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Embraer sobe 715% em 4 anos, quase tanto quanto a Nvidia. Entenda as razões

Alta foi mais forte que as da Apple, da Microsoft, da Tesla… Veja as razões por trás da decolagem

Quem colocou R$ 10 mil em ações da Embraer há quatro anos está hoje com R$ 81 mil. Alta de 715% – mesmo contando o tombo de -5% na segunda (16).  

Trata-se de um patamar comparável ao da Nvidia, que subiu 860% nesse mesmo intervalo e se tornou o maior símbolo global de valorização estapafúrdia.

Temos aí uma decolagem bem mais vertical que a de outras ações que passaram por altas históricas nesta década. A Tesla, por exemplo, cravou 325%. A Apple, 181%.

O Ibovespa? Ficou em 43%. Por isso que estamos comparando o fenômeno com as big techs gringas, não com os ativos nacionais. Aqui:

Essa comparação parte de outubro de 2020, quando a Embraer amargou a menor cotação de sua história (R$ 6,03). Agora, está na casa dos R$ 49. Daí os 715%.

Claro, a pandemia teve sua contribuição aí. Ao segurar basicamente todos os aviões comerciais do mundo no chão, “aterrados”, a Covid deixou as fabricantes de aeronaves sem clientes. Em meio ao pânico do mercado, vieram desvalorização excessivas – que geraram altas intensas quando as coisas voltaram ao normal. 

Mas o caso da Embraer é completamente fora do normal. Boeing e Airbus dominam o mercado global de aviação, certo? Certo. Só que a alta da Airbus nesse mesmo recorte de tempo foi de 111% – boa, mas nada comparável à da brasileira. A alta da Boeing? Pior que a do Ibovespa. Quem colocou US$ 10 mil nas ações dela está hoje com US$ 10,5 mil. 5% em quatro anos. Andou de lado.

LEIA MAIS: Embraer: chegou a hora de um ‘tripólio’ com a Boeing e a Airbus? 

Mais: a alta da Embraer segue em andamento. Ela é a ação do Ibovespa que mais subiu em 2024 (120%). Desde janeiro de 2023, são 240%. 

O mercado de ações é irracional por natureza, diria o Nobel de Economia Robert Shiller. Mas quem irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração? Vamos às razões, então. 

Antes, porém, uma pausa para contextualizar melhor quem não é tão familiarizado com o mercado de aviação. Se esse não for o seu caso, pode pular para o próximo intertítulo 😉  

Boeing, Airbus, Embraer: o contexto

A venda de aviões comerciais responde por 35% do faturamento da Embraer. Depois vêm a aviação executiva, com 27%, e a militar, com 11% – a área de serviços e suporte responde pelos 27% restantes. Ou seja: a aviação comercial é o coração da Empresa. E a Embraer é a terceira maior do mundo na área.

Só que Airbus e Boeing, a primeira e a segunda, jogam em outra liga. Formam um duopólio que domina mais de 90% do mercado. Basicamente todo avião a jato que você vê num aeroporto saiu de uma fábrica da Airbus ou da Boeing. O best seller da fabricante europeia é o A320 (que domina a frota da Latam). E o mais vendido da Boeing é o 737 (todos os da Gol são dessa família). Trata-se de aeronaves que transportam mais ou menos 200 passageiros. 

LEIA MAIS: O Airbus A220 deveria ser o avião do futuro, mas ele mal consegue sair do chão

A Embraer opera em outro nicho: o dos jatos regionais, que levam menos gente (de 76 a 146, dependendo do modelo) por distâncias menores (até 4,8 mil km). Eles não têm autonomia para voos intercontinentais, mas são ótimos para trechos relativamente curtos e que não têm uma demanda tão grande. 

Por exemplo: sai muito mais barato para uma companhia aérea levar 100 passageiros de São Paulo para Curitiba num Embraer lotado do que num A320 com metade dos assentos vazios. O gasto de combustível é bem menor no avião regional. 

No Brasil, só a Azul usa jatos da Embraer, os E-Jets  – são aqueles com dois assentos de cada lado, em vez de três. Mas os aviões da empresa de São José dos Campos (SP) estão em todos os continentes: voam por 80 companhias aéreas, de 55 países. O best seller global é o menor avião comercial do catálogo deles, o E-175 (76 a 88 passageiros). 

Embraer E175 da Hop, a linha aérea regional da Air France France. Foto: Getty Images

Fato é que a Embraer domina o mercado global de jatos regionais. São 1.600 E-Jets em operação planeta afora (a maior parte nos EUA), contra 356 de seu maior rival. Com a Boeing, não há concorrência direta, já que a americana não fabrica aeronaves dessa categoria. O avião que disputa mercado com os E-Jets é da Airbus, o A220. A fabricante europeia vende esse modelo desde 2018. 

E ele sempre foi uma pedra no sapato da Embraer. Tem autonomia para voar entre EUA e Europa (6,3 mil km) e leva um pouco mais de gente (até 160). Temos aí, então, uma aeronave mais versátil: econômica o bastante para voos curtos, mas com capacidade para trechos longos. Dá mais possibilidades de escolha para as companhias aéreas.

Tanto que elas encomendaram 912 unidades até agora. Como 356 já foram entregues, temos aí um backlog (aeronaves a serem produzidas) de 556 – boa parte de cias aéreas dos EUA, que caíram de amores pela aeronave por conta da autonomia fora da curva. 

Na Embraer a história é bem diferente. Além do E175, ela produz outros dois modelos hoje, o E190-E2 e o E195-E2 – mais parrudinhos, são eles que concorrem diretamente com o A220.  

Embraer E195-E2 da Binter Canarias, cia aérea da Espanha. Foto: Getty Images

Mas as vendas são bem menores. Os dois, juntos, formam a “série E2”, a geração mais nova de jatos da Embraer. E ela tem um backlog de apenas 203 unidades, menos da metade do A220. Dos EUA, que sempre foram mercado cativo das gerações anteriores dos aviões da Embraer, não veio encomenda alguma.   

Só que essa maré está virando – e ela ajuda a explicar a alta dos papeis da brasileira.   

O soluço do A220

A Embraer recebeu 20 encomendas de aeronaves da série E2 em 2024 – todas da Mexicana de Aviación (mais sobre ela adiante). A Airbus? -2 pedidos de A220s. Exato: menos dois. Isso significa que o número de cancelamentos supera o de novas encomendas em 2024 – a Embraer não registrou desistência.

O responsável pelo inferno astral do A220 é o motor, fabricado pela americana Pratt & Whitney. Como mostra uma reportagem do Wall Street Journal, a variante PW1500G, que equipa a aeronave da Airbus, sofre com problemas de confiabilidade. 

Airbus A220 da Swiss. Foto: Getty Images

Pelo “manual do proprietário”, eles deveriam parar para a primeira manutenção depois de 20 mil voos. A P&W reduziu a janela para 5 mil voos; e algumas unidades tiveram de ir para a oficina depois de 600. De acordo com a Cirium, uma companhia de análises do mercado aeronáutico, 17% dos A220s estavam aterrados em junho (ou seja, parados há pelo menos 30 dias para manutenção, que leva tempo – e deixa as cias aéreas sem uma fonte de renda).

Essa dor de cabeça para a concorrência não começou ontem. Vem desde o início de 2023. Certamente não é por acaso que o período coincide com uma alta rampante nos papeis da Embraer, de 240%. 

Isso não significa, porém, que a questão dos motores não possa contaminar a fabricante brasileira. A Embraer também usa motores Pratt & Whitney na série E2, ainda que outra variedade: a PW1900G. “Somos menos afetados, mas não estamos imunes”, disse o escocês Martyn Holmes, Chief Commercial Officer da Embraer, à Reuters no início deste ano. De fato, imunidade não há: pelo monitoramento da Cirium, 8% dos E2 estavam aterrados em junho. Ainda assim, uma proporção menor que a dos A220.

O gargalo do duopólio

Outra questão que ajuda a Embraer: Airbus e Boeing estão engargaladas. Não conseguem produzir o tanto de aviões que já estavam encomendados.

O problema começa pela Boeing. A companhia tem um backlog de 6.184 aeronaves. Em 2023, só conseguiu produzir 528 (bem abaixo de 2018, o ano recorde, em que fizeram 806). Nesse ritmo, levariam 11,7 anos para entregar todas as aeronaves já encomendadas.

E o tal do ritmo está diminuindo. Em janeiro, um 737 da Alaska Airways perdeu um painel de fuselagem em pleno voo, por falhas de fabricação. As autoridades americanas, então, apertaram o cerco de fiscalização na linha de montagem da Boeing – restringindo para 38 ao mês a quantidade máxima de 737’s que podem sair das fábricas. O avião responde por 77% do backlog da Boeing.

Com isso, ela desistiu de estabelecer uma meta de produção para este ano. Analistas da Forecast International, uma consultoria especializada no mercado de aviação, estimam que ela deva cair para 489 aeronaves. 

Os problemas da ali vêm de longe. Começaram com aquelas duas quedas do 737 MAX, em outubro de 2018 e março de 2019, que mataram 346 pessoas. A desconfiança sempre renovada com a geração mais recente do modelo da Boeing tem gerado há anos mais encomendas pelo concorrente direto, o A320.

A Airbus foi aceitando os pedidos, e hoje está com a agenda lotada. Soma um backlog monstruoso, de 8.585 aeronaves. Pelo nível de produção atual (735 aeronaves em 2023), ela levaria os mesmos 11,7 anos da Boeing para entregar tudo. A europeia até espera um aumento de produção – para 770 em 2024. Mas é é pouco: 5%.

E o resultado são atrasos nas entregas. Eles chegam a um ano em relação aos prazos estabelecidos em contrato. 

Na Embraer a situação é bem diferente. O backlog está em 382 aeronaves comerciais. E a produção do ano passado ficou em 64. Seriam, então, só 5,9 anos para desovar tudo. Na real, menos: o objetivo para 2024 é elevar a produção para algo entre 72 e 80. Um acréscimo de, no mínimo, 12,5%.

Isso elimina, ou pelo menos reduz ferozmente, os atrasos – o que faz uma grande diferença. “Os problemas que a indústria tem [hoje] favoreceram empresas como a nossa, que têm conseguido entregar os aviões no tempo”, diz Guilherme Paiva, diretor de Relações com Investidores da Embraer. Ele cita a encomenda da Mexicana de Aviación como exemplo. A companhia operava apenas aviões da Boeing – agora decidiu apostar na série E2, mesmo se tratando de uma aeronave menor.

Em meio a tudo isso, existe a expectativa de que a paixão das companhias aéreas pelo A220, o concorrente direto, ao menos arrefeça – e abra-se espaço para a série E2, principalmente nos EUA.

A Embraer fez 55 anos em 2024. Os próximos 55 começam num bom momento. 

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