Para entender a luta da Argentina para ser competitiva, considere a situação do navio-tanque Hansa Oslo. Recém-carregado com barris de óleo de soja nas margens do rio Paraná, a embarcação zarpou em novembro passado com destino à Índia — apenas para parar bruscamente 12 quilômetros rio abaixo, preso em uma espessa camada de lodo.
A cena era familiar. Os navios no rio Paraná encalham, em média, uma vez por mês, bloqueando o movimentado canal de navegação por horas ou até dias. Os engarrafamentos no rio são mais do que apenas um incômodo: eles estão ameaçando a própria viabilidade da indústria de exportação agrícola da Argentina, estimada em cerca de US$ 30 bilhões por ano, bem como a visão do presidente Javier Milei de impulsionar sua economia de uma vez por todas.
É por isso que Milei está agindo para dar à hidrovia negligenciada sua primeira grande modernização em quase duas décadas. Mas o tempo para corrigir o problema está terminando, especialmente se a Argentina quiser impedir o Brasil — onde a infraestrutura marítima se expande rapidamente — de consolidar sua liderança como potência agrícola da América Latina.
“O Brasil está nos deixando para trás e, se atrasarmos, inevitavelmente perderemos ainda mais competitividade”, disse Antonio Sanchez, especialista argentino em infraestrutura de transporte na empresa de consultoria Talasonomica, sediada no Panamá.
Porta de entrada
O rio Paraná é a porta de entrada da Argentina para os mercados globais. Cerca de 80% de todas as safras do país são carregadas em suas margens. Contudo, o canal de transporte não é aprofundado desde 2006 — mesmo que o comércio global de soja tenha dobrado no mesmo período.
As águas rasas significam que os exportadores na Argentina não podem carregar um navio Panamax típico, como no rival Brasil. Em vez disso, os navios que saem do rio Paraná têm de ancorar novamente em portos do Atlântico para abastecer suas cargas, seja em Bahía Blanca, na Argentina, ou em Santos ou Paranaguá, no Brasil. Os desvios custam centenas de milhões de dólares todos os anos.
A eficiência de ter uma rota fluvial de transporte passando bem ao lado de uma área agrícola principal estimulou as maiores tradings agrícolas do mundo, como a Bunge Global, a Cargill, a Louis Dreyfus e a Viterra, a construir um vasto complexo industrial para processar soja na cidade ribeirinha de Rosário. O complexo, que começou a funcionar na década de 1990, fez da Argentina o exportador número 1 de farelo de soja, uma ração para gado, e óleo de soja, usado em alimentos e biocombustíveis.
Agora, o país está tentando recuperar a vantagem logística que atraiu as empresas desde o início.
“Domar o rio caudaloso para criar a hidrovia foi uma das maiores histórias de sucesso na história náutica”, disse Sergio Borelli, que navegou pelo rio Paraná por anos como oficial de navegação. “Mas em 10 a 15 anos percebemos que tínhamos muitos navios e um canal cujas dimensões eram muito pequenas para o que queríamos fazer. Ele precisa ser mais profundo, mais largo, mais longo.”
Novo acordo de dragagem
Por isso, foi um alívio no final do ano passado, quando o governo de Milei publicou os termos de um novo acordo de dragagem, incluindo uma disposição fundamental para aprofundar a hidrovia para 39 pés (11,9 metros), de 36 pés em cinco anos, com a possibilidade de cavar ainda mais fundo — embora não esteja claro qual impacto a escavação de tanto lodo terá nas áreas úmidas preservadas.
Isso se encaixa com a promessa de Milei de liberar todo o potencial dos agricultores em apuros da Argentina. O país depende deles para receita em moeda forte, que é vital para alcançar crescimento econômico sustentado.
Entretanto, os agricultores têm sido prejudicados há muito tempo pelo hábito do governo de taxar e interferir nas exportações — tudo isso enquanto observam as expansões portuárias no Brasil acompanharem o seu notável boom de safra.
As empresas de dragagem têm até esta quarta-feira (12) para enviar ofertas para o contrato, com empresas da Bélgica e Dinamarca já demonstrando interesse. No passado recente, a chinesa CCCC Shanghai Dredging também manifestou interesse, mas autoridades do governo de Milei excluíram da licitação entidades estatais.
A licitação também ocorre depois que o contrato para manter a hidrovia foi autorizado a expirar há alguns anos, o que gerou ineficiências administrativas pelas quais os transportadores estão pagando com aumentos recentes nos pedágios fluviais.