O alumínio é algo ímpar. Você pode reciclar para sempre. Latinhas usadas produzem um alumínio tão puro quanto aquele que saiu da mina e passou por um longo processo de refino. E com uma vantagem sobre outros metais de reciclagem infinita: é extremamente mais barato usar sucata como matéria-prima.

E o Brasil se aproveita bem dessa característica. Para cada dez toneladas de alumínio que entram no mercado nacional, seis vieram de material reciclado – o dobro da média mundial. Em grande parte porque a indústria do alumínio daqui investiu pesado em plantas de reciclagem. Mas esse progresso está em risco. 

Para entender melhor o que se passa, vale observar primeiro por que a sucata é uma matéria-prima bem mais eficiente. 

95% menos energia       

Produzir alumínio a partir da mineração é um pesadelo energético. O que sai das minas é a bauxita, um material cheio de impurezas. Você refina a bauxita e fica com um dos componentes dela, a alumina. E aí começa a dor de cabeça. 

O alumínio lá dentro vem entrelaçado em moléculas de oxigênio, como se estivesse “enferrujado”. Para separar o joio do trigo, você precisa de uma corrente elétrica violenta. Tão violenta que a conta de luz responde por até 40% dos custos de produção – a CBA, uma das maiores produtoras do país, mantém 21 hidrelétricas próprias de modo a garantir o fornecimento, só para dar uma ideia.

sucata de alumínio
Sucata de alumínio prensada. Foto: ABAL

Quando a produção é a partir de sucata, a história é outra. O alumínio ali já passou por esse processo. Está livre, leve e solto. Derreteu, está novo. Fazer lingotes e chapas a partir de latinhas usadas, então, consome 95% menos energia do que produzir o mesmíssimo material a partir de alumina.  

E temos aí que a sucata de alumínio vale… Não exatamente ouro, mas dá para dizer que vale quase tanto quanto o alumínio acabado. Veja aqui: 

Se a alumina é uma commodity, uma mercadoria amplamente negociada nos mercados globais, por que a sucata, bem mais valiosa, não seria? Fato é que ela é uma commodity, lógico. 

E movimenta um mercado vibrante. Em 2023 (data dos dados consolidados mais recentes), a exportação de latinhas amassadas e afins envolveu 121 países e movimentou US$ 19,8 bilhões. Mais do que o comércio de alumina (US$ 17,1 bilhões) e muito mais que o de bauxita (US$ 10,3 bilhões). 

Já houve um tempo, no século passado, em que políticos nacionalistas defendiam a bauxita como orgulho nacional. Mas é isso: as latinhas usadas e afins passaram o minério para trás.

Sucata importada

Falou em exportação de matéria-prima, falou em Brasil. Mas quando o assunto é essa matéria-prima em especial, a sucata de alumínio, estamos para trás. Somos importadores líquidos; quer dizer, a quantidade que o Brasil importa é bem maior do que a que ele exporta. Aqui, os números de 2024: 

Mas se o alumínio é um material peculiar, como dissemos lá no início, o mercado de sucata também tem sua particularidade. Em países com uma boa indústria de transformação, como o nosso, não é ruim ser um importador líquido. O problema mesmo é a exportação.

A indústria nacional montou um parque robusto, capaz de reciclar mais de um milhão de toneladas por ano. É metade da produção nacional (nota: lá no início mencionamos 60%, mas esse fatia é a do consumo nacional, descontando a parte exportada).

Trata-se de um caso raro no país, no qual a estrutura fabril para lidar com um insumo cresceu mais rápido do que o suprimento do tal insumo. Foi um processo motivado pelo fechamento de plantas de produção de alumínio primário, o que chega das minas. Bombou-se aí o secundário, ou seja, aquele que é fruto de reciclagem.  

Mas isso criou um gap. O Brasil tem hoje mais plantas de reciclagem do que sucata. É por isso que somos importadores líquidos dessa commodity. A indústria da reciclagem precisa trazer sucata de fora para produzir seu alumínio.

A fuga das latinhas

Seria jogo jogado se não fosse uma outra situação. Como em qualquer mercado, não existe um equilíbrio perfeito na balança comercial. O Brasil produz muito mais petróleo do que consome. Mas também importa petróleo – já que trazer de fora pode ser o ideal para esta ou aquela refinaria de vez em quando. 

Com a sucata de alumínio é parecido, mas ao contrário: a produção das cooperativas de catadores de latas e sucateiros é menor do que o consumo interno. Só que mesmo assim há exportação. E ela está crescendo. Veja aqui:

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Trata-se de uma má notícia para a indústria nacional. A exportação rampante deixa as plantas de reciclagem com ainda menos matéria-prima. “Estamos vivendo um risco sistêmico para toda a cadeia. A sucata está saindo numa velocidade muito maior do que entra”, diz Janaina Donas, presidente da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL). “É a fuga de um recurso obviamente estratégico.”

E a tendência é a de que a sucata continue fugindo. Porque há dois fatores que fazem bombar a demanda internacional. 

Um é, como sempre, a China. O país do carro elétrico quer virar também o país da reciclagem de alumínio. A produção a partir de sucata consome 95% menos energia, certo? Junte isso a uma nação cuja matriz elétrica ainda é particularmente suja (60% carvão). Nesse caso, trocar a alumina (o mineral) pela sucata significa uma redução firme nas emissões de carbono – outro objetivo do governo de Xi Jinping. 

A meta deles é aumentar a capacidade de reciclagem de 22 milhões para 37 milhões de toneladas até 2028. Eles já importam na casa de 1 milhão – a capacidade de reciclagem do Brasil, só para lembrar. Esse número certamente vai crescer.

O outro fator é a tarifas dos EUA sobre o alumínio, de 50%. Essa é universal: vale para todos os países (com poucas exceções, como o Reino Unido). E traz uma pegadinha. A sucata de alumínio está fora do tarifaço. Para a maior parte dos países, fica na tarifa-Trump básica, de 10%.

Latas em processo de reciclagem. Foto: ABAL

Não é o caso do Brasil. Trump estabeleceu aquela tarifa extra de 40% para o nosso caso. Depois retirou do grosso dos produtos, mas não da sucata. Ainda assim, a diferença tarifária favorável à sucata para a maior parte do mundo aumenta a disputa por ela no mercado internacional. E estimula a exportação no Brasil também – se a Alemanha exportar mais latinhas para os EUA, por exemplo, abre-se mais mercado na Alemanha para a sucata brasileira. É assim que a banda do comércio toca, claro.

E os preços vão subindo no mercado internacional – o que dificulta as importações por aqui, e pode comprometer o futuro da produção de alumínio secundário. Desde junho deste ano, quando a tarifa americana para o alumínio primário foi a 50%, o preço da sucata no mercado internacional subiu 20%

Bom, se a fuga da melhor matéria-prima para o alumínio é um problema no Brasil, vale o mesmo para qualquer outro lugar com boa estrutura para reciclagem. É o caso da União Europeia. E ela já sentiu o golpe. Anunciou em novembro que vai impor alguma restrição às exportações de sucata de alumínio no continente – provavelmente via tarifa ou quota. E citou a distorção tarifária dos EUA o grande motivador da medida.

A ABAL, no Brasil, também entende que essa seria a melhor alternativa por aqui. A guerra comercial continua.