio, Trump terá escolhido três integrantes do conselho de governadores – Christopher Waller, Michelle Bowman e Stephen Miran, que tem um mandato tampão até janeiro, mas pode ser reconduzido – mais o presidente do Fed. Não seria suficiente para impor uma visão sem amparo técnico. Mas pode influenciar o banco central americano a adotar uma postura mais flexível em relação aos cortes de juros.