“Deu chabu logo no começo, mas não foi comigo”, contou Felipe* ao InvestNews. Depois de quase seis anos em uma conhecida empresa brasileira, ele entendeu que era o momento da famosa “pivotada” na carreira. Apostou que seu futuro profissional estava em uma grande companhia chinesa, cujo escritório em São Paulo vivia dias de expansão.
Numa troca de mensagens com um colega chinês, um funcionário do Brasil se sentiu ofendido e reclamou com a chefia. “Ele interpretou como uma coisa muito grave, mas eu entendi que não foi por mal”, diz Felipe. “O colega não estava sendo grosso. É que, realmente, o jeito de falar é mais objetivo. Eu compreendi melhor quando fui estudar o idioma. De qualquer forma, já vi esse tipo de coisa acontecer muitas vezes com colegas meus”, explica.
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Para brasileiros que trabalham em empresas chinesas, os problemas de fundo cultural não são raros. O idioma é um problema óbvio, mas não menos importante. São pouquíssimos os brasileiros com algum tipo de proficiência em mandarim.
“Eu aviso logo para as empresas: isso é uma agulha no palheiro”, conta Vanilza Marqui, supervisora de Recrutamento e Seleção da IEST Group, consultoria que ajuda empresas chinesas a dar seus primeiros passos no Brasil e que tem como clientes Didi, Baidu, ByteDance e BYD. “Aí eu converso e eles flexibilizam. Aceitam quem fale inglês, mas tem que ser avançado ou fluente”.
Ainda assim, colocar um chinês e um brasileiro fluentes em inglês na mesma sala também não é garantia de comunicação eficaz. Sabe aquele quiprocó citado por Felipe no começo deste texto? Aconteceu em inglês.
Ele resume: “O jeito de se expressar, mesmo em inglês, reflete a lógica da língua chinesa, que é muito objetiva, direta. É comum um brasileiro ficar com uma impressão de rispidez na comunicação, principalmente na interação escrita”.
A barreira do idioma é tão difícil de transpor que vários tradutores, contratados inicialmente para permitir os primeiros contatos dos chineses com o mercado brasileiro, acabam mudando de função e são contratados pelas empresas asiáticas, mesmo sem experiência na área específica.
Para algumas empresas, compensa mais treinar o tradutor do que ficar uma vaga eternamente aberta, à espera de um brasileiro que tenha experiência na área mais alguma improvável intimidade com o mandarim.
Tem VR?
Se você é do tipo que está acostumado a contratos de trabalho regidos pela CLT, é bom estimar quanto valem os seus benefícios antes de conversar com o recrutador de uma empresa chinesa.
Brasileiros levam em forte consideração extras como plano de saúde, vale-refeição, vale-alimentação… Mas é difícil encontrar algo parecido quando o empregador é da China.
Vanilza Marqui, do IEST, recomenda que o candidato tenha a pretensão salarial na ponta da língua, já contando com um valor que compense em dinheiro a ausência dos benefícios. “A proposta de valor não vai vir deles. Vão esperar de você”, resume a profissional de RH, hoje procurando candidatos brasileiros para 78 vagas ofertadas por contratantes da China.
No caso de regimes de contratação entre empresas – o famoso contratinho PJ –, os custos precisam estar ainda mais destrinchados e incorporados às demandas do contratado.
Especialmente quando a empresa contratante está chegando ao Brasil ou quando ainda não há por aqui um setor organizado de Recursos Humanos, ter uma lista de exigências mínimas – e os custos correspondentes – pode ser a diferença entre dar um passo adiante na carreira ou pagar para trabalhar.
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Já no caso de empresas grandes e completamente instaladas no Brasil, essa costuma ser uma questão menor. Talvez seja o caso de dar uma pesquisada em plataformas como Glassdoor para saber mais sobre os benefícios oferecidos.
Não deveria ser assim, mas juventude ajuda. O etarismo não é um problema exclusivo da cultura de trabalho da China, claro. Mas a predileção dos empregadores chineses por funcionários jovens é bastante conhecida – vale um Google em “maldição dos 35+China” – e ainda influencia os processos seletivos, mesmo que a idade do candidato ideal não apareça na descrição da vaga.
Acostumados a um mercado de trabalho extremamente disputado e com trabalhadores qualificados aos montes, empregadores chineses imaginam que vão falar com brasileiros na casa dos trinta e pouquinhos quando tocam um processo seletivo com o objetivo de contratar um diretor, por exemplo.
Até aí, não tem muito o que fazer, é só parte do choque cultural que os chineses enfrentam quando começam a atuar no país. Aqui, de novo, qualificação para a vaga e alguma experiência com o mandarim são pontos de destaque. Ou, no mínimo, inglês impecável.
Filão de mercado
A China se tornou a maior parceira comercial do Brasil lá em 2009, e de lá para cá a relação entre os dois países foi se estreitando. Recentemente, anúncios de fábricas de carros, aberturas de escritórios e representações comerciais diversas e conquistas de grandes licitações públicas se tornaram a parte mais perceptível do interesse dos chineses no Brasil.
A melhora nas relações diplomáticas também é um ponto importante. “Os chineses gostam do Lula”, disse Vanilza, da IEST, que notou um aumento no interesse de empresários da Terra da Meio pelo Brasil depois que o petista assumiu o terceiro mandato. Não à toa, a China foi um dos primeiros destinos de Lula no ano passado e a visita do presidente brasileiro rendeu acordos em áreas diversas.
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Além da entrada de empresas chinesas no mercado brasileiro, as exportações tupiniquins também têm a China como destino principal. A China é o principal comprador dos itens exportados por 19 dos 27 entes federativos do Brasil, segundo dados compilados pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
*A pedido do entrevistado, o nome verdadeiro foi trocado para evitar a identificação.
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