O pedido de recuperação judicial da The Body Shop no Reino Unido, feito na semana passada, ilustra as adversidades enfrentadas pelas empresas de produtos de beleza. A disputa se dá não apenas no segmento de produtos veganos sustentáveis, mas também em meio à exigência dos consumidores por cosméticos não testados em animais.
Vale lembrar que as matérias-primas de origem animal são amplamente utilizadas na indústria de cosméticos para fabricar produtos e fragrâncias de uso pessoal. Aliás, a marca, fundada em 1976 pela ativista dos direitos animais Anita Roddick, tornou-se popular na Grã-Bretanha no nicho cruelty-free (livre de crueldade) e dali espalhou-se para a Europa.
A proposta era ganhar dinheiro e fazer o bem, ao mesmo tempo. Porém, o problema é justamente conciliar um modelo de negócios lucrativo e com melhorias operacionais, tornando o crescimento também sustentável em termos financeiros. Ou seja, manter o status de marca defensora do chamado capitalismo ético.
Grosso modo, o conceito pode ser definido como a possibilidade concreta de fazer desenvolvimento sustentável, conforme explica o professor Ricardo Abramovay. Segundo o especialista em ciência ambiental, trata-se da “boa prática de políticas de comando e controle”, ao transformar as relações sociais e possibilitar novas configurações econômicas.
Desafio hercúleo
Porém, não se trata de uma empreitada simples. Ainda mais quando a empresa pertence a uma private equity, como era o caso da The Body Shop. Além de proprietária, a Aurelis também havia se tornado uma grande credora, depois de ter adquirido o negócio da Natura, em novembro de 2023.
Aliás, a brasileira havia colocado a The Body Shop à venda apenas seis anos depois de ter sido comprada da L’Oréal por 880 milhões de libras, em 2017. Em três meses, sob nova direção, a rede britânica decretou falência das operações. Das quase 200 lojas no Reino Unido, o famoso estabelecimento na Oxford Street, em Londres, será fechado.
Segundo as agências internacionais, a The Body Shop não conseguiu acompanhar as exigências do consumidor por cosméticos e produtos de cuidados pessoais alinhados aos valores veganos, em meio à concorrência crescente de rivais mais capazes de atingir o público jovem, em especial através do comércio eletrônico.
Ético e vegano
Trata-se de uma tendência que não se limita apenas à alimentação. Segundo a Vegan Business, plataforma focada em negócios plant-based, o mercado vegano está se tornando um setor em rápido crescimento, impulsionado pelo aumento da conscientização sobre os impactos ambientais, éticos e de saúde associados aos produtos convencionais.
“Os consumidores estão buscando alternativas que sejam livres de ingredientes de origem animal, bem como de testes em animais. Isso tem levado as empresas a reformularem as composições de seus produtos e a desenvolverem novos itens que atendam a essas demandas”, afirma a Vegan Business, em seu blog.
Algumas marcas de sucesso já estão atentas a essa mudança de hábito de consumo. No fim do ano passado, o grupo brasileiro O Boticário captou R$ 2 bilhões em debêntures atreladas às metas ESG – sigla em inglês para governança socioambiental – tendo como objetivo fazer com que 100% do portfólio de produtos seja de origem vegana até 2026.
Além de marcas tradicionais, empresas veganas independentes, como Simple Organic, Herbia e Cativa Natureza, têm surgido e ganhado destaque nesse mercado ao posicionar-se como alternativas éticas e sustentáveis, compartilhando informações sobre a origem de seus ingredientes, as práticas de produção e as políticas de testagem.
Essa cultura de sustentabilidade nas empresas com objetivo de reduzir os impactos da produção no meio ambiente impõe desafios de ordem global. Para a pesquisadora Samyra Crespo, ex-vice-presidente do Conselho do Greenpeace, os mecanismos de mercado podem contribuir com maior rapidez, escala e eficiência a essa transição na sociedade.
A precificação é um ponto crucial, explica a gestora de projetos ESG, Mariana Brunelli. Para ela, a criação de valor dos produtos, alinhando a produção ao bem-estar das pessoas e da sociedade, ao mesmo tempo em que preserva o ecossistema é o maior desafio atual. “E isso depende da atuação conjunta de empresas, governo e consumidores”, conclui.
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