Quando Vitor Mallmann foi convidado para assumir a cadeira de diretor de uma companhia que tinha acabado de entrar em recuperação judicial, ele não hesitou em aceitar o convite.
“Muita gente me perguntou: você veio pra quê? Eu falei: ‘vai ser extremamente desafiador, mas quero botar esse troféu na minha prateleira'”.
Era a primeira vez que o executivo – que assumiu simultaneamente a cadeira de diretor financeiro, de relação com investidores e de recursos humanos – trabalharia em uma companhia em recuperação judicial.
No caso, a empresa era a fabricante de telhas Eternit (ETER3), que entrou com seu pedido de RJ em março de 2018, com uma dívida de R$ 250 milhões.
O cenário problemático se instaurou em 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o amianto em território nacional. O minério, altamente cancerígeno, era, até então, a principal matéria-prima usada pela Eternit para fabricar telhas – segmento responsável por boa parte da receita da empresa. Sem saída, a companhia teve de recalcular a rota.
O fato é que encontrar executivos dispostos a fazer essa transição e encarar desafios como o enfrentado pela Eternit não é trivial.
É natural que profissionais recusem logo de cara oportunidades em companhias que estão passando por processos mais turbulentos.
Mas há um lado meio cheio no copo das empresas em RJ. Para atrair profissionais, muitas vezes a saída é apelar para remunerações mais agressivas, com bonificações atreladas aos resultados.
“Quando o movimento é bem sucedido, os executivos acabam tendo um diferencial de remuneração, se comparado ao mercado”, diz Fernando Guedes, sócio-sênior do Grupo Hub, empresa de Rh que atua no recrutamento de executivos.
Guedes exemplifica. Um CFO ou CEO em situação normal de mercado pode receber de bônus o equivalente 100% a 150% do salário anual. Numa companhia em RJ, o executivo que reperfila dívidas, negocia reduções de juros e otimiza débitos fiscais pode receber – na modalidade de sucess fee (precificação por resultados) – um bônus que pode chegar a quatro vezes o salário anual (300%).
Claro que não é nada fácil passar por desafios como esse – muita gente pula fora do barco ao longo do processo. Na Eternit, por exemplo, 164 pessoas pediram demissão (10% do quadro na época), quando a companhia entrou em RJ.
Paulo Almeida, professor da Fundação Dom Cabral, e um dos coordenadores do curso “Liderando na Crise”, desenvolvido na pandemia, explica que existem duas boas práticas recomendadas em momentos turbulentos.
“Primeiro, não se deve esconder a situação real dos seus liderados. Segundo, se deve comunicar o tempo todo”.
Paulo Almeida, professor da Fundação Dom Cabral
O professor orienta encarar a realidade de peito aberto, nada de mentiras ou informações pela metade. “Pressupõe uma comunicação clara, transparente e a todo instante para evitar, como falam as boas práticas, rumores e fofocas”, diz.
Na prática
19 de março de 2018, quase meia noite, a Eternit comunica ao mercado, em fato relevante, que havia ajuizado seu pedido de recuperação judicial.
No dia seguinte, a diretoria reúne os líderes em uma conferência para falar sobre o momento difícil que estava por vir. Os líderes, por sua vez, seriam os responsáveis por cascatear a mensagem para as equipes. O tom era positivo, mas, ao mesmo tempo, exista um cuidado para não ser fantasioso.
A empresa sabia que o caminho era mostrar às equipes o que seria feito na prática para mudar o rumo daquela história.
“Normalmente, a gente imagina o pedido de recuperação judicial como aquela etapa pré-terminal. A falência. É a UTI que o sujeito entra e não sai. No nosso caso, não foi assim. A gente procurou explicar a razão pela qual o plano de recuperação estava sendo feito e um plano de voo”.
O plano de recuperação ainda não estava pronto, mas à medida que o documento ia sendo construído – até ser aprovado pelos credores, em junho de 2019 – Mallmann conta que a empresa buscava repassar aos funcionários cada etapa do processo.
O plano passava por vender ativos não operacionais, como imóveis acumulados ao longo de 80 anos de existência da companhia. A empresa também apostou no fibrocimento, um material composto por cimento, água e fibras de reforço, para substituir o amianto.
Com os planos saindo do papel, a Eternit voltou a fazer investimentos. Em 2021, a empresa anunciou a compra da concorrente Confibra e em março deste ano inaugurou em Caucaia, no Ceará, uma fábrica de telhas de fibrocimento.
Vitor Mallman, o diretor financeiro, resume: “Nos últimos três anos, a empresa investiu R$ 500 milhões aproximadamente. Para uma empresa que entrou em RJ com uma dívida de R$ 250 milhões, diria que foi um projeto bem sucedido”.
Liderança presente
Paulo Almeida, da Fundação Dom Cabral, explica que a presença da liderança num processo de RJ é extremamente necessária.
A varejista Americanas, que entrou em recuperação judicial em janeiro do ano passado, depois do episódio da fraude contábil de R$ 20 bilhões, busca fazer a lição de casa.
Com a chegada no novo presidente Leonardo Coelho, em fevereiro de 2023, a companhia implementou novos programas, como o “Papo com o CEO” – prática que permite aos funcionários agendar horário para falar com o executivo, em encontros com pequenos grupos. “Estas pessoas têm um poder de contribuição real para o futuro do negócio”, conta Ana Paula Martins, gerente de RH da Americanas.
A varejista também criou um núcleo ligado ao RH com uma equipe de psicólogos e assistentes sociais para ajudar na recuperação da autoestima nesse momento de indefinição sobre o futuro.
“Nos valemos de uma sensação enraizada de pertencimento. Temos uma gama enorme de funcionários com mais de dez anos de empresa, que estão aqui desde o primeiro emprego e se desenvolveram profissionalmente”.
Como meio de engajar os funcionários, a companhia aderiu ao Programa Empresa Cidadã e incluiu novos benefícios, como Gympass. Também estruturou trilhas para a formação de lideranças e uma política de remuneração mais alinhada às práticas de mercado.
No caso de Americanas, ainda é cedo para saber se o plantio de hoje dará frutos lá na frente.
Na Eternit, o resultado está mais claro. A empresa quitou as dívidas com credores e pediu, em outubro do ano passado, o fim de sua recuperação judicial.
Parece que Vitor Mallmann vai conseguir colocar o troféu na prateleira.
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