O Brasil está ficando pequeno para os bolsos dos estrangeiros. E mais arriscado. Essa combinação ajuda a explicar porque os gringos estão ausentes de boa parte das operações de compra ou fusão de empresas – os M&As – nos últimos meses.
Basta puxar pela memória. O mercado de fusões e aquisições no Brasil, bastante aquecido, vem sendo liderado por empresas ou fundos de private equity brasileiros. Foi assim nas operações que uniram Cobasi e Petz, Arezzo e Soma, Minerva e Marfrig.
As estatísticas confirmam essa tendência. Segundo levantamento feito pela KPMG, o número de operações de M&A mostrou um crescimento importante nos últimos 20 anos: foram 227 negócios em 2002 e atingiram o pico histórico de 1.728 em 2022. No ano passado, firmaram-se 1.503 deals. Mas a presença gringa nesses negócios caiu sensivelmente, de 63%, há 20 anos, para 34% no ano passado. Em média, uma retração de 13% ao ano, segundo o estudo.
É claro que ainda há muitos estrangeiros indo às compras. Basta lembrar que a Nestlé pagou cerca de R$ 3 bilhões pela Kopenhagen, que a Visa comprou a Pismo por US$ 1 bilhão e que a petroleira árabe Adnoc está oferecendo R$ 10,5 bilhões pela Braskem. Mas, como dá para notar, são operações que envolvem cifras mais altas.
Uma das explicações para o encolhimento da fatia abocanhada pelo estrangeiro nas empresas brasileiras pode ser a desvalorização do real, diz Denis Morante, sócio do escritório de assessoria de fusões e aquisições Fortezza Partners.
O câmbio perto de R$ 5,20 faz com que o valor das companhias fique mais baixo para quem faz a conta em dólares. Por exemplo: um cheque de R$ 700 milhões – o que configura uma operação de médio porte – equivale a US$ 134,6 milhões, cifra eventualmente baixa demais para alguém de fora, diante da energia que um processo de aquisição exige.
Faz sentido, portanto, que companhias como Cobasi e Petz se unam. É uma forma de essas empresas ganharem tamanho e relevância. E até mesmo de se posicionarem para outros movimentos no mercado de capitais, seja um M&A com uma companhia de fora ainda maior ou até uma oferta de ações.
Mas não é só uma questão do tamanho das companhias. O Brasil cresceu pouco nos últimos dez anos, diz Pedro Mesquita, sócio fundador da EXA Capital. E isso tirou da mesa o que o mercado chama de “beta”, o ganho adicional na comparação com outros ativos, atrás do qual o investidor global vai atrás quando busca um mercado emergente. “Ninguém ganhou dinheiro no Brasil nos últimos dez anos”, afirma.
A presença dos fundos de private equity também ficou menor nesse período. Segundo um levantamento feito pelo Insper em parceria com a Spectra Capital, em 2013, havia 54 fundos ativos no Brasil. Desses, 15 eram estrangeiros. Em 2022, último dado disponível, esse grupo caiu para 29, sendo dez de fora do país. Quando se olha para o total de recursos captados, o volume vindo de estrangeiros na década de 90 chegava a 88%, fatia reduzida para 35% na última década, mostra o estudo.
Outro aspecto importante é o capital disponível para alocação, chamado de dry powder, que era de R$ 27 bilhões (US$ 7,7 bilhões) em 2016 e caiu para R$ 17,5 bilhões (US$ 3,3 bilhões) em 2022. Desses montantes, a fatia vinda de gestores estrangeiros caiu de 12% para 2% no período.
Com a retração da indústria de private equity, a expectativa é que haja mais oportunidades de investimentos do que dinheiro disponível para financiá-los. Isso pode dar vantagem aos gestores que continuam ativos e pagar valores mais baixos na entrada, conclui o estudo. “Faz sentido esperar que a safra atual de private equity tenha excelentes retornos, numa repetição do que observamos nos investimentos realizados durante a fase nuclear da indústria de PE (1998-2002), quando havia apenas alguns gestores de ativos.”
Com o mundo crescendo mais que o Brasil e os países desenvolvidos estimulando a economia com juros muito baixos, o investidor global acabou preferindo ativos em mercados como o americano e o europeu, diz Fabio Mourão, head de M&A do UBS BB.
É como se esses países tivessem drenado boa parte do dinheiro destinado ao investimento em equities para dentro de casa.
Mas o executivo diz que, no fim das contas, o Brasil tende a sair em vantagem quando esse jogo virar. “A gente pode não gostar do [ritmo de] crescimento do Brasil, mas ele é mais estável em termos de capacidade de financiamento que o de outros emergentes.”, diz. “Se a tendência global começar a se reverter, o Brasil volta para o radar”.
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