A tokenização – processo de transformar ativos tradicionais em tokens na blockchain – está super pop. Tem gestor financeiro gigante falando sobre isso (vide Larry Fink, da BlackRock), quase todo dia sai matéria na imprensa a respeito desse assunto e até a família Trump – que tem um apreço especial por cripto – está de olho.

Mas como funciona exatamente esse setor, em que pé está no Brasil atualmente e como o investidor pessoa física pode tirar uma casquinha dele, sem correr tanto risco? Vamos por partes.

Primeiro, o básico. As empresas precisam de dinheiro para crescer e manter o negócio rodando. Tradicionalmente, isso é feito com a emissão de debêntures ou outros títulos de dívida – um processo burocrático, um pouco salgado e demorado, que pode levar de três a seis meses. A tokenização surgiu como uma alternativa mais rápida e acessível, entre 30 e 45 dias, segundo players – mas para empresas menores.

Em vez de passar por todas as etapas do mercado tradicional, a firma emite seus títulos diretamente na blockchain (a tecnologia por trás das criptos), em forma de tokens, que podem ser comprados por investidores. Em troca, quem investe nesses ativos recebe um retorno sobre o valor investido. É uma renda fixa mais moderninha e digital.

Todo o processo de emissão segue o rito de uma resolução chamada CVM 88, de abril de 2022. Ela, na verdade, foi criada para startups que precisavam levantar grana via crowdfunding (financiamento coletivo), mas em 2023 a Comissão de Valores Mobiliários também expandiu para as emissoras cripto. Aí foi um Deus nos acuda de emissões.

Naquele ano, por exemplo, foram R$ 273 milhões em ofertas por meio dessa regra, segundo dados do próprio xerife do mercado de capitais. Em 2024, o valor de oferta já pulou para R$ 1,3 bilhão – ou seja, quatro a cinco vezes mais. Até outubro de 2025, já foram R$ 1,45 bilhão em emissões encerradas, além de R$ 1,37 bilhão em andamento.

Tem de tudo um pouco


Hoje, há tokenização de todo tipo de instrumento. O RWA Monitor, uma plataforma para monitoramento e análise de ativos reais tokenizados, reuniu os dados de seis grandes emissoras – elas não são as únicas, mas já dá para ter uma ideia do que já foi ofertado e do que existe por aí.

Entre os tipos de ativos tokenizados, 42,1% são Crédito do Produtor Rural (CPRs), 22,3% nota comercial, 19,5% debêntures, 7% recebível de cartões, 4,8% duplicatas, 2% acordo de participação em empréstimo e 1,9% Cédula de Crédito Bancário (CCB). Ufa.

“A tokenização é muito mais simples, porque são títulos que as pessoas já estão acostumadas e que vão ser transformados em tokens. E, apesar de não ser uma coisa tão popular e tão falada quanto o investimento em cripto, como bitcoin (BTC) e ethereum (ETH), é um movimento que talvez se aplique muito mais ao dia a dia das pessoas que investem”, disse André Gouvinhas, chief financial officer (CFO) do MB | Mercado Bitcoin.

A empresa, que começou como exchange, hoje aposta alto também na tokenização e já emitiu quase R$ 1 bilhão em tokens, segundo dados compilados na plataforma RWA. Já a GCB Investimentos, uma das pioneiras nesse segmento, informou nesta semana que, de novembro de 2023 até outubro deste ano, realizou R$ 1 bilhão em emissões de ofertas públicas tokenizadas sob a resolução CVM 88 – entre operações de Certificados de Recebíveis (CRs) e outras dívidas estruturadas.

Outras firmas do setor são Vert Capital, com R$ 743 milhões; Liqi, com R$ 22 milhões; Dexcap Finance, com R$ 9 milhões; Invex, com R$ 2,24 milhões; e Foxbit, com R$ 1,08 milhão.

E para o investidor?


Como a tokenização é mais barata, as empresas conseguem oferecer aos investidores um rendimento maior na outra ponta. Hoje, nas emissões abertas em período de captação, há tokens oferecendo IPCA + 13% ao ano, bem como 18%, 20% e até 24% em 365 dias.

São retornos bem mais chamativos do que os já atraentes títulos públicos – que estão pagando hoje IPCA + 8% (o de 2029) e 13,38% ao ano nos prefixados – e até mais do que o crédito privado tradicional, como os Certificados de Depósito Bancário (CDBs), que pagam 100% do CDI ou um pouco mais.

Riscos


Todo investimento tem risco – e a renda fixa digital também tem. Alguns deles são riscos de mercado (variação nos preços dos ativos que compõem o investimento), de crédito (possibilidade de o emissor não honrar o pagamento) e tributários (alterações nas leis que podem mudar a forma de tributação ou aumentar a carga de impostos), segundo relatório da BlockWise Capital.

Além disso, podem existir riscos operacionais (falhas em sistemas, processos ou na gestão da plataforma), jurídicos/regulatórios (mudanças nas regras que afetam o funcionamento do investimento) e de liquidez (dificuldade em vender o ativo rapidamente sem perder valor).

Também não existe mercado secundário para esses tokens – ou seja, não é possível comprar e vender o ativo digital antes do vencimento, o que aumenta ainda mais o problema da liquidez e exige um comprometimento com o prazo da operação.

Além disso, diferente da renda fixa tradicional, esses ativos não contam com a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), é uma espécie de “seguro” que garante ao investidor a devolução de valores investidos – até R$ 250 mil por investidor e instituição – caso a empresa emissora do título apresente problemas.

O que olhar antes de investir?

Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, sócio do CBA Advogados, disse que, em relacão ao token em si, é essencial que o investidor interessado nesse tipo de produto entenda o que ele representa. “Vale verificar se há um lastro real e verificável (como um recebível, uma nota comercial ou um contrato de crédito), qual é o fluxo de pagamento e de liquidação, e se os contratos inteligentes passaram por auditoria técnica”.

Já em relação à empresa emissora, falou, o investidor deve observar sua governança, histórico de atuação e situação financeira. “É importante verificar se o emissor tem estrutura para honrar os pagamentos, se os recursos captados têm uma destinação operacional clara e se há relatórios de acompanhamento”.

Mudanças na legislação?


Para tentar contornar algumas das limitações desse setor, a CVM lançou, no mês passado, uma consulta pública sobre a reforma da resolução de crowdfunding. A ideia do regulador é liberar outras empresas para emitir por meio desse arcabouço jurídico (especiamente do agro), aumentar limites e ajustar outras regras. O mercado gostou do movimento.

“A proposta amplia o rol de emissores elegíveis, permitindo que securitizadoras, cooperativas e produtores rurais possam realizar ofertas reguladas por meio de plataformas registradas. Isso consolida o uso da tecnologia blockchain dentro de um arcabouço jurídico sólido, aumentando a confiança do investidor e reduzindo a incerteza quanto à natureza desses ativos. A ampliação da distribuição por meio de bancos e corretoras tende a aumentar a liquidez das ofertas”, falou Borges.