A Hyundai finalmente conseguiu: formalizou o divórcio com a CAOA e anunciou o fim da parceria exclusiva, que durava 26 anos. O encerramento do longevo casamento, na verdade, interessa às duas partes.

Para a sul-coreana, representa a concretização do plano que se arrasta desde 2018, quando tentou romper com a Caoa e controlar 100% da importação e distribuição dos seus próprios veículos.

No caso da brasileira, o fim da relação também deve ser benéfico. Isso porque ajuda a companhia a aprofundar a união com sua outra parceira, a chinesa Chery com quem tem uma joint venture.

A separação de corpos com a Hyundai atende ainda uma outra demanda: a fabricação de veículos da Omoda e Jaecoo, que pertencem à Chery, e devem desembarcar no Brasil em breve.

As amarras que impediam a eventual produção na fábrica de Anápolis (GO), que pertence à Caoa, foram retiradas. Isso porque o acordo antigo restringia a montagem das novas marcas chinesas lá na planta de Goiás, que deveria manter sua capacidade de produção reservada aos sul-coreanos.

A separação ocorre pouco mais de um ano após a divulgação de um novo acerto entre Hyundai e Caoa. Em fevereiro de 2024, as duas empresas anunciaram a revisão dos termos da parceria. No acordo feito no ano passado, a Hyundai Brasil finalmente assumiu as vendas e a importação de todos os seus carros, unindo portfólios em uma rede de 250 concessionárias que inclui 46 lojas pertencentes à Caoa e que antes só vendiam os modelos importados da Hyundai.

Além disso, a Caoa ficou com uma participação das vendas totais e passou a receber um valor por carro da Hyundai produzido em Anápolis, fábrica que foi erguida pela própria Caoa em 2007, antes da Hyundai criar sua planta oficial em Piracicaba, no interior de São Paulo.

Devido à parceria com a Caoa, a Hyundai atuava no Brasil por meio de duas empresas diferentes: a representante “oficial” da marca, a Hyundai Motor Brasil (HMB), responsável pela fábrica em Piracicaba (SP) e por modelos como HB20 e Creta; e CAOA, então encarregada da importação e venda de modelos como Tucson, HR e caminhões leves, além da produção de alguns veículos em Anápolis (GO).

Os sinais de que a separação era iminente já apareciam desde abril. Há três meses, a planta de Goiás deixou de fabricar os modelos Hyundai Tucson e HR. Desde o início do segundo trimestre, só saíam da planta fabril os carros da Chery.

Por que a Hyundai decidiu mudar?

Desde que elegeu o mercado brasileiro como prioritário a partir de 2012, a montadora sempre buscou mais agilidade e controle sobre sua operação no Brasil. Com a nova estrutura, poderá definir quais modelos traz para o país, como e quando. A centralização das operações também deve gerar ganhos de eficiência.

Outro fator importante é o avanço da eletrificação. A Hyundai tem planos de investir mais de R$ 5 bilhões no Brasil até 2032, incluindo o lançamento de veículos híbridos e elétricos. Ter uma gestão unificada pode facilitar a entrada desses modelos no país.

Com novo CEO, a CAOA entra em nova fase

A relação da Caoa com a Hyundai remonta a 1999, quando se tornou representante exclusiva da marca no Brasil. Em 2007, empresa brasileira decidiu dar um passo mais ousado nessa relação e propôs à parceira sul-coreana fabricar os carros em território nacional.

Para isso, investiu do próprio bolso para construir uma fábrica em Anápolis (GO), onde passou a montar os principais modelos da Hyundai vendidos no país. O acordo entre as empresas permitiu a fabricação doméstica de modelos de alto valor agregado, como a Tucson, que se tornou um grande sucesso de vendas no Brasil. A parceria também fortaleceu o mercado de peças local e fez crescer a rede de concessionárias.

Nos anos seguintes, com a ajuda da Caoa, a marca sul-coreana se firmou como uma das principais no mercado brasileiro. Ainda hoje a Hyundai é a quarta montadora que mais vende no Brasil, só atrás de Volkswagen, Fiat e General Motors – todas presentes no país há décadas.

Mas os planos da Hyundai para o Brasil não incluíam dependência perpétua da Caoa. Em 2012, a empresa asiática estreou sua fábrica própria em Piracicaba (SP). Lá, começou a produzir os carros da família HB20, feitos sob medida para o mercado brasileiro e até hoje entre os mais vendidos do país.

Em 2018, a Hyundai decidiu romper totalmente com a Caoa e retomar o controle comercial da marca no Brasil. No entanto, uma decisão de um tribunal de arbitragem na Alemanha obrigou os sul-coreanos a engolir mais dez anos de parceria.

Negócios da China

O tabuleiro do xadrez entre a sul-coreana e o grupo brasileiro, no entanto, ficou mais bagunçado com as entradas de BYD e GWM no mercado de automóveis brasileiro. A BYD atacou pelo preço, forçando quedas nos valores de elétricos mais baratos de outras montadoras. Os SUVs-com-cara-de-BMW da Great Wall Motors também fazem sucesso e viraram novas opções para o público simpático aos modelos da linha Tiggo, carro-chefe da Caoa Chery.

Tanto BYD quanto GWM estão prestes a produzir localmente. A GWM, nas instalações de Iracemápolis (SP) – que já foram da Mercedes-Benz. E a BYD com uma fábrica em Camaçari (BA), onde antes funcionava a linha de produção da Ford.

Em 2017, Caoa pagou US$ 60 milhões por 50,7% dos negócios da Chery no Brasil, o que deu origem à Caoa Chery. A joint venture foi o mais perto que o grupo brasileiro chegou do sonho de ser uma montadora completa. Em 2022, a fábrica do grupo em Jacareí (SP) foi fechada com a promessa de que seria reaberta em breve para produzir os novos modelos elétricos desenhados na China. Mas a Chery tinha outros planos.

A empresa chinesa anunciou a criação das marcas Omoda e Jaecoo como suas grandes apostas para os mercados externos. Também deixou claro o interesse em trazê-las para o Brasil e permitiu que representantes das novas marcas dissessem aos quatro cantos que os veículos serão fabricados na planta de Jacareí.

As negociações para a produção das novas marcas no interior de São Paulo já duram dois anos. Atualmente, só 80 pessoas trabalham na fábrica de Jacareí, basicamente funcionários dedicados à segurança e à limpeza do local.