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Negócios

Com R$ 18 bilhões de subsídios, empresas mergulham na corrida do hidrogênio verde

De um lado, é preciso baratear a produção. De outro, viabilizar o consumo. Empresas como Gerdau, Shell e Vale estão se mobilizando

A corrida do hidrogênio verde no Brasil está movimentando empresas de vários setores da economia. Nesta quarta-feira (4), o Senado aprovou um pacote de subsídios de R$ 18,3 bilhões para acelerar as pesquisas do combustível. Um incentivo a mais para as companhias, que estão quebrando a cabeça para produzir e dar escala para essa que é uma das principais apostas de energia renovável no mundo. Ser um dos pioneiros nessa área pode significar muito dinheiro – de dentro e de fora do país. 

São pelo menos 23 iniciativas em estudo para geração de hidrogênio verde (H2V) no Brasil, segundo um estudo divulgado recentemente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Estima-se R$ 188,7 bilhões em investimentos nos próximos anos na geração desse produto que não emite carbono – um bom substituto para os combustíveis fósseis, só que feito a partir de fontes renováveis (daí o “verde”).

Empresas como EDP, Shell, Auren e Casa dos Ventos despontam como algumas da interessadas em produzir o gás em escala industrial. Uma previsão da consultoria Thymos Energia aponta que o Brasil poderia atrair pelo menos 8% dos US$ 350 bilhões que o mundo deverá investir em H2V até 2030.

No início de agosto, o governo federal sancionou o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, com incentivos fiscais para as empresas que forem produzir o combustível. O pacote que prevê R$ 18,3 bilhões em subsídios, aprovado nesta quarta, aguarda agora a sanção presidencial.

David Zylbersztajn, professor da PUC-RJ e ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP), lembra que a oferta de benefícios fiscais para o desenvolvimento hidrogênio verde é uma tendência mundial. A União Europeia, com seu Hy2Infra, já aprovou US$ 7,4 bilhões em apoio para desenvolver a cadeia de produção no bloco. Nos Estados Unidos, um pacote de US$ 500 bilhões chamado Inflation Reduction Act (IRA) tem como uma das prioridades o hidrogênio — são US$ 360 bilhões em subsídios para a transição energética.

O futuro é verde

De um lado tem a produção. A matéria prima do hidrogênio verde é água – algo cujo suprimento é infinito. Para fabricar o H2 (hidrogênio) a partir de H2O (água) você precisa de muita energia. E essa energia pode ser solar, hidrelétrica, eólica… Daí o interesse de geradoras como Auren e EDP nesse filão.

É natural. Com pelo menos 85% da matriz elétrica formada por de fontes limpas, o Brasil tem potencial para se tornar um grande produtor desse combustível.

Ok. Mas aí tem o outro lado: quem vai comprar? Nessa parte, estamos assim: grandes indústrias como Gerdau e Braskem estudam como incorporar o hidrogênio verde em seus fornos e caldeiras – os principais equipamentos consumidores de energia de uma indústria, setor que, por sua vez, é o principal comprador de energia.

E simples não é. “O uso do hidrogênio verde pela indústria exige a adaptação dos equipamentos ou a substituição completa. Essa mudança implica em investimentos significativos”, pondera Cenira Nunes, gerente geral de meio ambiente da Gerdau.

“O hidrogênio verde não é uma solução de curto prazo. Embora já exista uma tecnologia inicial, o mercado ainda precisa se formar. Ela poderá ser dominante no futuro, mas ainda há um longo caminho”, acrescenta Zylbersztajn.

Hidrogênio verde: adaptar o uso do combustível e dar escala à geração são os desafios (Ilustração: João Brito)

Já existem iniciativas, de qualquer forma. A Gerdau foi uma das que puxou a fila entre as siderúrgicas brasileiras para adaptar o uso de hidrogênio na produção de aço. A companhia recebeu US$ 10 milhões de investimento do governo americano, por meio do IRA, para desenvolver um projeto piloto em escala industrial. A siderurgia é vista como um dos setores industriais mais difíceis de descarbonizar; a pesquisa é conduzida pela Purdue University e tem o apoio de outras companhias do setor: a Cleveland Cliffs e a ArcelorMittal North America.

Cenira explica que o objetivo principal do projeto é substituir parte do gás natural utilizado no forno de reaquecimento, crucial na produção de aço a partir de sucata – a especialidade da empresa. “A competitividade do hidrogênio verde em relação aos combustíveis tradicionais ainda é uma questão para garantir a viabilidade econômica para as empresas”, lembra a executiva.

A pesquisa está em fase inicial, com a elaboração de modelos matemáticos e teóricos. A previsão é que os testes em escala industrial ocorram na planta da Gerdau em Monroe, em Michigan, a partir de 2027.

A Vale também assinou recentemente um protocolo de intenções com a H2 Green Steel para estudarem o desenvolvimento de hubs industriais em algumas plantas da empresa. Fundada na Suécia, a H2 Green Steel possui o projeto de maior escala de H2V do mundo. Com US$ 5 bilhões em investimentos, a empresa prevê produzir aço utilizando hidrogênio verde a partir de 2025.

Sinal amarelo

Gustavo Checcucci, diretor de energia e descarbonização industrial da Braskem, é mais um dos executivos que vê futuro no hidrogênio verde, mas para além de 2030. O grande entrave hoje é o alto custo de produção. Cálculos da Thymos Energia apontam que fabricar 1 kg de hidrogênio verde no Brasil custaria entre US$ 6 e US$ 8. Para substituir os combustíveis fósseis, reforça Checcucci, ele precisaria ficar em torno de US$ 2.

Na visão do executivo da Braskem, os próximos anos serão de projetos-piloto em pequena escala, com a própria empresa se aventurando em testes com parceiros. “Isso permitirá que a Braskem ganhe experiência”, acrescenta. Embora acredite no potencial de longo prazo do hidrogênio verde, Checcucci não vê o H2V como “solução mágica” para a indústria, lembrando de outras iniciativas, como o uso de biomassa e a eletrificação das caldeiras e fornos.

Por outro lado, Jerson Kelman, especialista em energia que já presidiu a Light e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vem adotando uma postura mais pessimista em relação ao hidrogênio verde brasileiro. Kelman aponta como detratores ao plano brasileiro o alto investimento dos Estados Unidos com seu IRA e a postura da Europa em priorizar a segurança energética em detrimento da descarbonização. 

“A utilização de H2V como insumo energético é ineficiente e cara”, diz. “Existe espaço no uso como insumo do processo industrial, como na produção de aço de baixo carbono para exportação, mas sempre existe o risco de barreiras comerciais”, complementa.

O presente é verde-musgo

A produção de hidrogênio verde é novidade. Mas a de hidrogênio em si, não. A indústria de fertilizantes usa o gás como matéria-prima para a produção de amônia, que é a essência do adubo químico.

Fabrica-se 90 milhões de toneladas de hidrogênio por ano para esse fim. A diferença é que extraem a molécula não da água, mas de combustíveis fósseis (como o gás natural). É mais simples e barato, só que o processo emite CO2 a rodo. Um problema do ponto de vista ambiental.

O nome que dão a esse H2 sujo, por sinal, é “hidrogênio cinza”. E, sim, existem iniciativas para substitui-lo. Algumas delas vieram do Brasil. EDP e Eletrobras já começam a produzir um pouco hidrogênio verde em projetos-piloto. A Unigel, do setor químico, anunciou em 2022 o investimento de US$ 120 milhões na produção de amônia verde – feita a partir de hidrogênio verde. Mas, com a entrada da companhia em recuperação extrajudicial neste ano, a iniciativa foi paralisada. Ao InvestNews, a Unigel diz que está buscando parceiros que possam viabilizar o projeto.

Além do hidrogênio cinza, aliás, há o “marrom” (extraído do carvão), o “turquesa” (de metano), o “rosa” (de água + energia nuclear)…

Não custa lembrar que as cores do hidrogênio são só uma alegoria para ilustrar o método de produção. O produto final é sempre o mesmo, um gás invisível e sem cheiro. Seja como for, dos 50 tons metafóricos de hidrogênio, o mais próximo de ganhar escala no país não é o verde. É outro: o “verde-musgo”.

Essa define o hidrogênio obtido por biomassa ou biocombustível fontes menos emissoras de gases-estufa do que os combustíveis fósseis. Cores à parte, você vai provavelmente ouvir por aí o nome mais popular dessa versão: hidrogênio renovável.

A geração dele no Brasil tem o etanol como fonte. E o setor automotivo é quem puxa a fila como candidato à ponta consumidora. A Cidade Universitária, casa da USP, está prestes a receber o principal centro para teste de escala do hidrogênio renovável no Brasil. O local vai abrigar a primeira estação de abastecimento do combustível do país para o uso em veículos, com inauguração prevista ainda para este semestre.

A unidade terá a capacidade de produzir 4,5 quilos de hidrogênio por hora – o suficiente para abastecer três ônibus e um veículo leve que irão circular diariamente pela cidade da USP. O projeto será tocado pelo Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, em inglês), da Escola Politécnica, em parceria com nomes de peso do mercado: Shell Brasil, Raízen, Marcopolo e Toyota.

O veículo utilizado nos testes será o Toyota Mirai, carro que já circulou nas Olimpíadas de Paris abastecido com hidrogênio renovável. Cerca de 500 unidades circularam na Cidade Luz durante os Jogos, em uma parceria entre a montadora japonesa e a francesa Air Liquide. Após o fim das Paralimpíadas, os veículos serão incorporados à frota de táxi de Paris.

O Mirai é um carro elétrico que não usa tomada. Quem gera a energia ali é o hidrogênio – ele cria corrente elétrica dentro das chamadas “células de combustível”, e essa força é a que move o motor. O pulo do gato é que a eficiência energética desse modelo é 10% a 20% maior que a de um motor a etanol – o que diminui as emissões de CO2. Além disso, é um elétrico que você pode reabastecer em segundos, como um carro comum.

Aqui no Brasil, o RCGI irá avaliar as emissões e a viabilidade econômica do hidrogênio renovável produzido pela Hytron, uma startup brasileira, em parceria com a Shell.

“Já possuímos uma cadeia produtiva de etanol estabelecida, e isso facilita a implementação, aproveitando a infraestrutura existente”, diz Julio Meneghini, professor responsável pelo projeto na USP.

Meneghini também aponta que o uso não precisa ficar restrito a carros e ônibus. O etanol verde musgo pode, afinal, ser usado em caldeiras de indústrias também (conforme a adaptação para o hidrogênio progride).

Porém, mesmo que o hidrogênio de etanol decole, o céu não será o limite. Isso porque a produção de álcool no mundo ainda é incipiente em relação ao que o planeta produz de petróleo (cerca de 1%). Mas trata-se de um produto que, de fato, pode acelerar a transição energética enquanto o hidrogênio feito de água e vento não tiver um preço competitivo.

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