A escalada recente do dólar ante a moeda brasileira expôs uma vulnerabilidade em algumas das maiores empresas do país.
A alta de mais de 20%, que ganhou força esta semana e começou a engolir outras partes do mercado doméstico, tornou significativamente mais caro para as empresas arcarem com o serviço de suas dívidas e a cobertura dos custos. O aumento dos juros – o banco central acaba de se comprometer a aumentar a Selic para 14,25% até março – aumenta a pressão.
Cerca de 33 empresas com dívida em dólar – metade das avaliadas – têm niveis médios de alavancagem acima de cinco vezes a dívida bruta em relação ao Ebitda (o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), de acordo com um estudo da FTI Consulting para a Bloomberg News. Entre estas, 12 têm mais da metade da sua dívida em dólares, disse a FTI.
Empresas altamente alavancadas, como as companhias aéreas Gol e Azul, estão pagando despesas significativas em dólares enquanto a maior parte de suas receitas são em reais. As empresas alavancadas dos setores imobiliário, de transporte, de consumo e varejo são as mais sensíveis às variações cambiais. Os critérios do estudo levaram em consideração shopping centers dentro de ativos imobiliários, segundo a FTI.
LEIA MAIS: Juro acima de 14% pressiona dívidas de mais da metade das empresas do Ibovespa
“As empresas mais sensíveis a endividamento são aquelas que você quer ficar de fora”, disse Michel Frankfurt, chefe da corretora do Scotiabank no Brasil. “Elas são atingidos de forma dupla”, através do câmbio e das taxas de juros, disse Frankfurt.
Para empresas como a Azul e a Gol, um dólar mais alto aumenta as despesas, incluindo aquelas com custos de combustível atrelados ao dólar e pagamentos de leasing denominados em dólares. As perspectivas para a moeda são incertas: além de preocupações fiscais que levaram a divisa à máxima histórica, o retorno de Donald Trump à Casa Branca tem potencial de fortalecer o dólar globalmente.
Se o dólar permanecer nesse nível por um período prolongado, as reestruturações provavelmente aumentarão, disse Luciano Lindemann, diretor administrativo sênior da FTI Consulting. O Banco Central vendeu na segunda-feira (16) US$ 1,63 bilhão em um leilão à vista com o objetivo de fortalecer a moeda local.
E a moeda pode continuar subindo até R$ 6,70 e R$ 7, dos atuais R$ 6,15, de acordo com a estrategista do Morgan Stanley, Ioana Zamfir, que apontou os riscos decorrentes dos planos de gastos do governo.
Com o dólar R$ 6,50, a alavancagem bruta média em setores sensíveis poderia subir para 13 vezes o Ebitda, disse o FTI. A análise leva em conta apenas os impactos da desvalorização cambial e não considera qualquer hedge natural para o dólar — o que pode mitigar o efeito do câmbio.
LEIA MAIS: O paradoxo do juro: resposta do BC à piora fiscal deve custar mais de R$ 150 bi ao governo
Analistas dizem que os leilões do BC, intensificados nas últimas semanas para conter a queda da moeda, são uma solução temporária.
Juro alto
Além de enfrentarem custos de importação mais elevados, as empresas ainda têm à frente taxas de juro crescentes. O Banco Central aumentou os juros para 12,25% e prometeu mais dois aumentos até março – tudo num momento em que outras autoridades monetárias no mundo afrouxam a política. Os economistas brasileiros esperam que a inflação e os custos dos empréstimos aumentem até 2027, e os traders precificam um pico perto de 16,25%, o que pesaria ainda mais nos balanços das empresas.
Algumas das maiores empresas do país são exportadoras, que por sua vez poderiam se beneficiar de um dólar mais forte. Suzano, Vale e Minerva – todas com dívida em dólares – se beneficiam por terem mais receitas em dólares do que despesas, de acordo com um levantamento do Santander Brasil.
De acordo com Aline Cardoso, chefe de pesquisa de ações do Santander Brasil, dentre exportadoras há setores, como o de proteínas, que estão mais bem posicionados para se beneficiar por fatores setoriais, como um ciclo pecuário favorável no caso dos frigoríficos. Enquanto isso, M. Dias Branco, Usiminas e Vivara apresentam um equilíbrio desfavorável entre receitas e custos em dólares, disse o banco.
LEIA MAIS: Com juros na estratosfera, títulos IPCA+ desmoronam até 44% no ano
“O impacto do câmbio acaba sendo para empresas que têm algum tipo de exposição às exportações, ou têm balanços bastante dolarizados como as airlines”, disse Filipe Nielsen, analista de ações do Citi. “Empresas que estão queimando caixa e com a alavancagem indo para cima são mais afetadas”, ele disse.
Gol, Suzano, Minerva, Vivara e Vale não quiseram comentar, enquanto Azul, M. Dias Branco e Usiminas não responderam a um pedido de comentário.
Com a subida dos juros, as empresas enfrentam um fardo especialmente pesado, tendo que redesenhar planos e segurar investimentos. O machucado mercado de ações do país também deve continuar em baixa, à medida que os investidores continuam retirando dinheiro das ações.
“Vamos trabalhar com cenário de taxa de juros mais altos em 2025, então bolsa e setores cíclicos sofrem”, disse Alexandre Sant’Anna, gestor de ações da ARX Capital. “Setores alavancados vão ter despesa financeira maior e dólar mais alto vai implicar em inflação, necessariamente. Vai impactar o resultado das empresas.”
Veja também
- Dólar a R$ 5,50? Até onde a moeda pode chegar
- Casas Bahia avança mais de 34% após acordo para aliviar caixa; Ibovespa sobe
- Dólar interrompe sequência de cinco altas; Ibovespa cai pelo 6º dia seguido
- Dólar tem leve alta com foco em dados de inflação antes de decisões de BCs
- Ibovespa sobe, com Fed e BC no foco; GPA e Assaí se destacam após balanços