As ações da Magalu acumulam uma alta de pouco mais de 39% em 2025. Apesar da elevação, os números mostram que 2025 foi um período desfavorável para a companhia, com juros altos, um endividamento crescente dos consumidores e a concorrência acirrada no comércio eletrônico.

Os números do terceiro trimestre dão uma boa ideia desse ambiente desafiador para a varejista. Basta ver o lucro líquido ajustado, que caiu 69,8% na comparação com o mesmo período de 2024. E, em nove meses, a linha registra queda anual de 57,1%.

Mas então o que está por trás desse avanço?

É preciso lembrar que a ON da Magalu atingiu a mínima histórica, de R$ 5,81, em janeiro deste ano. E, desde o pico da cotação, no início de 2021, a ação cai 96%. Portanto, a alta atual, em parte, vem de um movimento de recuperação dessa queda extrema. 

Mas o passado já passou. Então a pergunta agora é: tem espaço para mais?

Para o analista do Itaú BBA, Rodrigo Gastim, o cenário de concorrência acirrada no on-line, juro elevado e consumidores endividados vai continuar a pesar sobre os resultados do grupo. No terceiro trimestre, por exemplo, a margem líquida recuou 0,2 ponto percentual comparada aquela vista entre julho e setembro do ano passado, de 1,1% para 0,9%. 

A pressão é longa. Vem desde o início de 2022, quando a Selic, que impacta os custos do crédito para consumo, subiu para mais de 10% ao ano. Desde então, permaneceu acima dos dois dígitos e, na perspectiva do mercado, segundo o boletim Focus do Banco Central, só deve voltar para um dígito em 2028.

Dito isso, a varejista tem feito sua lição de casa para amenizar os efeitos dos juros no maior patamar em 19 anos. Os analistas Rubem Couto, Eric Huang e Vitor Fuziharo, do Santander, ressaltaram em relatório ver resiliência nos resultados do grupo, mesmo em meio ao cenário ainda tão desfavorável. 

Segundo os especialistas, a companhia tem feito esforços para melhorar rentabilidade, com melhor eficiência de alocação de capital e busca por novas fontes de receitas. E isso tem sustentado a lucratividade mesmo diante do ritmo modesto de crescimento das vendas no setor varejista como um todo.

Apesar da forte queda anual no lucro líquido, só o fato de a Magalu conseguir manter o balanço positivo mostra que o grupo tem mantido a disciplina de capital. Um dos seus concorrentes diretos, a Casas Bahia, por exemplo, registrou prejuízos líquidos seguidos em três trimestres de 2025, todos acima de R$ 400 milhões. 

Novas fontes de receitas

A diretora de Relações com Investidores da Magalu, Vanessa Rossini, defende que o pior já passou. A partir do ano que vem, a companhia entra em um novo ciclo de cinco anos, após consolidar as várias aquisições – foram 19 entre 2019 e 2021 –, além de reforçar o crescimento do e-commerce e incorporar novas linhas de receitas. 

Por isso, a executiva considera 2026 como uma espécie de divisor de águas para a companhia.

Rossini afirma que, na nova fase, a varejista pretende dar um salto operacional com a diversificação de áreas de atuação.

Nessa busca por novas receitas, a Magalu inaugurou até mesmo um serviço de computação em nuvem, a Magalu Cloud. Segundo a empresa, a nova área já atende mais de mil clientes.

Mas nuvem à parte, a principal camada da atmosfera financeira da varejista ganha forma mesmo nas operações de crédito e de logística. Rossini cita o exemplo da Luizacred, joint venture com o Itaú para operação de cartões de crédito. A área já conta com uma carteira de R$ 19,6 bilhões.

Carnê em expansão

Além da JV com o Itaú, a Magalu recebeu autorização do Banco Central, em fevereiro deste ano, para ter uma financeira própria. Conforme a diretora de RI, a partir de um projeto piloto com 50 lojas, a rede vai ampliar a oferta de linhas de crédito direto ao consumidor (CDC) para outros pontos da rede a partir de 2026.

“O CDC é a nossa operação de carnê. É complementar ao cartão de crédito, porque alcança o consumidor de menor renda.” Conforme Rossini, 10% das vendas nas lojas já são feitas nessa modalidade. 

Os analistas do Itaú BBA destacaram ainda a iniciativa da rede de criar uma loja conceito, instalada no icônico Conjunto Nacional, em São Paulo, onde funcionava a megaloja da Livraria Cultura. “A Galeria Magalu, em um dos pontos mais tradicionais de São Paulo não é apenas um ponto de vendas; é um centro de experiência que reúne, pela primeira vez, todas as marcas do ecossistema, como Magalu, Netshoes, Época Cosméticos, KaBuM e Estante Virtual.”

Conforme a casa de análise, o on-line é mais competitivo, mas as lojas não são menos relevantes. “A presença física eleva a confiança na marca e expande a própria diversificação de vendas no on-line.”

O Santander também destacou a inciativa e enxerga potencial para a loja conceito como uma nova linha de negócios. Conforme os analistas, a Galeria Magalu pode ter um faturamento mais de 10 vezes maior do que uma unidade padrão, além de agregar retorno com publicidade..

Nas contas da casa de análise, o lucro obtido com o novo modelo seria capaz de pagar o investimento em um ano e meio. Os especialistas destacaram ainda que a Magalu pode reformar endereços já existentes e abrir até 50 novas lojas no mesmo conceito.

Influenciadores e rede logística

Na inauguração da loja conceito, em 9 de dezembro, o CEO da Magalu, Fred Trajano, ressaltou a característica de “palco” para as marcas do espaço. “Vamos ter uma agenda de criadores de conteúdo do YouTube vindo aqui fazer suas lives e podcasts. Adaptamos o antigo teatro para os criadores trazerem a sua audiência, ter um encontro físico e fazerem live commerce.”

Dentro do processo de reestruturação do grupo, as lojas físicas, que por muitos anos foram vistas como uma desvantagem frente aos concorrentes 100% digitais, como o Mercado Livre e a Amazon, deixaram de ser apenas mais um canal de vendas que luta para manter a relevância. 

Os pontos de rua acabaram se tornando essenciais dentro da rede de distribuição de produtos vendidos pela plataforma do grupo.Hoje as lojas físicas viraram um dos trunfos na operação da Magalog, companhia de logística criada em novembro de 2024.

“A Magalog já atende mais de 100 empresas e isso é muito importante porque nos ajuda a monetizar a operação e a trazer uma maior eficiência, com aumento da velocidade de entrega”, afirma a diretora de RI. Conforme a executiva, a rede de lojas se tornou um importante ponto de distribuição para acelerar as entregas. “Metade dos produtos vendidos pela Magalu on-line passam pelas lojas e com isso conseguimos entregar metade das compras em até um dia e a maior parte em até dois.”

Além da transformação estratégica, a Magalu pode ainda se beneficiar de mudanças no cenário macroeconômico e até mesmo da Copa do Mundo no médio e longo prazos. O mundial, que acontece em junho, tende a impulsionar a venda de TVs. 

A redução dos juros

Mas o mais importante é o cenário de juros. A expectativa do mercado é de que o Banco Central inicie o tão esperado  ciclo de corte de juros até o fim do primeiro trimestre.E o ritmo de queda de juros pode ser mais acelerado do que se previa no início do ano.

A mediana de estimativas da Focus coloca a Selic em 12,13% no fim de 2026. Isso representa um corte de mais de 2,75 pontos percentuais no ano que vem. Como o BC vai fazer oito reuniões para decidir o riumo dos juros no próximo ano, terá de fazer cortes de, pelo menos, 0,5 ponto percentual em talvez metade desses encontros.

A redução dos custos de financiamentos pode ajudar tanto empresas quanto consumidores a reduzir o endividamento. E, como consequência, elevar as vendas das redes de varejo.

Ainda que os ventos possam começar a virar a favor, as ações da Magalu tem muito, mas muito chão para voltar ao topo histórico.

O castelo de areia

A ação da Magalu viveu um momento de extrema euforia lá pelos anos 2020. Tanto que o valor de mercado da varejista alcançou um insustentável múltiplo de preço por lucro por ação (P/L) de 470 vezes. Ou seja: o papel era negociado pelo equivalente a 470 anos do lucro por ação. O P/L médio do Ibovespa, para dar uma ideia, é de 10.   

Trata-se de um nível 10 vezes maior do que o P/L atual da empresa mais valiosa do mundo hoje, a Nvidia. Em outras palavras, era uma bolha, que já estourou. Hoje, o P/L da ação é de 18 – um patamar convencional.

A queda do valor de mercado da Magalu nos últimos anos, que saiu de R$ 177 bilhões em 2021 para os atuais R$ 6,7 bilhões, refletiu uma grande frustração com a tese de investimento na época. Havia altas expectativas sobre o processo de transformação digital do grupo. Mesmo que o CEO Fred Trajano refutasse a comparação, os investidores embarcaram de cabeça na tese da “Amazon brasileira”.

Na época, a empresa surfava uma onda de crescimento de vendas derivada da mudança de hábitos de consumo na pandemia, mas que se mostrou transitória. Além disso, a própria estratégia de compras de outras empresas alimentou a visão entre os investidores de que a Magalu executaria sem sobressaltos o papel de consolidadora de plataformas on-line. O grupo fez, entre 2019 e 2021, 19 aquisições, incluindo marcas do comércio eletrônico como Netshoes e Kabum.

Mas o preço das decisões chegou. E com ele vieram uma série de outros obstáculos. Primeiro, os juros passaram a subir, o que tornou o financiamento das aquisições muito mais caro. Depois, a concorrência com as plataformas asiáticas e com modelos puramente digitais, como os dos Mercado Livre e da própria Amazon, mostrou-se bem mais difícil de enfrentar.

As operações on-line exigem um alto investimento logístico em galpões e estrutura de distribuição. Há seis anos, a Magalu, apesar do crescimento on-line, ainda tinha a maior parte das receitas vindas da rede de lojas físicas. Em 2019, as vendas presenciais representavam 59% das receitas. Hoje o cenário é o inverso: as vendas on-line alcançam 70% do total.

Diante dessas pressões, o grupo passou a gerar prejuízos líquidos. A fase durou do início de 2022 até o terceiro trimestre de 2023. A partir de então, a Magalu voltou a registrar lucro.

E agora? Se tudo ocorrer conforme os planos da Magalu, a companhia pode surfar uma nova onda de crescimento, com menor vulnerabilidade aos ciclos econômicos. Essa questão de expectativa versus realidade vai enfrentar o primeiro teste nos próximos trimestres.