Apaga o Grindr. Baixa o Grindr de novo. Apaga mais uma vez. Instala de novo.

Essa sequência, quase um ritual na vida de muitos homens gays, mostra a relação complexa com o aplicativo de relacionamento: ao mesmo tempo em que é alvo de críticas e problematizações constantes, o Grindr se mantém presente na vida de milhões de usuários – um grupo crescente e mais disposto a pagar para usar o app do que o público de concorrentes “tradicionais”, como o Tinder ou o Bumble.

Amado ou odiado, o fato é que o Grindr é uma ferramenta que funciona para os objetivos dos seus usuários e, do ponto do vista de quem investe na companhia, está indo muito bem, obrigado.

Nos últimos 12 meses, as ações do Grindr acumulam quase 70% de valorização, enquanto Tinder (parte do Match Group) e Bumble ficaram entre a derrapada e o tombo.

Uma dos diferenciais do Grindr é o seguinte: ele meio que conta com esse comportamento pendular do seu usuário típico – parte do que faz dele uma experiência quase inescapável no mundo gay. Outros apps, no entanto, se vendem como portal para um relacionamento de longo prazo, que em algum momento tornará inútil o próprio aplicativo.

“Um de nossos concorrentes voltados para heterossexuais se classifica como ‘o app a ser deletado'”, disse George Arison, CEO do Grindr, ao The Wall Street Journal. “Nós somos o oposto: somos o app a ser mantido. Muitos usuários entram em relacionamentos longos e continuam bastante ativos no Grindr.”

Ao longo de 16 anos, o Grindr moldou a forma como homens gays se conhecem, flertam e até como falam sobre si mesmos: as categorias identitárias (tags) que ele propõe aos usuários, como “masc“, “discreto” e “twink” se consolidaram no vocabulário da comunidade. Seu design – a grade de perfis organizados por distância – é instantaneamente reconhecível, bem como o barulhinho da notificação.

Tamanha influência não permite que o app passe incólume a críticas. Há todo tipo de debate moral sobre o uso do Grindr. Além disso, especialistas têm alertado para possíveis efeitos danosos da rede social na autoestima e na socialização dos homens gays.

Comportamentos tóxicos, grosserias, vazamentos de fotos íntimas, perfis fake, assédio, golpes financeiros, abuso de drogas, prostituição, tráfico… sim, tem tudo isso no Grindr.

Tem também muita gente procurando – e encontrando – sexo descomplicado. Gays no armário, gays assumidos, curiosos, gente interessada em trair, indivíduos em relacionamentos abertos, casais procurando um terceiro… ou mesmo quem só quer dar uma espiadinha na vizinhança, enfim: o Grindr é sobre sexo. Mais importante: dá certo.

Dá pra dizer o mesmo do Tinder? Cada vez mais gente acha que não, o que ajuda a explicar por que os aplicativos mais conhecidos do segmento da “pegação” estão sofrendo com receitas claudicantes, assinaturas em queda e usuários desmotivados. A maior parte dos usuários destes apps opta pelas versões gratuitas mesmo – o “basicão” é o suficiente para elas. Já quem topa pagar tem acesso a recursos avançados que ampliam as possibilidades de interação e a quantidade de usuários alcançáveis.

E o Grindr tem sido mais feliz do que seus concorrentes na tarefa de converter usuários gratuitos em assinantes, como veremos adiante.

Não tem match

Toda a estrutura do Grindr é desenhada para acelerar as conversas e favorecer encontros instantâneos – afinal, você sabe exatamente a quantos metros de você está o boy.

Primeiro porque não tem match: em vez da infindável apresentação de perfis que podem ser “aprovados” ou “reprovados” – um por um – naquela dinâmica de arrastar para direita ou para a esquerda, os usuários são apresentados um ao lado do outro na grade, como se estivessem expostos em uma prateleira.

Bateu o olho em um perfil e gostou? É só mandar mensagem ali mesmo, na hora – o que pode incluir fotografias e vídeos de curta duração. É possível até fazer o upload de fotos e vídeos e organizá-los em álbuns que podem ser compartilhados com outros usuários. Segundo o próprio Grindr, dois bilhões desses álbuns foram compartilhados em 2024.

Além disso, há muitos filtros. A depender do seu plano, você pode escolher idade, peso, altura, posição sexual, fetiches e por aí vai. É sexo “à moda Spoleto”, sabe?

Tem seus problemas. Não raramente, a grade de crushs em potencial fica travada ou a geolocalização se torna imprecisa. Mas, no geral, ele dá conta do recado e mantém engajados seus usuários: a rede social afirma que cada “sessão de uso” durou em média 70 minutos no ano passado. Nelas, foram trocadas 130 bilhões de mensagens.

Em 2024, o número de assinantes do Grindr cresceu 15%, chegando a 1,1 milhão. Enquanto isso, a quantidade de pagantes do Tinder caiu 7%, de 10,3 milhões para 9,7 milhões.

E quem assina o Grindr está pagando mais: a receita média por usuário pagante avançou 12% no ano passado e alcançou os US$ 22,53 (R$ 130). No total, as assinaturas renderam ao app US$ 219 milhões, um avanço de 29% ante 2023.

O Grindr também lucra com publicidade, exibida principalmente para quem não está a fim de pagar pelos recursos premium. Em 2024, o app fez 56% mais dinheiro vendendo anúncios, uma receita que atingiu os US$ 54 milhões. No total, o faturamento anual subiu 33% e fechou o ano passado em US$ 345 milhões, um recorde na história do aplicativo. O do Tinder? Subiu apenas 1%.

No caso do Bumble, a história é um pouco diferente. O app fechou 2024 com 11,5% mais usuários pagantes do no fim de 2023 (4,1 milhões, no total), mas a receita avançou discreto 1,9% e o valor médio pago pelos pagantes caiu de US$ 23,03 para US$ 21,23. Tem mais gente pagando, mas estão pagando menos – inclusive, menos do que a média dos assinantes do Grindr.

No começo de março, o Grindr ainda anunciou que vai destinar US$ 500 milhões para recompra de suas próprias ações, numa demonstração de que está achando os papéis baratos, mesmo após a alta de 70%. Ou seja, de que confia no seu próprio potencial.

‘Global Gayborhood’

Agora, o Grindr tenta ir além de ser a referência no mundo gay para “app de pegação”. O objetivo da companhia é “construir uma vizinhança digital gay” – gayborhood –, na expectativa de colar no app a imagem de que ele também pode ser uma ferramenta para acessar serviços e produtos dedicados ao lifestyle de seus usuários; ainda que a companhia não tenha sido clara sobre como pretende fazer isso.

A ideia, de qualquer forma, é pavimentar novas fontes de receita. Assim como o Uber começou como um app de transporte de pessoas e expandiu suas funções para entregas de comida e compras de supermercado, o Grindr quer ampliar suas utilidades para ganhar um lugar cativo mesmo nos celulares dos gays que estão em relacionamentos fechados ou dos que não estão interessados em contatos casuais.

Ainda é difícil dizer se a estratégia vai funcionar. Eu mesmo apaguei o Grindr e dessa vez é definitivo. Acho.