A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu reduzir os pagamentos bilionários que as transmissoras de energia recebem anualmente referentes a uma indenização que remonta à intervenção do governo no setor elétrico em 2012. A agência determinou o corte de R$ 1,4 bilhão ao ano de 2025 a 2028.
Essa compensação, reavaliada pela Aneel, foi acertada há oito anos como forma de ressarcir as transmissoras por perdas em investimentos feitos, mas não amortizados, antes de 2012. Esses valores são contabilizados nos balanços como receita pelas companhias responsáveis por construir e administrar a infraestrutura que leva a energia dos produtores aos pontos de distribuição.
Com a reavaliação dos pagamentos, a Eletrobras será a principal impactada. A companhia terá de realizar um ajuste no balanço do terceiro trimestre.
A Eletrobras informou por meio de fato relevante que essa revisão vai impactar negativamente o Ebitda (o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), um indicador que mede o lucro operacional. Segundo cálculos do grupo, a redução será de cerca de R$ 3,4 bilhões no Ebitda do segundo trimestre de 2025.
Quem paga esses valores destinados à indenização, na verdade, são os consumidores e as geradoras de energia. A cobrança é feita por meio de uma taxa embutida nas contas de luz e pelo recolhimento da parcela diretamente com as companhias do segmento de geração. A redução definida pela agência reguladora, na prática, reduz o custo da energia para os consumidores.
A decisão da Aneel tem como pano de fundo um cabo de guerra entre as transmissoras, de um lado, e os grandes consumidores com apoio das companhias de geração e dos representantes da autogeração. No total, a diminuição vai alcançar R$ 5,6 bilhões no custo da transmissão de julho de 2025 a julho de 2028.
Herança de 2012
O mecanismo criado para fazer esse ressarcimento se chama Receita da Rede Básica do Sistema Existente (RBSE). Trata-se de um instrumento remanescente de uma as maiores intervenções do governo no setor elétrico, em 2012. A MP 579, convertida em lei em 2013, editada na época impôs mudanças que impactam as geradoras e transmissoras de energia até hoje.
Os valores compensatórios destinados às transmissoras são revisados a cada cinco anos pela Aneel. Os pagamento começaram em 2017 e se estendem até 2028. Nos próximos quatro anos, as transmissoras vão receber R$ 5,5 bilhões por ano, após reavaliação da Aneel. Antes da redução, as empresas iriam receber R$ 6,9 bilhões anuais.
Intervenção traumática
A MP 579 teve como motivação gerar uma queda do custo de eletricidade para os consumidores, como forma de impulsionar a economia. Essa diminuição, que de início alcançou 20% em média, ocorreu com a redução forçada de encargos como contrapartida da renovação antecipada de concessões. Mas a intervenção gerou diversas consequências negativas:
💰 1. Problemas financeiros para empresas do setor
- Várias empresas tiveram perdas substanciais porque a renovação antecipada veio acompanhada de novas tarifas mais baixas e indenizações menores do que o valor esperado pelas concessionárias.
- A Eletrobras foi uma das empresas mais afetadas, registrando prejuízos bilionários após a aplicação da MP.
📉 2. Redução de investimentos e insegurança jurídica
- As empresas ficaram receosas quanto à imprevisibilidade regulatória, diminuindo investimentos no setor.
- A percepção de intervenção regulatória gerou cautela em investidores nacionais e internacionais.
📈 3. Aumento das tarifas no médio e longo prazo
- Após um período inicial de redução, as tarifas voltaram a subir, devido ao uso intensivo de termelétricas, além do aumento dos encargos setoriais.
- O custo inicial baixo não foi sustentável e acabou resultando em reajustes expressivos nos anos seguintes que superaram os ganhos iniciais.
⚠️ 4. Déficit energético e uso das termelétricas
- A queda de receita desincentivou investimentos na manutenção e expansão da capacidade hidrelétrica.
- A consequência foi uma maior dependência das termelétricas, que são mais caras e ambientalmente mais prejudiciais.
📊 5. Endividamento e crise financeira das distribuidoras
- Muitas distribuidoras tiveram que absorver custos adicionais, elevando o endividamento, que resultou em desequilíbrios financeiros significativos.
🔄 6. Ajustes posteriores do governo
- Após a crise que se instalou no setor elétrico pós-MP 579, houve diversas ações regulatórias posteriores, como empréstimos bancários ao setor e revisão tarifária extraordinária para equilibrar as contas das empresas.