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Além de despesas judiciais e multas, caso Hapvida eleva riscos de danos a imagem

Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo InvestNews; empresa enfrenta acusação de descumprir ordens judiciais.

Não é só questão de números. Pelo menos é assim que analistas vêm enxergando a queda da ação de Hapvida Notredame Intermédica (HAPV3) diante de notícias de que a empresa estaria descumprindo decisões da Justiça em favor de seus beneficiários de forma deliberada. Fazendo contas, alguns deles apontam que o prejuízo financeiro de uma eventual derrota judicial não justifica tamanha desvalorização na bolsa. Enquanto isso, outros apontam para o risco de danos à reputação da empresa. 

Hapvida Notredame Intermédica (Foto: Divulgação)
Hapvida Notredame Intermédica (Foto: Divulgação)

A Hapvida, maior operadora de planos de saúde do Brasil, nega as acusações de que é alvo. Diante da forte oscilação de HAPV3, a empresa divulgou um comunicado na última sexta-feira (19) afirmando que “não possui qualquer política ou diretriz para o descumprimento sistemático ou ordenado de decisões judiciais”. A resposta veio após o jornal O Estado de S.Paulo publicar na véspera histórias de pacientes que tiveram liminares descumpridas, com um deles chegando a falecer. 

Os casos, de fato, se acumulam. Em dois deles, aos quais o InvestNews teve acesso, duas crianças com autismo tiveram a continuidade de seus tratamentos negada pelo plano. Liminares determinaram que os atendimentos seguissem de forma integral, mas não foram cumpridas. Em um dos casos, houve bloqueio de mais de R$ 67 mil em contas da Hapvida, segundo a Tapai Advogados, que defende as famílias de beneficiários. Os casos ainda aguardam julgamento final. 

“Nós não estamos falando de uma situação de bem material. Nós estamos falando da vida e da saúde das pessoas.”

Giselle Tapai, especialista em direito da saúde e sócia da Tapai Advogados.

Os juízes, nesses casos, tiveram inclusive que bloquear as contas. Isso significa dizer que eles não estão simplesmente usando dos subterfúgios da lei, eles estão extrapolando, ou seja, não estão cumprindo as ordens judiciais”, defende Tapai.

Nas redes sociais, outro caso ganhou notoriedade. A jornalista e influenciadora Míriam Castro, conhecida como mikannn, relatou que o tratamento de câncer de sua mãe está sendo negado pelo plano de saúde, mesmo com decisões favoráveis na Justiça. “A gente tem tudo a nosso favor na Justiça e eles continuam negando o tratamento”, afirmou.

Impactos para a empresa

Diversos relatos culminaram numa denúncia do Ministério Público em São Paulo. A Hapvida informou que já teve acesso aos autos e “irá contribuir e prestar ativamente os esclarecimentos necessários”. Enquanto o caso avança na Justiça, no mercado financeiro a repercussão é negativa, com HAPV3 acumulando queda de mais de 10% desde a véspera da publicação da primeira notícia e a perda de valor de mercado se acumulando em mais de R$ 3 bilhões, segundo Einar Rivero, CEO da Elos Ayta Consultoria. 

Para Rafael Barros e Raphael Elage, analistas da XP Investimentos, a queda é exagerada. Em relatório divulgado no domingo (21), eles destacaram que “de acordo com as demonstrações financeiras da Hapvida, os processos cíveis com risco provável ou possível somam R$ 2,3 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão está diretamente relacionado aos beneficiários”. 

“Em suma, consideramos a queda como incompatível com a perda potencial e, portanto, reiteramos a nossa recomendação de compra para a ação em meio a essa desvalorização”.

Rafael Barros e Raphael Elage, analistas da XP Investimentos.

Mas nem todos fazem essa análise. “Não concordo com o argumento de que o volume financeiro em processos é menor do que a perda de valor de mercado”, diz, por exemplo, o economista Felipe Pontes, sócio da L4 Capital. “Porque podem aparecer mais coisas, inclusive perda de receitas de clientes com receio de acontecer com eles o mesmo que aconteceu nos eventos que geraram os processos.”

Caritsa Moreira, analista da VG Research, também chama a atenção para os efeitos incertos sobre os números da empresa. “Tem custos judiciais e, além disso, a questão da sinistralidade uma vez que ela tenha que atender a esse número de beneficiários, o que obviamente causaria mais danos financeiros.”

Mas, além do impacto sobre os próximos balanços, outro fator é visto com preocupação. “As notícias negativas sobre a Hapvida podem prejudicar sua imagem e dificultar a atração de novos clientes. Isso pode levar a uma redução do valor de mercado da empresa”, considera Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital.

Também mencionando impactos negativos sobre a reputação da Hapvida, Yvon Gaillard, economista e CEO da Dootax, empresa de contabilidade, acrescenta outro risco no radar. “O descumprimento dessas decisões judiciais pela Hapvida NotreDame pode resultar em sanções, incluindo a perda da autorização para comercializar planos de saúde, entre outros desdobramentos”, avalia.

Pano de fundo 

Gaillard comenta que “os custos para os planos de saúde aumentaram consideravelmente, refletindo em uma inflação global notável”. Assim, “os planos estão sendo mais criteriosos na aprovação de tratamentos e cirurgias eletivas, gerando atritos com os segurados”.

Esse foi o contexto em que surgiram as denúncias sobre Hapvida, explica ele. Mas especialistas apontam que os últimos balanços já davam sinais de problemas, além de outras notícias no radar do mercado. 

“Se olharmos o histórico da empresa, que vem entregando resultados ruins, tem mais as recorrentes reclamações de médicos e pacientes por redução de custos, que reduzem a qualidade dos serviços prestados”

Felipe Pontes, sócio da L4 Capital

No terceiro trimestre de 2023, o lucro ajustado de Hapvida caiu mais de 61% sobre o ano anterior, para R$ 261 milhões.

Moreira, da VG, acrescenta que a atual crise em torno da empresa se soma “aos diversos problemas que ela vem trazendo, inclusive quebra de confiança com as sinergias que eram esperadas com a fusão com a NotreDame e que não estão vindo conforme esperado”. 

O que diz a Hapvida

Em comunicado ao mercado, a empresa mencionou estudos de associações do setor que “reconhecem os impactos da crescente judicialização e suas complexidades”, e diz que “esse expediente vem sendo utilizado antes mesmo de uma conciliação por meio dos canais oferecidos pelas operadoras”. 

Segundo a operadora de saúde, em muitas situações, os pedidos envolvem fraudes e solicitações de coberturas não abrangidas por lei e/ou o respectivo contrato, inclusive sem o devido cumprimento do período de carência. “Esse tipo de judicialização gera um prejuízo sistêmico, refletindo, por exemplo, em reajustes nos planos de saúde de todos os beneficiários, fruto de um descolamento entre a inflação médica e a inflação ampla”, informou em comunicado. 

Ainda de acordo com a Hapvida, “enquanto agente do setor de saúde, a companhia exerce o seu natural direito de defesa, dentro dos limites e regras processuais previstas”.

“É certo que, no curso do recebimento e operacionalização do cumprimento de algumas decisões, podem ocorrer intercorrências que, embora indesejadas, estão dentro da atividade constante de aperfeiçoamento da sua operação”

Hapvida, em comunicado

Em outro trecho do comunicado, a empresa diz que, sobre eventuais notificações de multas ou bloqueios judiciais, “toma as providências cabíveis, seja exercendo seu direito de defesa, seja fazendo os pagamentos ou provisões contábeis devidas seguindo rigorosamente as normas contábeis aplicáveis, publicamente disponíveis em suas demonstrações financeiras”. 

Mas como fica a ação?

Especialistas ouvidos pelo InvestNews recomendam cautela ao investidor até que a situação da empresa fique mais clara em relação às denúncias. 

Vírgilio Lage, especialista da Valor Investimentos, diz que “por enquanto, a recomendação é aguardar”. “É também não fazer preço médio, não comprar mais ações, é realmente esperar o desenrolar dessas decisões judiciais para poder ver o que que vai impactar no longo prazo.”

De forma semelhante, Pedro Canto, analista da CM Capital, diz que “é muito cedo para fazer uma análise mais concreta se o caso deve afetar as operações e o balanço da companhia”, mas acrescenta que tudo isso “com certeza no curto prazo gera bastante ruído”. 

“Na dúvida, investidor não gosta de risco, e aí paira uma força um pouco mais vendedora, então as ações devem, sim, ficar pressionadas no curto prazo.”

Pedro Canto, analista da CM Capital.

Mateus Haag, analista da Guide, escreveu em relatório que “o comunicado da Hapvida não trouxe nenhum fato novo nem estimativas dos valores envolvidos, tanto em termos de multas quanto custo dos tratamentos que estariam sendo negados”. 

“Acreditamos que as ações da Hapvida devem continuar pressionadas no curto prazo enquanto estes pontos não forem esclarecidos.”

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