Parece marketing, mas não é. Já existem empresas “nomeando” ferramentas de Inteligência Artificial para seus quadros de executivos. Não se trata de abrir o ChatGPT na hora da reunião, claro. Estamos falando em softwares que recebem treinamentos bem específicos, a ponto de emular mesmo um bom gestor na tomada de decisões.
A International Holding Company (IHC), maior companhia de capital aberto dos Emirados Árabes, está prestes a incluir em seu conselho uma ferramenta de inteligência artificial desenvolvida pelo grupo de tecnologia G42, em parceria com a Microsoft. O BoardNavigator, como foi batizado, processou décadas de dados e informações financeiras e de mercado. Com isso, vai oferecer insights que servirão de apoio para a tomada de decisão do conselho.
No Brasil, a Oliveira Trust, plataforma de prestação de serviços fiduciários para fundos de investimento e títulos de renda fixa, colocou em uma das 20 cadeiras de seu comitê o ‘OTzinho’, inteligência artificial que participa da análise de cada operação. E ele tem voz ativa: o OTzinho é sempre o primeiro a votar na hora de decidir se algum processo deve seguir ou não.
LEIA MAIS: Reuniões na praia, decisões na nuvem: Inteligência Artificial como co-CEO*
Na maior parte das vezes, o voto do OTzinho é vitorioso. Afinal, ele aprendeu com as 13 mil propostas que passaram pelo comitê da Oliveira Trust durante 15 anos. Dessa forma, entendeu quais variáveis estavam presentes nas vezes em que o comitê se posicionou contra ou a favor das operações. E identificou também em que circunstâncias algo saiu fora do previsto.
Mas o OTzinho foi treinado para ficar de olho, especialmente, nos fundadores da empresa – Mauro Sérgio, de 75 anos, e Cesar Leal, de 71 anos. Ambos carregam uma espécie de acervo da companhia na cabeça, que precisa ser frequentemente acessado pelo comitê. O papel do a IA é, portanto, perpetuar esse conhecimento e a cultura da empresa para as próximas gerações.
Mapeando riscos
O negócio da Oliveira Trust envolve muita análise de risco. Cerca de 40% das operações de renda fixa do mercado passam pela companhia. Ela presta serviços como agente fiduciário, aquele que representa os investidores em ofertas de títulos de crédito, como debêntures, CRAs, CRIs, Letras Financeiras, entre outros. E também atua como administrador de fundos de investimentos, uma espécie de síndico que tem o dever de prestar contas aos cotistas. Se der algum problema nessas operações, a empresa também vai ter dor de cabeça.
E problemas acontecem. Segundo José Alexandre Freitas, CEO da Oliveira Trust, uma em cada 20 operações de crédito vai acabar em default – situação em que alguma das condições estabelecidas é descumprida, seja em relação à garantia do crédito ou até mesmo ao pagamento. “E é dessa operação que as pessoas vão lembrar, não das outras 19”, diz.
Diante desses riscos, a cada dez propostas de operação que chegam à empresa, duas já são negadas na primeira ligação, porque os riscos estão muito evidentes. As outras oito vão para análise do comitê. Dessas, uma ou duas são recusadas.
Uma contribuição importante da IA na análise desses casos é que ela consegue excluir a emoção do jogo. É o que Pedro Burgos, fundador da consultoria para IA Co.Inteligência e coordenador do Master em Jornalismo de Dados do Insper, chama de “tirar o viés da análise”. “A IA preditiva olha para os resultados do passado para dizer o que deve ser feito no futuro, dando mais objetividade para determinadas decisões”, explica.
LEIA MAIS: Governo contrata criadora de ChatGPT para tentar diminuir impacto fiscal de perdas judiciais
Para que a ferramenta funcione de forma eficiente, é preciso que sempre haja um ser humano no comando, claro. Afinal, se houver uma grande mudança no contexto atual, a decisão baseada no passado pode ter que ser adaptada. “Mas como conselheira, a IA pode dar dicas muito importantes”, diz Burgos. “Não tenho a menor dúvida de que essa será a realidade das empresas em um futuro não muito distante.”‘
O OTzinho já passou por isso. Há poucos dias, a garantia prevista em proposta de emissão de título de crédito levantou um alerta, e o seu voto foi negativo para a operação. Os demais integrantes do comitê, no entanto, decidiram buscar mais informações na companhia antes de tomar a decisão final. E acabaram acordando um reforço da garantia em questão, que viabilizou a emissão. Ainda assim, por causa do alerta feito pela IA, criou-se uma rotina diferente no monitoramento dessa operação.
LEIA MAIS: Apple – finalmente – entra na onda da IA: entenda a Apple Intelligence e a parceria com o ChatGPT
A Oliveira Trust destina 25% de seu faturamento para a área de tecnologia, o equivalente a cerca de R$ 80 milhões por ano. O OTzinho foi totalmente desenvolvido internamente durante um ano, e ficou em fase de homologação por seis meses. O investimento na ferramenta foi de cerca de R$ 400 mil.
Uma segunda versão da ferramenta está em desenvolvimento. Desta vez, a ideia é colocar os dados sobre as operações passadas à disposição de toda a equipe da Oliveira Trust, em um esquema de perguntas e respostas. O investimento nessa fase deve ser de até cinco vezez mais do que na anterior.
Veja também
- Departamento de Justiça pede que Google venda Chrome para desfazer monopólio
- A inteligência artificial ganha espaço nos escritórios de advocacia
- EUA pressionam e TSMC suspenderá produção de chips de IA para a China
- Intel perde espaço para a Nvidia também no índice Dow Jones e deixa indicador após 25 anos
- ChatGPT dá um salto, e ruma para tornar o Google de hoje obsoleto