Pelo menos é isso que mostram os dados de outubro da Biscoint, plataforma que capta a movimentação em 10 exchanges com operação local, como Binance, Bitso, Foxbit, entre outras. As informações começaram a ser levantadas em janeiro de 2024.
Somente no mês passado – que foi negativo para o bitcoin, diga-se de passagem –, o volume total negociado de USDT nas corretoras locais chegou a R$ 10,51 bilhões – o equivalente aos gastos dos brasileiros no exterior em setembro deste ano, de R$ 10,22 bilhões.
Mas o que explica o volume alto? Vamos por partes.
Derrapada do bitcoin
Parte da alta pode ser atribuída justamente à queda, do mês passado, do BTC. No desespero com a desvalorização do preço, muitos traders seguiram a manada e venderam a cripto. Mas, em vez de converterem o saldo para moedas tradicionais, como o real, no Brasil, eles mantiveram os recursos em stablecoins.
Só no dia 10 de outubro – quando o mercado cripto viu os traders alavancados (aqueles que negociam com mais dinheiro do que têm) perderem cerca de US$ 20 bilhões – o volume diário negociado de USDT nas corretoras locais somou R$ 139 milhões, o maior do mês.
O peso do IOF
Mas a alta na procura por esse tipo de cripto também vem aumentando em meio ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no Brasil. Em julho, após decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, a tarifa passou de 1,1% para 3,5% nas operações de câmbio. Houve, na verdade, a validação da maior parte do decreto presidencial que elevou as alíquotas do imposto, mas estava sendo contestado na Justiça.
A subida do IOF no câmbio chamou a atenção para as stablecoins, que estão livres de cobrança do imposto. Essas criptos podem ser usadas para, por exemplo, adquirir dólares indiretamente. É possível comprar aqui, usando reais, as stablecoins atreladas à moeda americana e depois converter em dólares lá fora.
Em aplicativos como o DolarApp, o usuário consegue fazer um PIX e converter reais para USDT ou USDC, a primeira e a segunda maiores cripto dólares do mercado. Não tem IOF. O spread cambial é de 0,5%.
Mas o grande diferencial é que o app dá um cartão de débito internacional, aceito em qualquer maquininha que opere com Mastercard nos Estados Unidos. Isso permite ao brasileiro gastar em dólar diretamente, sem pagar os 3,5% de IOF que incidem nas transações com cartões tradicionais.
Na prática, é uma forma de levar dólar digital no bolso – e usá-lo como dinheiro físico lá fora.
Como esses produtos não são considerados meios de câmbio na legislação atual – pelo menos por enquanto – conseguem escapar do imposto. E, claro, muita gente percebeu isso e começou a usar stablecoins para viagens e remessas no exterior, por exemplo.
“O decreto do IOF imposto pelo governo acabou funcionando como um empurrão para que até os mais céticos ou conservadores passassem a experimentar stablecoins pela primeira vez”, disse Hector Fardin, CFO da Avenia, emissora da stablecoin “brazuca” BRLA, atrelada ao real.
Mas você deve ter lido ali acima que essas cripto estão fora do radar do câmbio por enquanto, né? Pois é. Já existe um movimento do Banco Central (BC) para tentar enquadrá-las. No ano passado mesmo, o órgão abriu uma consulta pública sobre o tema.
Stablecoins e empresas
Para fechar a conta sobre o impulso das stablecoins de dólar no Brasil, há também a aproximação das empresas a esses ativos. Recentemente, a própria Visa soltou um relatório mostrando como essas criptos estão reformulando o mercado de crédito, por exemplo.
“Estamos vendo o Brasil entrar em uma nova fase muito mais madura no mercado de ativos digitais”, disse Bárbara Espir, country manager da Bitso no Brasil. “As empresas estão olhando para ativos como as stablecoins como uma ferramenta para otimizar operações, proteger capital e integrar novas soluções de pagamento”.
Segundo a executiva, esse é um movimento natural do mercado, já que a questão regulatória avança – ainda que lentamente – no país.
“A adoção por parte das empresas cria um círculo virtuoso de mais liquidez, segurança e confiança para novos investidores. Isso fortalece toda a infraestrutura financeira digital nacional e internacional”, falou.
Riscos das stablecoins
Em quase toda reportagem sobre stablecoins, o foco costuma estar nos benefícios dessas criptos. Mas é importante também falar dos riscos. O primeiro é a contraparte emissora da stablecoin.
“Na prática, uma stablecoin como a USDT é um ‘recebível’ de dólares fiduciários, e é essencial que o emissor tenha solvência e transparência para garantir a conversão entre USDT e USD”, disse Fardin.
No caso da USDT, por exemplo, a emissora é a Tether. Sempre vale verificar se a empresa publica relatórios de auditoria e mantém transparência sobre suas reservas – algo que já foi motivo de controvérsia no passado.
Outro ponto de atenção, segundo Fardin, é a irreversibilidade das transações. “Mais ainda que o PIX, uma transferência em blockchain enviada para o endereço errado é praticamente impossível de reverter”. Ou seja, se você enviou as criptos para uma carteira errada, não há um SAC para resolver a situacão.
Por fim, ele lembra que a facilidade do câmbio instantâneo também pode atrair maus agentes, que exploram o sistema para golpes e lavagem de dinheiro.
“Ainda assim, a tecnologia é positiva – cabe ao regulador e aos empreendedores construírem caminhos seguros e prósperos para que a população se beneficie plenamente dessa inovação”, finalizou.