Ajudar a salvar o mundo da Covid não foi suficiente. Dois anos depois de chegar aos US$ 100 bilhões de faturamento e de se tornar a primeira farmacêutica a fabricar em escala global uma vacina de RNA mensageiro, a Pfizer acumula apostas frustradas, vê concorrentes muito à frente na corrida pelas drogas de emagrecimento e tenta desesperadamente cortar custos para controlar sua enorme dívida.
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Fragilizada, a empresa de 175 anos tornou-se alvo de investidores acostumados a chacoalhar as estruturas das empresas nas quais fazem seus aportes. Neste caso, por US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,62 bilhões, ou 0,6% do valor de mercado da Pfizer), o fundo ativista Starboard Value conquistou o espaço para pressionar o CEO Albert Bourla e questionar suas decisões recentes.
As ações da Pfizer valem hoje praticamente metade do que valiam no fim de 2021, quando o preço de cada papel chegou na casa dos US$ 60. O desempenho das ações está muito abaixo do S&P 500 e de concorrentes como Eli Lilly e Novo Nordisk, que protagonizam a popularização de remédios para o emagrecimento.
Quem tem medo da Starboard?
Fundo ou investidor ativista não tem nada a ver com ativismo político ou ambiental – pode até acontecer, mas não costuma ser o caso. A estratégia da Starboard é “investir em empresas profundamente desvalorizadas e se envolver com os times de gestão e com o conselho de diretores para destravar valor em benefício dos acionistas”, resume o site da gestora.
Em outras palavras, a Starboard faz aportes em empresas que passam por dificuldades e usa a influência advinda dessa participação para fazer uma “faxina” interna na empresa. O objetivo – surpresa! – é fazer o valor da ação subir e realizar o lucro da operação.
Embora menos comum por aqui, essa estratégia também existe no Brasil. Gestoras como a Tarpon Capital e a Esh Capital ganharam as manchetes por seus investimentos ativistas em empresas como a BRF e a Gafisa, respectivamente.
Mas a estratégia da Starboard para a Pfizer ainda permanece um mistério. O endividamento da farmacêutica disparou de US$ 36,2 bilhões em março de 2023 para US$ 69,9 bilhões um ano depois, fruto de investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e de uma agressiva política de aquisições em marcha desde 2020 – Arena, Biohaven, Global Blood e Seagen foram parar no carrinho de compras da Pfizer no período, sendo esta última uma aquisição que custou US$ 43 bilhões.
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O endividamento limita o espaço para alguma grande compra capaz de redefinir o futuro da empresa. Endividar-se ainda mais simplesmente seria muito perigoso.
O playbook de gestoras como a Starboard costuma incluir a degola do CEO. Albert Bourla não é exatamente o queridinho dos investidores da Pfizer – afinal, as ações da farmacêutica estão caindo 30% nos últimos dois anos. Mas a big pharma tem suas idiossincrasias: fazer de Bourla um bode expiatório agora pode não surtir efeito no longo prazo, uma vez que o desenvolvimento de novos produtos leva tempo.
Além disso, o alto endividamento da Pfizer significa que a empresa conta com seu próprio departamento de P&D para expandir o portfólio – uma demorada obra da qual Bourla é o arquiteto.
Aumentar a venda dos produtos também não é nada fácil. Novos medicamentos levam anos para chegar às gôndolas das farmácias ou às listas de compras de governos. Que tal cortar custos? Sempre é possível, mas a Pfizer já está fazendo isso: seus dois programas de redução de gastos atualmente em andamento miram uma economia de US$ 4 bilhões e já levaram a centenas de demissões.
Emagrecimento
O que a Starboard pode fazer, então? Entre as hipóteses levantadas por especialistas estão desinvestimentos de certos produtos hospitalares, venda da participação da Pfizer na empresa Haleon – dona de marcas como Sensodyne, Centrum e Advil – e talvez algumas pequenas aquisições ou acordos para tornar a Pfizer um player mais relevante no mercado de medicamentos voltados para o emagrecimento rápido. Esta, aliás, parece uma estratégia incontornável para a empresa, com ou sem pressão da Starboard.
Um Ozempic para chamar de seu
Os medicamentos que geram emagrecimento rápido viraram uma mina de ouro para as poucas farmacêuticas que até aqui conseguiram apresentar estes produtos aos consumidores, mas chegar lá não é nada trivial: o Ozempic e o Wegovy demandaram da dinamarquesa Novo Nordisk US$ 68 bilhões em P&D ao longo dos últimos 30 anos.
Valeu a pena: a companhia deve faturar US$ 65 bilhões só em 2024 com as vendas desses dois remédios.
Outro expoente desse mercado é a americana Eli Lilly, dona dos emagrecedores Mounjaro e do Zepbound, que ajudaram as ações da farmacêutica a sair do patamar dos US$ 363 no começo de 2023 até o pico de US$ 950 em julho – o nível atual é de US$ 915 por ação da empresa.
A ascensão dos concorrentes aumentou a pressão dos investidores sobre a Pfizer, que viu as vendas de seus revolucionários imunizantes contra a Covid-19 despencarem depois do fim da pandemia. A companhia aposta no emagrecedor Danuglipron para fazer frente ao Ozempic e similares, com o diferencial de oferecer aos consumidores um tratamento feito por meio de pílulas em vez das canetas injetáveis vendidas pelas outras farmacêuticas.
Mas a realidade está sendo dura com a Pfizer. O Daniglipron ainda está na fase de testes e uma versão de duas doses diárias foi descontinuada pela empresa no fim do ano passado após pacientes apresentarem altas taxas de náuseas e vômitos como efeito colateral. Um outro teste de tratamento oral para obesos foi abandonado depois que exames atestaram potenciais danos aos fígados dos pacientes.
O Daniglipron continua sendo a esperança da Pfizer para fincar sua bandeira em um mercado que se estima nos centenas de bilhões de dólares para os próximos anos, mas a pesquisa só deverá ser concluída no primeiro trimestre do ano que vem – e isso se tudo acontecer conforme o planejado. A companhia não divulgou previsão de quando o medicamento poderá chegar às farmácias.
A pressão para viabilizar logo uma droga que engorde a linha final do balanço da Pfizer fica ainda mais evidente diante das apostas frustradas da empresa. As vendas de vacinas contra a Covid-19 foram superestimadas – um problema que também aconteceu na Moderna e que ajudou a AstraZeneca a abandonar este mercado. O CEO da Pfizer, Albert Bourla, até pediu desculpas publicamente pelas projeções frustradas.
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Quebra de patentes
A Pfizer tem ainda um desafio adicional. Produtos que hoje respondem por boa parte do faturamento da empresa terão suas patentes quebradas até 2030. Esse iminente aumento de concorrência para medicamentos como o anticoagulante Eliquis e o Xeljanz, usado no tratamento da artrite, representa mais um grande desafio para a receita da Pfizer nos próximos anos.
Ninguém pode tirar da Pfizer o papel histórico desempenhado contra a Covid. Mas o desafio de agora é tão grande quanto aquele. Conseguirá a Pfizer manter-se competitiva no concorrido mercado das gigantes farmacêuticas?
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