Buenos Aires – Algumas coisas são tradicionais para os argentinos: futebol, doce de leite, empanadas, alfajor e as ‘hamburguesas’ Paty. A marca, administrada pelo grupo MBRF, virou sinônimo de hambúrgueres para os nossos vizinhos. Tanto que é comum, ao sair de uma partida de futebol, ouvir os ambulantes lançarem gritos efusivos “hay Paty, hay Paty” nos arredores dos estádios de Buenos Aires para atrair os ‘hinchas’ mais famintos.

Com a fusão entre a Marfrig e a BRF, concluída em 22 de setembro, o grupo tem como uma de suas prioridades transformar a marca Sadia em uma nova Paty para os argentinos. A BRF havia deixado de operar na Argentina em 2018, quando vendeu suas operações no país para a própria Marfrig, por US$ 54,9 milhões. Nessa ocasião, os produtos de frango da empresa diminuíram (ou até sumiram) das gôndolas dos supermercados argentinos.

Em 2020, a Marfrig retomou o contato com a BRF e decidiu importar produtos da Sadia para o país. A retomada de terreno foi paulatina, mas Gustavo Kahl, CEO da MBRF Argentina, estima que hoje a marca já ocupe a segunda posição entre os produtos de frango na Argentina.

“Começamos um trabalho de importação de produtos, voltando a dar visibilidade à marca Sadia na Argentina desde 2020. Agora, com a Marfrig tomando um controle maior sobre a BRF, podemos fazer uma nova aposta para ampliar o portfólio de produtos da marca”, diz o executivo-chefe da MBRF Argentina ao InvestNews, em uma entrevista realizada na sede administrativa da companhia, em Munro, na província de Buenos Aires.

A aposta da MBRF no frango não é por acaso. A Argentina passou por mudanças profundas na economia após a mudança de governo em 2023, quando o economista liberal libertário Javier Milei venceu as eleições presidenciais.

Em 2024, logo após a posse de Milei, o choque na economia levou ao aumento de preços da carne bovina no país, fazendo o consumo anual da proteína retroceder para a faixa de 44,8 kg por habitante no pior momento. Em um cenário de carne bovina mais cara, o frango (consumo de 48,5 kg ao fim de 2024), sobretudo, e a carne suína (17,7 kg) ganharam destaque na dieta local.

Hoje, a MBRF detém quatro unidades produtivas no país e conta com mais de 200 produtos diferentes ao todo. No caso da marca Sadia, a empresa trabalha com 15 itens diversos, mas entende que ainda há espaço relevante para crescer devido à variedade de produtos da marca.

Além dos frangos empanados (chamados pelos argentinos de Sadinesas), uma das apostas de momento é avançar com a venda de Pavita, tradicional produto festivo para as celebrações de fim de ano. Feito à base de carne de peru, no Brasil esse produto é conhecido como Fiesta pela marca Sadia.

“A nossa ideia é fazer da Sadia o mesmo que fizemos com a Paty, que é uma marca com mais de 50% de market share aqui”, reforça ele. “A Sadia tem um portfólio muito mais amplo do que as outras marcas que temos. Há desde presunto in natura ao suíno, passando por margarina e pratos prontos, como lasanhas. Também estamos trazendo matéria-prima de suíno e de frango para produzir aqui.”

A MBRF opera hoje com mais de 70 grandes fornecedores locais para a venda dos produtos da marca Sadia no país.

Kahl tem planos ousados para o grupo após a fusão. A MBRF quer ascender sua produção em 50% para os próximos três anos. Hoje, a companhia processa cerca de 8.000 toneladas mensais de produtos como hambúrgueres, salsichas, embutidos e vegetais congelados. “A ideia é que tenhamos um crescimento significativo do negócio na Argentina”, diz ele.

Parte disso passa pela ampliação da principal planta da companhia, localizada no munícipio de San Jorge. A unidade abate cerca de 1,1 mil cabeças de gado por dia, o que já é reflexo de um avanço de quase 80% em relação ao que era feito no início de 2019, quando a Marfrig tomou o controle da operação. A ideia é que o nível diário de abate passe para cerca de 1,5 mil até o fim de 2026.

Estima-se que a empresa tenha investido cerca de US$ 30 milhões para a ampliação da capacidade produtiva de San Jorge nos últimos anos. Kahl não confirma os números, mas diz que uma nova rodada de Capex para o país está em fase de estudo.

Aliança com McDonald’s

Em outubro de 2020, a Marfrig comprou a produtora de carnes Campo del Tesoro, por US$ 4,6 milhões, para se tornar a única fornecedora de hambúrgueres para o McDonald’s na Argentina — antes, a produtora dividia o fornecimento com a própria Marfrig. Hoje, o grupo MBRF fornece cerca de 15 mil toneladas do produto por ano para a rede de fast-food. A capacidade produtiva do grupo para hambúrgueres no país é de aproximadamente 60 mil toneladas por ano.

As demais unidades produtivas da companhia no país estão localizadas em Barradero, onde se fabrica as tradicionais salsichas da marca Vienissima!; e Arroyo Seco, onde se produz vegetais congelados e produtos que possam atender ao gosto de veganos e vegetarianos por meio da marca Green Life.

A empresa emprega cerca de 2 mil funcionários na Argentina e a operação no país representa pouco mais de 1% do faturamento do grupo a nível global – no segundo trimestre deste ano, a operação consolidada da MBRF apresentou receita de R$ 37,8 bilhões.

Em 2023, a Marfrig vendeu um conjunto de plantas de abate e desossa para a Minerva, por R$ 7,5 bilhões. O negócio envolveu 16 unidades e um centro de distribuição. Entre elas, estava a planta de abate de bovinos em Villa Mercedes, na Argentina.

“Essa operação deixou muito claro para o mercado o que as duas empresas querem para o futuro. A Marfrig vai focar em alimentos processados, produtos de maior valor agregado, como hambúrgueres, salsichas e pratos congelados. E a Minerva vai focar em carne in natura para exportação”, afirma Fernando Iglesias, diretor da consultoria Safras & Mercados.

Recentemente, o consumo de carne bovina no país voltou a figurar acima da faixa dos 50 kg per capita. “Em 2023 e 2024, o consumidor deixou de consumir, mas agora isso está voltando. Hoje, já estamos vendendo mais do que em 2024. Estamos nos recuperando em termos de volume e margem. Isso vai nos levar a um crescimento gradual e contínuo pelos próximos três anos”, afirma o CEO da MBRF Argentina.

O fator Milei

Por meio do lema da desburocratização, o Ministério da Agricultura de Milei tem trabalhado para fomentar as exportações do país, eliminando taxas e promovendo novos acordos comerciais, como a liberação da exportação de gado vivo – algo que não é considerado no momento pela MBRF devido à baixa produtividade.

Hoje, cerca de 25% da produção da MBRF na Argentina é destinada à exportação: 25 países recebem produtos da empresa feitos em terras vizinhas. Os principais mercados trabalhados pela companhia são Estados Unidos, Europa, Israel e China – sendo que o país asiático detém o maior volume das exportações, mas com produtos de menor valor agregado.

“Temos algumas prioridades para a exportação, como levar a nossa carne ao Japão. E entrar com miúdos na China”, diz Kahl. “Nós já exportamos carne, carne com osso, osso. O último passo é a exportação de miúdos. Estamos trabalhando e muito perto de firmar um acordo para miúdos, como já existe para o Uruguai.”

Um dos principais exportadores de carne bovina do mundo, a Argentina enviou mais de 576 mil toneladas ao exterior de janeiro a agosto deste ano – o volume, no entanto, demonstrou queda de 6,8% frente a igual período do ano anterior.

Proximidade com Marcos Molina

Descendente de austríacos, o engenheiro industrial Gustavo Kahl foi escolhido por Marcos Molina, presidente do conselho de administração e controlador da MBRF, da missão de tocar a empreitada na Argentina quando a Marfrig decidiu adquirir a QuickFood, em 2018.

Kahl e Molina já se conhecem de longa data. Em meados dos anos 1990, Molina viajava para países vizinhos para se reunir com fornecedores de carnes. Com os diversos encontros, veio uma grande amizade. Antes de trabalhar diretamente para a Marfrig, Kahl foi CEO da JBS para operação do Cone Sul e diretor da Cargill.

“Conheci o Marcos há muito tempo, desde antes que ele fosse reconhecido como o grande empresário que é. Eu vendia carne para ele no fim dos anos 90. Ao longo do tempo, fomos nos encontramos diversas vezes. E, bom, as idas e vindas da vida e dos negócios nos colocaram lado a lado e aqui estou há quase sete anos”, diz Kahl. “Ainda há muito para se fazer, mas com a chegada do Miguel Gularte e a liderança do Marcos, estamos colocando o foco na execução, simplificando os processos para dar agilidade e proximidade com o cliente.”