Poucas horas antes de ser entrevistado pelo InvestNews, João Camargo mimava o netinho Pedro, de apenas oito meses. “Até cancelei meu compromisso da manhã, fiquei ‘babando nele’ das oito às nove e quinze”, comentou o empresário, com precisão.
O nome completo do herdeiro carrega lastro: Pedro Funaro Camargo Dantas junta os sobrenomes do bisavô Dilson Funaro, ex-ministro da Fazenda de José Sarney e sogro de João Camargo; do próprio João Camargo, o avô coruja; e do pai, Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União e marido de Camila Funaro Camargo, filha de João e mãe do pequeno Pedro.
O bebê passava a manhã com os avós maternos porque Camila e Bruno tinham embarcado para o Maranhão. O motivo era simbólico: José Sarney, o ex-presidente da República e padrinho político de Bruno, completava 95 anos na mesma quinta-feira em que João Camargo participava do IN Persona.
João Camargo encarna a costura invisível entre Estado e mercado no Brasil.
Filho de deputado federal, aos 23 anos tornou-se secretário de Jânio Quadros na Prefeitura de São Paulo. Foi vice-presidente da Vasp no governo Quércia e assessor particular de Zélia Cardoso de Mello na presidência de Fernando Collor, até cair em meio ao escândalo PC Farias – “não sabia que estava trabalhando num governo que se comportava de maneira tão asquerosa”.
Jurou nunca mais voltar para a política institucional, fez dinheiro no setor imobiliário e sumiu das manchetes por décadas, mas nunca perdeu o trânsito entre os poderosos. Em 2021, com a ajuda do jornalista Eduardo Vieira, fundou a Esfera Brasil, cujos eventos reúnem políticos graúdos, magistrados importantes e grandes nomes do PIB.
Os eventos da Esfera acontecem em lugares diversos, conforme a conveniência, o objetivo e a seletividade que pede a ocasião. Pode ser no apartamento de João, no bairro do Morumbi, em São Paulo. Pode ser num resort no Guarujá, num restaurante em Brasília, num hotel em Paris ou até em Roma – neste caso, como em 2024, no imponente palacete do século 17 onde funciona Embaixada do Brasil na Itália.
João Camargo define a Esfera repetidamente como um “think tank para pensar o Brasil” e repele a pecha de lobista. “A gente faz comunicação republicana”, explica. “Eu coloco você ou a pessoa associada que tem um interesse sendo ferido – seja por uma lei ou por uma carga tributária excessiva – para conversar com a autoridade”.
O que diferencia uma coisa da outra? Para Camargo, o fato de que os associados da Esfera pagam valores fixos mensalmente para fazer parte do grupo, como num clube. Não há remuneração “por êxito”, isto é, dinheiro pago por uma empresa ou setor quando suas demandas são atendidas. A atuação republicana da Esfera, argumenta o empresário, é garantida por um rígido compliance que faz dela uma entidade aberta, cujos encontros são públicos e receptivos à imprensa.
“Se não tiver [jornalista no evento da Esfera], minha assessoria distribui para a imprensa o que foi conversado”.
João vs. João
A Esfera cresceu rápido e ocupou um espaço que até então era do Lide, comandado por outro João, o Doria. À semelhança de Camargo, Doria também é filho de um ex-deputado federal, trabalhou na Prefeitura de São Paulo em seus 20 e poucos anos e depois foi trabalhar no governo federal – no caso de Doria, no mandato de José Sarney.
Mas a ambição política João Doria afastou do Lide políticos alinhados a Lula e a Bolsonaro, tirando da organização o apelo que teve no passado entre o grande empresariado e a classe política.
João Camargo aproveitou a oportunidade. Sua atuação como articulador entre os interesses do grande empresariado e da elite política em Brasília fortaleceu-se com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados, no começo de 2021, que sucedeu Rodrigo Maia (DEM-RJ), político com quem Camargo mantinha proximidade.
Antes de trabalhar abertamente pela eleição de Lira, Camargo consultou Rodrigo Maia, que defendia a candidatura de outro parlamentar para a presidência da Casa, Baleia Rossi (MDB-SP). “Mas você não é deputado, você não vota”, teria dito Maia.
“Então fui levando o Arthur de um a um na Faria Lima”, diz Camargo, ostentando sua polpuda agenda de contatos na elite econômica do país: Luiz Carlos Trabuco, presidente do conselho de administração do Bradesco, André Esteves, fundador e sócio do BTG Pactual, Milton Maluhy Filho, CEO do Itaú Unibanco e Rubens Ometto, chairman da Raízen, foram alguns dos que apertaram a mão do deputado alagoano.
“E o pessoal gostou da conversa do Arthur”, diz Camargo. Lira foi eleito com 302 dos 513 votos em disputa, mais que o dobro do candidato apoiado por Maia. “Apesar de a Faria Lima não ter voto, ela tem uma relevância gigantesca na Câmara e no Senado”.
João Camargo desempenha com satisfação o papel de representante dos interesses do PIB junto ao poder público – e provoca a “concorrência”. Argumenta que os sócios da Esfera e do Lide são animais diferentes.
Há os que querem se associar para fazer negócios, encontrar clientes, oferecer serviços – tipo que Camargo define como “carnívoros”. E há os “herbívoros”, que são os maiores empresários do Brasil. O PIB. Estes “têm muito pouco tempo para conversa e odeiam a presença dos carnívoros”.
“Os herbívoros saíram do Lide e foram para a Esfera”, diz Camargo. “Na Esfera eu tenho farmacêutica, petroleira, varejista, agro, banco digital, de varejo e de investimento. Se o ministro vai na Esfera, conversa com todos de uma vez”, se orgulha.
“E deu certo. Brasília adora.”
Hoje, o contato do João da Esfera circula mais que o do João do Lide. Teria Doria “dado um block” em Camargo no WhatsApp? “Não sei…preciso testar”, ri.
Mídia e poder
No fim de 2022, Camargo passou o cargo de CEO da Esfera para sua filha: Camila Funaro Camargo tornou-se presidente da organização e ele assumiu o cargo de chairman da CNN Brasil. O empresário é dono de 30% da emissora – os outros 70% são de Rubens Menin, fundador da MRV e do Banco Inter. À frente da CNN, Camargo promoveu uma virada histórica na empresa de mídia, que incluiu a demissão de mais de 500 funcionários, o fechamento da sede da emissora no Rio de Janeiro e uma mudança drástica na linha editorial.
Camargo mandou reduzir ao máximo a veiculação do que classifica como “notícias ruins” e cortar totalmente a adjetivação, o que teria rendido a dispensa de mais duas dúzias de funcionários de alto escalão, que não se adequaram às novas regras.
As medidas – e os contatos de Camargo junto aos anunciantes – colocaram a CNN no azul, o que não tinha acontecido até sua chegada. Nos seus quatro primeiros anos, a CNN Brasil registrou prejuízo – a empresa não divulga publicamente seus resultados financeiros
“Eu acho que tem duas TVs no azul hoje: a Globo aberta e a CNN fechada. Posso garantir pra você que, de resto, ninguém está ganhando dinheiro.”
Chefão na Esfera e na CNN, João diz que as duas empresas atuam separadamente. “Há confluências possíveis, mas eu evito, sabe?”, afirma. “Prefiro ter dois filhos completamente independentes.”
Investimentos em mídia são lugar-comum para Camargo – e trata-se de um império em expansão. Dois dias depois da entrevista ao InvestNews, a Esfera Brasil adquiriu uma fatia da Agência Infra, veículo especializado no setor de infraestrutura.
Meses antes, ele e os irmãos compraram a rede de rádios Transamérica, que se juntou ao extenso portfólio de rádios da família Camargo. Entre participações e empresas controladas, o patrimônio inclui também Alpha FM, Rádio Disney, 89 FM, BandNews FM, Nativa FM e a Band FM.
A gestora 89 Investimentos administra os bens da família – lá, quem está no comando é João Pedro Funaro Camargo, outro filho de João Camargo. Além das empresas de mídia, a 89 também investe no setor imobiliário, incluindo edifícios residenciais e galpões logísticos.
João Maravilha
Quem não gosta de João Camargo?
“Talvez quem não me conheça”, diz João Camargo, com um sorriso que mistura vaidade e diplomacia. Ele se define como um homem moderado, comedido — e credita a essa postura o respeito que recebe tanto de ministros quanto de empresários. “A Esfera não é um instrumento de cobrança do governo. É um instrumento de diálogo”, insiste.
Na prática, isso significa estar presente nas decisões sem bater na mesa. Circular com desenvoltura por Brasília, pela Faria Lima e pelas redações. Ser ouvido — e, muitas vezes, atendido — sem nunca levantar a voz.
Entre sorrisos e bastidores, a maior habilidade é justamente não desagradar ninguém a ponto de ser deixado de fora da próxima reunião.
“O ego do CEO é próximo a zero, mas o ego do founder… O founder não ‘passa recibo’ na hora, mas te põe na geladeira por seis meses”, desabafa. Para evitar constrangimentos, João Camargo analisa cuidadosamente a lista de convidados de seus eventos e escolhe a dedo quem vai sentar em qual mesa – trabalho ao qual se dedicaria assim que findasse a entrevista ao InvestNews.
A ocasião seria um jantar em homenagem a Fabricio Bloisi, brasileiro que é CEO da Prosus, controladora do iFood, e escolhido “Person of the Year” pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos neste ano.
“Fechei o restaurante Fasano em Nova York, mas cabem 160 pessoas e tenho uma lista de umas 250. Preciso definir quem senta com quem e como dizer para outras 80 pessoas que eu não eu tenho espaço [para elas]. É difícil”, lamenta.