Ao decidir investir, você certamente teve contato com um assessor oferecido pela sua plataforma. Mas e se, ao invés de contar com a ajuda de uma pessoa, você tivesse uma máquina para decidir ou te ajudar a aplicar os seus recursos? É exatamente isso que vem ganhando mais popularidade entre os investidores, sobretudo com o avanço da inteligência artificial: os robôs de investimentos.

Na prática, “robô” é apenas uma forma de automatizar uma decisão financeira. O sistema usado coleta os dados, compara com parâmetros predefinidos e realiza as operações sem que o investidor precise decidir na hora o que fazer. Não é preciso um clique sequer.

O planejador financeiro Rafael Bressan conta que a procura por esses serviços é crescente, em especial para clientes que querem operar renda variável, mas não têm tempo de se dedicar a isso. É com essa demanda que as plataformas de investimento passaram a pensar em soluções, nas quais um software identifica os pontos de entrada e de saída em ativos negociados no mercado financeiro, de acordo com as instruções que o investidor deu.

O comum nesse caso são os robôs-traders, ou robôs de ordens, famosos entre quem faz day trade, que são as negociações de compra e venda feitas em um mesmo dia, com ações e minicontratos – versões menores e mais acessíveis de contratos futuros negociados na bolsa de valores.

Essa estrutura já existe há anos no mercado, mas a maior novidade é que algumas plataformas oferecem uma “loja” de estratégias, com uma curadoria de modelos que desenvolvedores independentes e outros traders disponibilizam para que outras pessoas sigam.

Um exemplo simples ajuda a entender o funcionamento: um trader monta uma estratégia em que o robô comprará uma ação a R$ 30. O investidor define dois pontos que vão deflagrar ordens: o alvo de R$ 31,20 e o chamado stop, em R$ 29. Se o papel subir até R$ 31,20, a venda é feita e o investidor lucra. Se, por outro lado, cair a R$ 29, o robô vende a ação e a posição é encerrada com prejuízo, mas de forma controlada.

Esses dois pontos — alvo e stop — são a espinha dorsal da gestão de risco em estratégias de curto prazo. E o robô entra para fazer algo importante: manter a disciplina, para que o negócio não dependa do humor do investidor no “calor” do pregão.

Guardadas as devidas particularidades, a opção de “assinar um robô” criado por outra pessoa fica próxima do conceito de copy trade. Nessa estratégia, o investidor espelha as operações de outro analista ou trader, que é uma figura conhecida por ele ou pelo mercado.

A liberdade do investidor que opta por esse caminho está em permitir que a automação replique o que outra pessoa – no geral, mais profissional – está fazendo. Na escolha, o investidor também tem a possibilidade de definir o tamanho do saldo que ele destinará a esse fim, os limites de perdas e o momento de desconectar o serviço.

O outro lado da moeda é que, nesse caso, o viés humano não é eliminado como no uso de uma automação simples: se a “fonte” da estratégia errar, o investidor que a está seguindo escorrega junto – e talvez se dê conta disso apenas mais tarde.

Gestores e assessores digitais

Como nem só de day trade se faz um mercado, os robôs já chegaram à gestão e à assessoria de investimento. São os robôs-advisors, voltados à alocação de longo prazo. Aqui, a automação parte de uma pesquisa para definir o perfil do investidor, os objetivos e tolerância a risco, para só então propor uma carteira.

Em algumas empresas, o serviço apenas recomenda a alocação e cabe ao investidor seguir ou não o indicado, em um trabalho parecido com uma assessoria tradicional de investimentos. Em outros casos, o próprio sistema passa a montar a carteira e a monitorá-la periodicamente, para vender um pouco do que avançou demais e comprar o que ficou para trás. Tudo isso para manter o portfólio sempre de acordo com o definido.

O planejador financeiro Ednar Nascimento afirma que as soluções de inteligência artificial aceleraram muito o processo de construção das carteiras dos clientes porque, na gestão automatizada do portfólio, os robôs oferecem uma visão ampla e rápida da evolução do patrimônio. Ele diz, porém, que o papel do robô é auxiliar o assessor em um trabalho que, posteriormente, precisa ser validado com o cliente – o que garante o calibramento correto da carteira às necessidades da pessoa.

“Uma das maiores preocupações são as premissas”, ressalta. “A IA ou os robôs executam o que é solicitado pelo ser humano e isso pode ter erros se o perfil ou as necessidades do investidor não forem bem alinhados.”

Outros riscos e desvantagens

Em dias de tendências claras, os robôs-traders tendem a funcionar bem, mas o problema começa em mercados sem direção específica ou no uso de testes que simulam o desempenho de uma estratégia a partir de dados históricos (backtest), situação que pode não se repetir no futuro.

Vamos pensar em um novo exemplo: o investidor determina que o robô compre um ativo quando ele sobe R$ 10, com um alvo de ganho de R$ 30. Se o preço passar a cair, ele sai em um ponto de segurança definido em R$ 15 de perda. Em dias em que o mercado opera com uma direção clara, seja de queda, ou de alta, o robô funciona bem: só vai comprar e vender quando esses pontos forem tocados.

O problema é quando o mercado oscila demais – o que não é raro. O preço sobe R$ 10 e o robô compra o ativo, mas logo o mercado cai e a automação vende quando a perda é de R$ 15. Minutos depois, o mercado sobe R$ 10 outra vez, para, em seguida, cair R$ 15 de novo. Só aqui, o investidor já terá perdido R$ 30, sem considerar as taxas. E o grande ponto de atenção é que o investidor, ao “contratar” uma estratégia de outra pessoa em uma plataforma, pode nem sequer entender o que está se passando.

Os robôs que fazem assessoria ou gestão também podem chegar a conclusões muito ruins para o investidor. Um deles é o custo, porque cada operação feita para recalibrar a carteira gera corretagem e impostos. Se o momento for de volatilidade e o prazo definido para balancear for mais curto, o patrimônio será facilmente corroído.

Outro aspecto importante é como a automação é calibrada. O robô pode “aprender”, por exemplo, que ações e títulos públicos se movem em direções opostas: um cai quando o outro sobe. Aí entra o problema – que, inclusive, é o que estamos vivendo hoje: os mercados estão em um momento em que as ações estão com forte alta, enquanto a remuneração dos títulos também está subindo.

Nesse caso, o robô pode acabar expondo a carteira a maior risco: venderá parte do que está subindo – as ações – para recompor o peso do que está caindo – os títulos, em que os preços são mais baixos porque as taxas estão em elevação. Se esse cenário persistir e a carteira do cliente não estiver bem aderente ao perfil, a automação repete o processo: vai retirando os ganhos das ações e aumentando a aposta em títulos que continuam se desvalorizando.

A regulação

Existe um outro ponto de atenção para quem contrata o serviço de automação. Embora o tema pareça novidade, os órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já estabelecem regras para o funcionamento desse mercado.

Se um serviço presta recomendações personalizadas para o investidor, ele está atuando como consultoria de valores mobiliários e a empresa que oferta o serviço precisa da mesma autorização que outras casas tradicionais. A CVM exige até mesmo que o código-fonte do sistema automatizado ou o algoritmo estejam disponíveis para inspeção.

Se as recomendações forem padronizadas, como na oferta de relatórios, modelo de carteiras ou estratégias prontas, quem assina esse conteúdo atua como analista de valores mobiliários. Se, além de recomendar, o serviço passa a decidir e a executar operações, ele é enquadrado como gestão de carteiras, que também exige registro e o cumprimento de regras específicas.