A recente alta da Selic para 15% ao ano jogou mais lenha em uma fogueira que só tem crescido: o custo das dívidas das empresas. Para os investidores, significa que o risco para o crédito privado, ou seja, dos títulos de dívida emitidos pelas companhias, ficou ainda mais alto.
O problema está principalmente no fato de que ninguém consegue estimar até quando vai durar essa era de juros altos por mais tempo. É verdade que uma Selic tão alta represente um retorno mais polpudo, mas a cautela virou o nome do jogo para aplicações em títulos de dívida privada atrelada ao CDI, como debêntures, certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e certificados de recebíveis do agronegócio (CRA). Segundo os especialistas, o momento é de evitar papéis emitidos por empresas mais endividadas.
Uma regra básica para quem investe em renda fixa é que quanto maior o retorno prometido pelo papel, maior o risco. Uma empresa com fundamentos menos sólidos, como dívida elevada e custos operacionais muito altos, precisa pagar um “prêmio” maior para os investidores aceitarem emprestar dinheiro. E, no cenário atual, o custo desse recurso pode facilmente alcançar algo como 18% a 20% ao ano, um nível que pode ser sufocante para um negócio vulnerável.
O risco de calote tem crescido, principalmente, entre empresas pequenas e médias. O relatório mais recente da Serasa Experian mostra que em março 7,3 milhões de empresas estavam inadimplentes. Trata-se da maior quantidade da série histórica do birô de análise de crédito.
A inadimplência segue em crescimento. Tanto que o recorde de número de companhias negativadas foi batido seguidamente em janeiro, fevereiro e março deste ano.
Ainda que o atual nível de juros tenha alcançado o maior patamar em quase 20 anos, o tamanho dessa pressão talvez não seja o maior problema. A pergunta mais importante é: por quanto tempo as companhias vão conseguir aguentar?
A questão é que, nesse mercado, o investidor normalmente observa uma variável que nem sempre reflete perfeitamente esse risco: o chamado spread, ou seja, a taxa que as debêntures, CRIs e CRAs pagam acima do CDI ou de um título público de prazo equivalente. Esse “plus” que os papéis CDI ou IPCA + estão pagando atualmente estão baixos porque a Selic mais alta vem atraindo recursos para a renda fixa como um todo, inclusive para o crédito privado. Então, o spread não está refletindo precisamente o risco das empresas, mas sim uma dinâmica de mercado de maior demanda pelos papéis.
Para as empresas com melhor perfil de crédito, houve uma oportunidade de trocar dívidas com spreads elevados, emitidas no período no qual o BC manteve os juros em um dígito, por novos títulos pagando um prêmio muito menor. Essa janela abriu a partir da segunda metade de 2024 e permanece aberta em 2025.
O spread médio caiu pela metade no ano passado em relação a 2023 e tem se mantido nesse nível neste ano. O Idex CDI, relatório criado pela JGP com vários indicadores desse mercado, mostra que as debêntures emitidas em junho de 2025 tiveram retornos médios de CDI + 1,8%. Trata-se de um spread médio bem abaixo dos 3,4% visto no início de 2024.
Nesse universo de companhias, existem realidades bastante diferentes. E é sobre isso que o investidor precisa estar atento. As empresas maiores, com fundamentos sólidos e que exibem baixíssimo risco de inadimplência, já captam com prêmios abaixo de 1%. São as companhias do grupo conhecido como “high grade”, formado por aquelas com as melhores classificação de crédito pelas três principais agências de rating, Moody’s, Fitch e S&P, como Vale, Embraer, Suzano, Votorantim, Ambev, Gerdau e outras.
Essas empresas têm aproveitado o momento de queda de spreads para alongar e reduzir o prêmio das dívidas antigas atreladas ao CDI. Na prática, significa que elas têm conseguido reestruturar seus débitos e pagar menos juros.
O co-gestor de crédito privado da AZ Quest, Daniel Borini, avalia que as empresas desse grupo são capazes tanto de atravessar a turbulência atual, quanto aguardar o início da queda de juros, provavelmente a partir de 2026. “Elas fizeram o dever de casa e reperfilaram suas dívidas, além de melhorar os níveis de endividamento.”
Ainda assim, caso a Selic fique em níveis altos por um tempo muito prolongado, algumas dessas empresas podem começar a sentir um impacto negativo. “Ainda estamos longe, mas existe um ponto em que uma taxa tão alta começa a deteriorar a qualidade do crédito”, diz Borini.
Existe um outro grupo de empresas mais endividadas, para quem a corda esticou. As empresas com qualidade de crédito avaliada como medianas ou de risco já estão sofrendo. No mercado, esses grupos vistos como mais arriscados são chamados de “high yield”, têm de pagar um prêmio muito maior para conseguir emprestar recursos de investidores.
No momento atual, os prêmios de novas emissões de títulos high yield permanecem bem mais elevados do que o high grade, na faixa entre 3% e 5%. Com a Selic de 15%, significa um custo de 18% a 20% ao ano. Um juro desse nível, dependendo do tempo em que permanecer tão restritivo, levaria as empresas mais endividadas a enfrentar os piores pesadelos financeiros.
Mas o que isso significa, na prática, para essas empresas? Vivian Lee, sócia da Ibiuna, cita como exemplo o caso de uma empresas que estivesse no início do ano com mais da metade do caixa comprometido com o pagamento das parcelas da dívida.
Nas contas da especialista, se a dívida alcança seis vezes o Ebitda da companhia, a subida da Selic pode comprometer quase toda a receita líquida desse grupo. O Ebitda é um indicador que mede a capacidade da empresa de gerar caixa.
“Se uma empresa que tem alavancagem de seis vezes, o custo de sua dívida alcança cerca de 60% do Ebitda. Com um juro de 15%, esse custo vai superar os 90% do Ebitda. A companhia não vai conseguir reduzir o endividamento porque todo o dinheiro que consegue gerar vai só para pagar a despesa com juros.”
Especialistas dizem que um cenário de crise no crédito privado ainda está muito longe de acontecer. Mas o momento de juros acende , sim, um sinal amarelo. Tanto é que os próprios fundos de investimentos em crédito privado, que se dedicam a olhar para os balanços das companhias no detalhe, já adotaram uma estratégia mais conservadora: muitos deles estão optando por manter um nível de dinheiro em caixa acima da média histórica, em vez de fazer novas alocações. Isso para não aumentar o nível de risco de suas carteiras.
É o caso dos fundos da AZ Quest. Borini explica que, como os spreads estão muito baixos e as empresas aproveitaram a alta procura pelo crédito privado para fazer emissões com prazos mais longos, acima de 5 anos, os gestores têm evitado entrar em qualquer operação.
A mesma recomendação seguida pelos fundos vale para o investidor comum. Mesmo que seja uma empresa high grade e a Selic esteja elevada, pode ser vantajoso esperar. Faça as contas: se você resolver aplicar em uma debênture com vencimento em 7 anos e retorno de CDI mais 1% terá um rendimento de cerca de 16% ao ano no momento. Nada mau.
Mas ao longo de 7 anos o CDI médio tende a cair, talvez até mesmo seja uma taxa de um dígito. Porque mais cedo ou mais tarde o BC vai iniciar um ciclo de corte de juros. Aguardar uma melhora dos spreads pode assegurar um retorno médio maior.
Na mesma lógica, os fundos de crédito da Genial têm evitado tanto empresas quanto setores mais vulneráveis às taxas de juros elevadas. “Estamos evitando empresas mais alavancadas e setores mais afetados onde o custo de capital tem mais impacto”, diz o gestor de renda fixa e crédito privado da Genial, Alexandre Donini. É o caso do varejo e da indústria, que têm desempenho fortemente atrelado ao comportamento do consumo.