A Oncoclínicas, um dos maiores grupos especializados em diagnósticos e tratamentos de câncer do país, vive um momento crítico. Com uma dívida bilionária e receita em queda, a empresa corre contra o tempo para encontrar formas de reforçar seu caixa – o que envolve venda de ativos e, quem sabe, um novo aumento de capital. Enquanto isso, um de seus sócios, o Banco Master, dono de 15% da companhia, enfrenta problemas ainda maiores e, por isso, tenta vender a sua participação no negócio.

O estado geral da Oncoclínicas hoje em nada se parece com o diagnóstico feito por analistas em 2021, quando a estreia da empresa na B3 entusiasmou investidores. Na operação, a empresa levantou R$ 3,6 bilhões. E a tese que convenceu o mercado que tratava-se de um bom negócio tem a ver o envelhecimento da população e na evolução dos métodos oncológicos no país: as pessoas vão viver mais, portanto a incidência de casos oncológicos vai aumentar, e existe tratamento a ser oferecido para esses pacientes. O Instituto Nacional de Câncer (INCA), por exemplo, estimou a descoberta de 704 mil casos de câncer por ano.

Essa tese de negócio, na verdade, não se perdeu: ela ainda é considerada bastante consistente. Mas a sua execução, nem tanto. Desde o IPO, a ação da Oncoclínicas se desvalorizou cerca de 79%. E essa derrocada, na visão de analistas, reflete uma aposta de crescimento rápido demais. É que para executar esse plano de expansão, a empresa se endividou: segundo o balanço do segundo trimestre deste ano, a dívida líquida da empresa está hoje em R$ 3,7 bilhões, o equivalente a 4,4 vezes o Ebitda. Um ano antes, esse indicador de alavancagem era bem menor, de 2,2 vezes.

Essa dívida custa caro: boa parte dela é pós-fixada, ou seja, é corrigida com base no CDI. E esse nível de alavancagem colocou sob ameaça um covenant da empresa – compromisso estabelecido junto aos credores e que, se for descumprido, abre caminho para que a dívida seja executada. Esse covenant define que a alavancagem esteja em 3,5 vezes o Ebitda no quarto trimestre deste ano, 0,9 ponto abaixo do nível atual, portanto.

Ajustes em curso

Para lidar com esse aperto, a companhia está vendendo ativos. A Oncoclínicas vendeu o Hospital de Oncologia do Méier, no Rio de Janeiro, para a Hapvida, por R$ 5,3 milhões. Também foi firmado um acordo por uma fatia de 84% no Complexo Hospital Uberlândia (UMC), em Minas Gerais, para Alexandre de Menezes Rodrigues, um dos fundadores do empreendimento, por R$ 160 milhões. Há ainda um processo de venda bem encaminhado para uma unidade de Belo Horizonte.

Mas analistas dizem que, além do endividamento, um ponto que gera muita incerteza é a indefinição sobre quem irá, de fato, comandar a companhia após o rearranjo na base acionária que começa a se desenhar. Neste momento, a leitura é de que não há clareza sobre o que o grupo de controle pensa para a companhia.

O que já está claro é que o banco Master – que ancorou o aumento de capital da Oncoclínicas em 2024 e ficou com 15% de participação da empresa – colocou sua fatia à venda. O nome do comprador é ansiosamente aguardado por analistas e pode ter impacto direto sobre o valor da ação. Um dos interessados é a J&F, de Joesley Batista.

Ao mesmo tempo, a Oncoclínicas contratou o banco de investimento Rothschild para a condução do processo de aumento de capital na empresa. O processo envolverá majoritariamente a conversão de debêntures em equity, mas não está descartada a possibilidade de aportes por parte dos acionistas. Como os títulos de dívida não são conversíveis caberá aos debenturistas a prerrogativa de participar ou não da rodada.

O processo deve culminar com a diminuição da participação do Goldman Sachs e do Master na operação, já que ambos não sinalizaram a intenção de participar do aumento de capital.

A Latache, detentora de 14,5% da empresa, segundo o InvestNews apurou, também estuda formas para crescer seu percentual na companhia. O fundo Josephina III, da gestora Centaurus tem 31,83% e é o principal acionista.

Quem está hoje à frente do negócio é o médico oncologista Bruno Ferrari, principal mente por trás da fundação da empresa, que surgiu em uma pequena clínica de BH com nove profissionais e 10 cadeiras de tratamento. Com 8% da companhia, Ferrari é o CEO da empresa e também o vice-presidente do conselho de administração.

Apetite demais

A história da Oncoclínicas tem muitas semelhanças com as de tantas outras empresas que aproveitaram a onda positiva dos juros excessivamente baixos que se viu durante a pandemia. A ampla oferta de crédito e o grande apetite dos investidores por novas ações fez muita gente colocar o pé no acelerador. E, meses depois, trombar no muro da taxa de juros de dois dígitos.

No caso da Oncoclínicas, foi assim: com o caixa turbinado pelo IPO e, posteriormente, por emissão de dívida, a companhia deu fôlego à uma intensa agenda de aquisições. A empresa, que inicialmente era especializada em atendimentos outpatient (ambulatoriais), ampliou seu escopo de atuação e passou a investir em hospitais gerais.

Em 2023, a empresa anunciou o objetivo de ter 10 unidades de seu Cancer Center até 2026. Na época, eram seis projetos em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte. O modelo, em parceria com o instituto Dana-Farber, soava inovador, mas demandava mais contato com as operadoras de planos de saúde. Uma de suas principais parceiras para o negócio era a Unimed, que colapsou em 2024.

Bruno Ferrari, CEO da Oncoclínicas (Foto: Divulgação)
Bruno Ferrari, CEO da Oncoclínicas (Foto: Divulgação)

Outra distração citada recorrentemente por quem acompanha a rede oncológica é o investimento em uma operação premium em Riad, na Arábia Saudita. A empreitada é fruto de uma joint venture com o grupo Al Faisaliah. O investimento previsto para essa unidade, pela Oncoclínicas, é de entre US$ 10 a 20 milhões para os próximos 3 anos, considerando a construção e a maturação da operação.

“A Oncoclínicas, para ter cada vez mais fluxo e pacientes e médicos na mão, investiu também na alta complexidade e criou Cancer Center em todas as praças. Mas, para viabilizar isso, você precisa entrar mais na parceria com as operadoras. A empresa foi com tudo e se alavancou demais. Poderia ter ficado no negócio de outpatient, que funciona bem, e deixado as cirurgias de alta complexidade com outros players”, analisa Daniel Utsch, gestor da Nero Capital.

Outro ponto negativo para a empresa nos últimos anos foi o aumento da concorrência por parte de grandes grupos, como Fleury e Rede D’Or, que também começaram a investir de forma mais direta no segmento oncológico. E também o problema da inadimplência por parte das operadoras de saúde, um golpe forte na companhia.

Depois da forte expansão, a companhia está retrocedendo. Segundo fontes, a ideia é deixar de concorrer mais “um mar aberto”, com hospitais como Rede D’Or, Mater Dei e voltar às origens: se dedicar exclusivamente à oncologia. O desafio, portanto, é encarar ajustes profundos para não se tornar mais um caso de promessa do mercado que não resistiu ao peso da execução.

Procurada, a Oncoclínicas não atendeu ao pedido de entrevista.