Pergunta do Show do Milhão: a empresa que mais produz etanol no Brasil usa qual matéria prima? 

A) Cana-de-açúcar

B) Milho

Você está certo disso? Vamos à resposta: alternativa B. Porque a maior produtora de etanol em 2024 não foi a Raízen, que cultiva 13 mil km² de cana (o equivalente a metade do Estado do Sergipe). Foi a Inpasa, que faz etanol de milho: 3,7 bilhões de litros – à frente dos 3,1 bilhões da Raízen.

É isso. Enquanto a produção de etanol de cana está praticamente travada no mesmo patamar há 10 anos, a de etanol de milho cresce, desde 2020, a uma taxa média assombrosa: 33% ao ano.

Ou seja, quase todo o crescimento do mais brasileiro dos biocombustíveis vem hoje do etanol de milho, que até outro dia era sinônimo de álcool produzido nos EUA. 

Agora a história é outra. Essa variante já responde por 20% do etanol brasileiro – 7,5 bilhões de litros, de um total de 37 bilhões. E deve passar de 30% nos próximos 10 anos, pelas projeções da EPE

Vamos olhar essa indústria um pouco mais de perto. A Inpasa tem um bom tempo de rodagem. Começou com o etanol de milho em 2007, mas no Paraguai. O nome da empresa, inclusive, é um acrônimo para Industria Paraguaya de Alcoholes S.A. Só que o dono é brasileiro: José Odvar Lopes, o “Seu Zé”. 

Em 2019, a Inpasa virou uma indústria brasileira também: inaugurou sua primeira usina em Sinop (MT), grande produtora de milho. E no ano passado Seu Zé destronou Binho – como os amigos chamam Rubens Ometto, o controlador da Raízen.

A Inpasa teve uma receita líquida de R$ 13,6 bilhões em 2024; 23% maior na comparação anual. Ela não divulga o lucro. A Moody’s, porém, estima que a margem líquida ali seja de 18%. Isso sugere um lucro de R$ 2,4 bilhões no ano passado.   

E ela tem aproveitado o dinheiro para expandir em outra área: a da distribuição de combustíveis. De acordo com o Brazil Journal, José Odvar Lopes chegou a comprar R$ 30 milhões por dia em ações da Vibra e já detém, por meio de um fundo da família, 3% da dona dos postos BR; uma fração avaliada em R$ 800 milhões.  

A Inpasa não foi a primeira do país, de qualquer forma, a dedicar-se ao etanol de milho. O pioneirismo aí cabe à Usimat. Em 2012, ela montou uma “usina flex” na cidade de Campos de Júlio (MT), capaz de processar cana e milho – alternando as safras de um e de outro.

Já a primeira companhia 100% dedicada aos sabugos veio um pouco mais tarde, em 2017. Trata-se da FS, controlada pela americana Summit – o nome completo dela também é em outra língua: Fueling Sustainability (basicamente, “abastecendo a sustentabilidade”).

Ela estreou com uma usina em Lucas do Rio Verde (MT), tirando 280 milhões de litros. Em 2020, bateu a marca de 1 bilhão. Hoje, são 2,4 bilhões. Isso faz da FS a terceira maior produtora de etanol do país (seja de cana, seja de milho), atrás apenas da Inpasa e da Raízen. No ano passado, ela viu seu faturamento saltar 32%, a R$ 10,7 bilhões. De lucro, R$ 937 milhões. 

A FS tem três usinas; a Inpasa Brasil cinco. Todas ficam no Centro-Oeste, próximas dos fornecedores de matéria prima. Para dar uma ideia melhor da dimensão desse par: elas produzem 80% do etanol de milho no Brasil.

Não à toa, elas entraram na mira da Petrobras.

Petrobras: back to the game

A estatal anunciou no final do ano passado que pretende voltar ao mercado de produção de etanol, que ela tinha abandonado na década passada. Ela tinha joint ventures com sucro-alcooleiras, incluindo a São Martinho, onde também contava com uma participação acionária relevante, de 6,5%. Mas saiu em 2018, para se concentrar em óleo e gás.

Agora ela quer voltar ao jogo. Magda Chambriard, a presidente, disse no início do ano que não via sentido em deixar de lado o combustível que concorre com a gasolina. A ideia é voltar ao sistema de joint ventures, com participação minoritária em empresas de etanol. Mas quais empresas? 

A Petrobras ainda não abriu, mas a Bloomberg noticiou na última quarta-feira (10), citando fontes próximas do caso, que as negociações estão avançadas justamente com a Inpasa e a FS, as gigantes do etanol de milho.

E por que milho? O Brasil, afinal, é o país da cana desde o século 16. Somos o segundo maior produtor de etanol (atrás dos EUA) e o primeiro, de longe, de açúcar.

Num país tão canavieiro, então, como é que o etanol de milho cresceu tanto em meia dúzia de anos? E o que teria encantado a Petrobras nessa seara? É o que vamos ver agora. 

Até 40% mais barato

Como você leu aqui no intertítulo: é bem mais barato produzir etanol de milho. Primeiro, porque a oferta nacional aumentou.

A área de terras para o cultivo de milho cresceu 15% desde o fim da década passada. Nesse mesmo intervalo, a produção subiu 25%. Um aumento razoável na produtividade. Ao mesmo tempo, os preços internacionais do milho passam por uma baixa. Nos últimos três anos, a queda é de 35%.

As usinas compram milho dos produtores. Com mais matéria prima no mercado, a preços menores, o custo delas tem caído. Na safra 2024/2025, a produção de etanol de milho custou R$ 1,88 por litro, de acordo com um relatório do BTG, contra R$ 2,36 do etanol de cana. Uma economia de 20%.

E o resto? Aí que vem o pulo do gato. A fabricação do etanol de milho gera um subproduto valioso, o DDG – sigla em inglês para “grãos secos de destilaria”, que é vendido como ração. 

Vale ver como a mágica acontece. Produzir etanol é igual a produzir uísque, pelo menos nos primeiros passos. Você mói os grãos de milho e mistura com água. Então coloca um levedura ali – um fungo, que “come” o açúcar do milho. Feita a “digestão”, o fungo libera gás e álcool.

O que fica é uma espécie de cerveja – um líquido gasoso com baixo teor de álcool. Mas não é cerveja que você quer. O próximo passo é ferver essa mistura. O etanol evapora primeiro, então o vapor que sai é rico em álcool. Ele vai por tubos até uma serpentina fria, onde vira líquido de novo. A alquimia está feita: o milho virou álcool. 

O que sobra é um líquido cheio de milho moído sem o açúcar, sem o amido. Você seca essa sopa, e o que tem na mão é um farelo rico em proteína (com pelo menos 30%, contra 8% do milho original). Por isso o DDG é valioso como ração animal. Tanto que um dos clientes da FS é a BRF, que usa o grão seco de destilaria para alimentar as aves e suínos da unidade que tem em Lucas do Rio Verde.   

Na transformação da cana em álcool você não tem um subproduto assim. Como a planta é puro amido, o que sobra ali não serve como ração. Na transformação de milho, fica o DDG – e mais outro subproduto, o óleo de milho, que serve para fazer biodiesel.

E o fato é que a venda do DDG e do óleo de milho fazem com que o custo de produção do etanol de milho fique até 40% menor na comparação com o etanol de cana.   

A simbiose com a soja

Outra vantagem do etanol de milho é a simbiose com a maior cultura do país: a de soja.   

No Centro-Oeste, você planta soja na primavera (setembro/outubro) e colhe no verão (janeiro/fevereiro). São pouco mais de 100 dias. Mas não adianta plantar de novo em março. Essa safra pegaria o inverno, com menos horas de luz solar, e a planta não se desenvolveria a contento.

A saída é ou deixar a terra em repouso ou plantar alguma outra cultura, amiga do outono/inverno. É justamente o caso do milho, que não se incomoda com a luminosidade menor dessa época. Se houver demanda para milho, então, vale a pena aproveitar a janela da soja e produzir, como dizem no agro, o “milho-safrinha”.  

O etanol de milho, com seu crescimento veloz, garante essa demanda. E temos aí um círculo virtuoso: com mais usinas, há mais incentivo para que o oceano de áreas de plantação de soja no país produza milho no inverno. São 24 usinas no país hoje. Elas já consomem 15% da produção brasileira de milho – sendo que um terço volta para a cadeia de produção de alimentos, na forma de DDG.   

Nada disso significa que o etanol de cana vá acabar. A demanda é intensa. Não é só o álcool combustível, você sabe. A gasolina comum já levava 27% de etanol, por determinação legal. A partir de agosto, passou para 30%. E é possível que, no futuro, pule para 35%. E 80% da produção de etanol segue dependendo dos canaviais. 

Mas o crescimento tende a vir do etanol de milho mesmo, por conta do preço de produção mais baixo. E também porque as sucroalcooleiras não têm esse nome à toa, claro. Elas também usam a cana para produzir açúcar – commodity da qual o Brasil representa metade das exportações globais.

Na década passada, entre as safras de 2011 e 2019, a proporção média das usinas de cana ficou em 44,4% açúcar X 55,6% etanol – com base nos dados da Unica, uma entidade representativa do setor. Entre as de 2020 e de 2025, a proporção açucareira aumentou: 48,8% X 51,2%. Ou seja: a “concorrência interna” com o açúcar tem ficado mais acirrada. 

Como a Petrobras não trabalha com açúcar, é natural o interesse dela pelo etanol de milho – algo que praticamente não existia no Brasil quando a estatal saiu do setor de álcool.

Agora não apenas existe. Já é uma peça fundamental no portfólio brasileiro energia limpa.