Na costa leste do Brasil, um vasto estacionamento na Avenida Henry Ford está vazio. Trabalhadores em turnos ocupavam esses espaços, próximos a uma fábrica da Ford que cobre 1,8 milhas quadradas – área maior que o Central Park de Nova York. Em um dia recente, um carro de segurança solitário patrulha seu perímetro, o único sinal de vida.
Allison Barreto Sousa, técnico de manutenção da Ford há quase duas décadas, lembra quando a empresa decidiu, há dois anos, fechar a fábrica e toda a operação no Brasil. Ford fez uma pergunta final: Sousa poderia se juntar a uma equipe de 10 pessoas para realizar o equivalente industrial dos últimos ritos?
Eles desmontavam, peça por peça, o mesmo equipamento que antes instalavam e mantinham, para que pudessem ser embalados e despachados. Sousa iniciou o trabalho, mas as lembranças dos colegas inundaram sua mente. Ele simplesmente não conseguia.
“Quando me casei, estava na Ford. Quando meus filhos nasceram, eu estava na Ford – todas as minhas boas lembranças estão de alguma forma ligadas à Ford”, diz Sousa, agora com 39 anos. Mas então, “do nada, veio o silêncio. Pedi para não voltar.”
Allison Barreto Sousa, técnico de manutenção da Ford.
Hoje, Sousa espera que sim, não graças à Ford. A nova potência econômica da cidade é a China – e sua maior fabricante de veículos elétricos, a BYD Co. Essas iniciais significam “Build Your Dreams”, frase que reflete muito as esperanças de Sousa e centenas de seus ex-colegas de trabalho ociosos.
A BYD está encerrando negociações com a Ford para comprar a fábrica desativada em Camaçari, cerca de 30 milhas ao norte de Salvador, capital do estado da Bahia. (A Ford diz que as negociações continuam.) Quando a fábrica for inaugurada, conforme esperado, ainda este ano, será a maior operação de veículos elétricos da BYD fora da Ásia.
A ressurreição da antiga fábrica da Ford representa as grandes ambições industriais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, amplamente conhecido como Lula. Assim como o presidente dos EUA, Joe Biden, Lula sonha em estimular um renascimento da manufatura. Ambos os líderes estão ansiosos para fornecer empregos de colarinho azul que possam sustentar a vida da classe média, cumprindo as promessas de campanha.
Mas há uma diferença essencial – e, para os EUA, irritante: Biden pretende manter uma vantagem sobre a China em tecnologias-chave. Lula, um esquerdista que assumiu o cargo em janeiro, olha para a China como um benfeitor do país.
Os Estados Unidos há muito desempenham esse papel em mercados emergentes como o Brasil e agora estão ameaçados com uma humilhante perda de influência em todo o mundo. A China está fazendo investimentos relacionados a VEs no Chile e na Argentina, assim como no Brasil; construção de fundições e fábricas de baterias na Indonésia; e mineração de lítio na África.
Relação Brasil e China
As relações com a China chegaram a um ponto baixo sob o antecessor de Lula, o nacionalista de direita Jair Bolsonaro. Em março, apenas dois meses após a posse, Lula visitou o presidente chinês, Xi Jinping, em busca de uma distensão. Enquanto estava lá, ele pressionou pessoalmente o CEO da BYD, Wang Chuan-Fu, a reabrir a antiga fábrica da Ford. Lula considera Pequim capaz de ajudar de maneiras que Washington não pode ou não quer.
O Congresso dos Estados Unidos pode ser hostil à ajuda externa direta, de modo que o governo só pode estimular as empresas a investir por meio de reclamações e políticas fiscais e comerciais. A China mantém um controle rígido sobre as empresas privadas, exercendo controle para que possa alinhar mais facilmente suas decisões com as prioridades nacionais.
Xi prometeu a ajuda da China, assinando US$ 10 bilhões em promessas de investimento depois de se encontrar com Lula. As autoridades americanas tinham dúvidas sobre a atitude acrítica de Lula em relação a Xi. Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, foi enviada ao Brasil em maio para reparar laços desgastados.
No mês seguinte, Lula se reuniu com Stella Li, vice-presidente global da BYD. “Estamos superimpressionados com Lula”, disse Li depois. “Ele tem uma visão: ele realmente quer que a BYD traga inovação, tecnologia avançada aqui, para construir manufatura.” O Brasil “é o país em que confiamos e este é o governo em que confiamos”.
O Brasil tem muito a se recuperar. A indústria agora representa cerca de um quarto de seu produto interno bruto, abaixo de quase a metade em seu pico em 1985. Lytha Spíndola, chefe de desenvolvimento industrial e economia da Confederação Nacional da Indústria do Brasil, culpa um sistema tributário caótico e hostil e um sistema tributário pobre e caro a infraestrutura.
Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial e Inovação do Brasil, diz que o país não conseguiu se preparar para o futuro: “A Europa e os Estados Unidos se desindustrializaram, mas dominam essas complexas cadeias industriais, o que não é o caso do Brasil”.
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