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A operadora do Oxxo no Brasil vem dando prejuízo. A expansão acelerada tem fôlego?

Grupo Nós, joint venture entre Femsa e Raízen, só queimou caixa desde que a aposta no “ó-quis-sô” começou

Oxxo confia em uma expansão acelerada
Oxxo confia em uma expansão acelerada (Ilustração João Brito)

Um Oxxo por dia e cada vez mais perto da sua casa. A estratégia agressiva – que está bem clara na cabeça de consumidores e investidores – já impactou o balanço do Grupo Nós, a joint venture entre Raízen e a mexicana Femsa, responsável pelas lojas no Brasil. Nos anos contábeis de 2022 e 2023, período que marcou a forte expansão da rede, a empresa operou com margem negativa e prejuízo líquido, apurou o InvestNews.

As demonstrações financeiras revelam que a operadora do Oxxo no Brasil vem queimando caixa para colocar de pé seu plano de crescimento. Depois de computar um lucro líquido de R$ 69,9 milhões em 2019-20, período em que cuidava apenas das lojas Shell Select, a empresa registrou prejuízo de R$ 165,7 milhões no exercício encerrado em março de 2023.

Como empresa de capital fechado, o Grupo Nós segue regras menos rígidas de divulgação de balanço. Mas os números se tornaram públicos em outubro do ano passado, quando a empresa realizou a emissão de R$ 300 milhões em Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI).

Na ocasião, a empresa apresentou seus três últimos balanços: o de 2020-21, 2021-22 e 2022-23 (o ano contábil da empresa começa em 1º de abril de um ano e termina em 31 de março do outro). O InvestNews pediu ao Grupo Nós os resultados de 2023-24, mas a empresa não respondeu.

Os números disponíveis nos balanços mostram que os investimentos (capex) anuais saltaram quase quatro vezes desde 2020, para R$ 188,9 milhões em 2023 – montante que ajudou a financiar 207 lojas naquele período, ou uma loja a cada 42 horas.

“[Os] Investimentos representam a principal linha de consumo de caixa, devido ao forte plano de expansão da companhia”, justificou o Grupo Nós, na apresentação. Sobre a queima de caixa, a companhia aponta que o consumo está “associado principalmente à curva de maturação das novas lojas e aos custos fixos que ainda não foram otimizados e diluídos.”

A dívida líquida do Grupo Nós até o primeiro trimestre de 2023 era de R$ 253,4 milhões e, desde então, a empresa captou pelo menos mais R$ 400 milhões no mercado de capitais – incluindo o CRI de R$ 300 milhões e notas comerciais no valor de R$ 100 milhões, emitidas em meados de abril deste ano.

Há fôlego para manter o crescimento nessas condições? Para o Grupo Nós, sim. Com sócios de peso, a operadora do Oxxo no Brasil disse ao InvestNews “que os resultados financeiros da rede estão em linha com o bussiness plan previsto e mantém sua estratégia de crescimento sustentável no país”.

O especialista em varejo Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, pondera que os números refletem a curva de aceleração do Oxxo no Brasil e que existe um período de maturação para que o negócio passe a ser rentável. “Muita coisa pode ter mudado neste um ano e meio, então precisamos ter cautela”, afirma. Vale lembrar que o Grupo Nós optou por não passar seus números mais atualizados.

O Grupo Nós explicou no prospecto da emissão do CRI, produzido para investidores, que sua estratégia de custeio passa por “financiamento com composição de capital dos acionistas e dívida para sustentar o crescimento”. Todas as dívidas são garantidas pela Raízen, uma das donas do grupo e um colosso do mercado de energia que lucrou R$ 1,1 bilhão no último ano.

“É um papel que só faz sentido pela ótica da Raízen”, diz um gestor de crédito que avaliou o CRI do Grupo Nós. “O ‘risco Oxxo’ é péssimo, mas nem se olha isso aqui porque o fiador é a Raízen.”

A joint venture que formou o Grupo Nós existe desde 2019. Ela é franqueadora também das mais de 1,5 mil lojas de conveniência Shell Select, operada pelos donos dos postos de combustível da rede.

Foi somente em 2020 que o Oxxo entrou no portfólio da companhia. De 17 lojas no primeiro ano de operação, o “ó-quis-sô” saltou para 525 unidades no fim deste primeiro semestre – um crescimento de 30 vezes. Todas ainda no Estado de São Paulo, em um raio de 150 km da capital. Mas a meta é ainda mais agressiva: a de chegar a 5 mil lojas Oxxo no Brasil nos próximos anos.

“Continuamos com um plano de expansão grande. Tá indo muito bem e vamos manter o ritmo de abrir uma loja por dia em 2024. O meme [de tudo virar Oxxo] vai continuar”, disse Ricardo Mussa, CEO da Raízen, em uma entrevista ao portal Uol no fim do ano passado.

Uma das características de expansão do Oxxo, a proximidade entre as lojas, é defendida pelo CEO da Raízen. “Quando colocamos uma loja próxima da outra, você diminui o custo de entrega e depende menos de estoque. Estamos na escala correta e está indo muito bem.”

“A estratégia deles é a estratégia correta para você escalar um negócio de proximidade sustentável. Você precisa de densidade, significa muitas lojas no território para diluir seus custos”, lembra Alberto Serrentino. “Esse negócio de proximidade só para em pé se tiver muita loja”.

Anticíclico

A estratégia do Oxxo no Brasil contrasta com o que redes tradicionais de varejo de alimentos passaram a fazer nos últimos anos. Enquanto o “ó-quis-sô” acelera em busca de uma expansão nacional, cada vez mais marcas tradicionais, como o GPA, dono do Pão de Açúcar, e o Carrefour vêm buscando concentrar suas operações em regiões mais rentáveis, como o Sudeste. Em contraponto, redes mais regionalizadas, como Muffato, Savegnago e Mateus, ganham terreno.

Já o perfil das lojas do Oxxo, de pequeno porte e com uma variedade de produtos restrita, é vista como questionável por especialistas do setor de varejo. Segundo um executivo com grande experiência nesse segmento, que prefere não ser identificado, o modelo adotado pelo Oxxo foi testado – e desaprovado – por outras redes, como foi o caso do Dia, que está em recuperação judicial. “São lojas sem uma proposta clara, que não garantem a conveniência que o consumidor procura”, diz.

Outro desafio importante para uma rede de lojas é a segurança. Tanto é que muitas lojas deixaram recentemente de funcionar no esquema 24 horas. O custo do seguro para as lojas nem sempre compensa, o que pode deixar a operação vulnerável em algumas regiões mais sucetíveis a assaltos. “E, como os contratos de locação são de longo prazo, fechar uma unidade não é uma decisão simples”, diz o especialista.

“Existem dois grandes problemas. Tem um custo de ocupação maior porque são pontos em áreas centrais e nobres e existe um custo operacional pesado por conta da logística, já que as lojas precisam ser abastecidas diariamente”, diz Serrentino, da Varese Retail.

De fato, os esforços dos grandes varejistas estão mais concentrados em lojas de atacarejo. É o caso de Assaí, Atacadão (a principal aposta do Carrefour) e Atakarejo (do Pátria Investimentos).

No nicho conhecido como “proximidade”, o popular mercadinho de bairro, o Oxxo tem o GPA, dono do Minuto Pão de Açúcar e Mini Extra, como principal concorrente. Em um momento em que a rede Dia passa pelo fechamento de lojas, Oxxo e Minuto Pão de Açúcar seguem abrindo unidades. De 51 lojas que o GPA abriu nos últimos 12 meses, 47 delas foram no formato proximidade, sendo 39 Minuto Pão de Açúcar e 8 Mini Extra. 

Diante dos desafios, o CEO da Raízen se apoia na experiência de sua sócia Femsa, que cuida de mais de 23 mil lojas na América Latina (México,, Chile, Peru e Colômbia) e obteve 11,8 bilhões de pesos mexicanos (R$ 3,38 bilhões) de lucro operacional (Ebitda) no segundo trimestre deste ano. “Temos um sócio que conhece o negócio como ninguém e que enfrentou as mesmas dificuldades no México”, acrescentou Mussa.

A operadora do Oxxo no Brasil defende seu modelo de crescimento. “O mercado brasileiro apresenta alto potencial para o setor de lojas de proximidade”, escreveu o Grupo Nós, aos investidores. “Os primeiros anos de experiência confirmam o sucesso da proposta de valor do grupo de entregar conveniência, agilidade e rapidez, qualidades que resultam em um item valioso: o tempo.”

Colaborou Lucinda Pinto

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