Há poucos anos, o lítio vivia uma corrida sem precedentes. Alçado à condição de “ouro branco” da economia eletrificada, o metal tornou-se o maior símbolo da transição energética.

De um lado, montadoras disputavam projetos de mineração para garantir o suprimento, sem o qual as baterias de seus veículos não existiriam; de outro, investidores se apressavam para financiar mineradoras júnior. Embalado pela euforia, o Brasil apresentava ao mundo seu “Vale do Lítio”, em Minas Gerais, como um novo polo de fornecimento global.

Hoje, o entusiasmo evaporou. Os preços do metal despencaram 86% desde o pico de 2022, projetos foram congelados e empresas que estavam em ascensão agora enfrentam uma nova realidade.

O principal motivo é que o lítio nunca foi um mineral escasso. Segundo dados mais recentes do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, em inglês), a produção mundial atingiu 240 mil toneladas em 2024, ante 220 mil toneladas de consumo — uma diferença pequena, mas suficiente para transformar a corrida pelo suprimento em excesso de oferta.

A brasileira-canadense Sigma Lithium, que chegou a ser cortejada por gigantes como BYD e Tesla, virou símbolo dessa virada — o caso de uma companhia que se financiou no auge do entusiasmo e agora tenta atravessar o ciclo de baixa.

Executivos veteranos do setor já alertavam, ainda em 2023, que a disparada de preços era insustentável e que o lítio logo passaria por correção. A pioneira Companhia Brasileira de Lítio (CBL), por exemplo, via aquele movimento como passageiro e preferiu não embarcar em planos agressivos de expansão. Neste momento, a estratégia se mostra acertada.

Alimentando a transformação

O lítio é o coração das baterias modernas — das que movem celulares às que garantem autonomia aos carros elétricos. Sua combinação de baixo peso e alta densidade energética o transformou em peça central da eletrificação. Sem elas, não seria possível construir um veículo elétrico funcional.

Na cadeia industrial, o lítio aparece principalmente em duas formas: carbonato e hidróxido de lítio

O carbonato, mais comum e barato, serve de referência para o mercado global e é usado nas baterias de fosfato de ferro-lítio (LFP), predominantes em veículos elétricos de entrada e nos eletrônicos. O hidróxido, de pureza superior, é destinado a baterias de alto desempenho — as que combinam níquel, cobalto e manganês, usadas em carros de maior autonomia.

Apesar da fama de “ouro branco”, o lítio está longe de ser raro. De acordo com o USGS, as reservas mundiais somam cerca de 30 milhões de toneladas, e os recursos potenciais ultrapassam 115 milhões – o bastante para 500 anos do consumo atual.

A Chile lidera o ranking, com 9,3 milhões de toneladas, seguido por Australia (7 milhões), Argentina (4 milhões) e China (3 milhões).  O Brasil aparece com 390 mil toneladas, o suficiente para colocá-lo entre os dez principais países produtores – as reservas potenciais do país podem chegar a 1,3 milhão de toneladas.

A abundância ajuda a explicar o colapso recente. A produção global de lítio cresceu 18% em 2024, chegando às tais 240 mil toneladas, impulsionada por novos projetos na América do Sul, na África e na China.

Fora do setor de energia, o lítio tem usos modestos, mas estáveis: é empregado em cerâmicas, vidros especiais, lubrificantes e medicamentos psiquiátricos. Esses nichos respondem por menos de 15% da demanda global. O restante depende diretamente do ritmo da eletrificação, que tem se mostrado mais volátil do que se imaginava.

Fim da euforia

A Sigma Lithium, mineradora fundada pela brasileira Ana Cabral e listada na Bolsa de Toronto, simboliza o auge e a virada da euforia em torno do lítio. O avanço dos carros elétricos parecia garantir um horizonte previsível de demanda, enquanto a oferta global ainda engatinhava. Foi nesse cenário que a Sigma se tornou protagonista.

Com mina em Itinga (MG), no “Vale do Lítio”, e discurso centrado em sustentabilidade — “zero carbono, zero rejeitos, zero água residual”, o projeto atraiu fundos estrangeiros e crédito público.

O BNDES aprovou R$ 486,7 milhões para financiar a ampliação da planta industrial, que praticamente dobraria a capacidade de processamento de concentrado de lítio da companhia.

Avaliada em US$ 3 bilhões em 2022, a mineradora passou a ser alvo de rumores de compra por grupos como Tesla, BYD e Stellantis, mas foi nesse momento que o ciclo de alta da commodity, que beirava os US$ 68 por quilo, atingiu seu topo.

Desde então o lítio e, por consequência, as ações da Sigma começaram a cair. Os papéis da companhia acumulam queda de cerca de 50% neste ano, depois de despencarem 64% em 2024. Hoje, o carbonato de lítio é negociado um pouco abaixo dos US$ 10 por quilo. “Tenho a impressão que a onda já passou”, relata um executivo do setor automotivo ouvido pelo InvestNews.

Segundo uma reportagem do Estadão, a empresa tenta há mais de um ano destravar o financiamento do BNDES, por ainda não ter conseguido apresentar garantias financeiras suficientes. Com isso, a construção da segunda planta industrial ainda não saiu do papel e não deverá sair até que os preços do carbonato de lítio voltem a atingir um patamar acima de US$ 10 por quilo.

O mercado também tem demonstrado preocupação com a liquidez da companhia, especialmente após a Sigma encerrar repentinamente o contrato de um fornecedor no mês passado — decisão apresentada como parte de um plano de eficiência em sua principal mina, a Grota do Cirilo.

Mulher de cabelo castanho e blusa escura fala e gesticula. Fundo desfocado com paisagem verde-azulada.
Ana Cabral, cofundadora e CEO da Sigma Lithium (Bloomberg)

O Bank of America vem alertando desde agosto para o aumento dos atrasos nos pagamentos e, no fim do mês passado, rebaixou a recomendação das ações de compra para neutra.

Movimento distinto

Enquanto isso, as veteranas do setor agiram sem pressa. A CBL, primeira brasileira a exportar carbonato e hidróxido, multiplicou o faturamento por cinco durante o auge, mas manteve a cautela.

Em 2023, já avaliava que as cotações estratosféricas eram “circunstanciais” e optou por não acelerar, aproveitando o ciclo positivo para reforçar o caixa. E agora começam a usar o dinheiro.

A empresa planeja dobrar sua capacidade de produção de concentrado de espodumênio — o minério que dá origem ao carbonato e ao hidróxido de lítio usados nas baterias —, de 50 mil para 100 mil toneladas anuais, com investimentos em automação das plantas em Minas Gerais.

Mina da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), em Minas Gerais
Mina da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), em Minas Gerais (Divulgação)

“Precisamos crescer agora para aproveitar quando o ciclo positivo de preços do lítio chegar”, disse o CEO, Vinicius Alvarenga, durante o evento Lithium Business Brazil, em julho.

A AMG Brasil, subsidiária da holandesa AMG Critical Materials, também atravessou o ciclo sem sobressaltos. Aproveitou o bom momento para consolidar contratos de longo prazo com clientes industriais, além de expandir a unidade de Nazareno (MG).

Geopolítica importa

Embora o lítio já não viva o auge lá de trás, ele continua sendo um insumo estratégico. Faz parte do grupo dos chamados minerais críticos — ao lado do cobre e das terras raras, que ganharam destaque repentino após o início do tarifaço de Donald Trump contra o Brasil.

A disputa global do lítio agora gira em torno de quem extrai, quem processa e quem dita os termos do mercado. Nos Estados Unidos, a prioridade passou a ser reduzir a dependência externa e recuperar o protagonismo industrial.

O governo americano vem ampliando incentivos à cadeia de minerais críticos, com novas propostas de financiamento que somam cerca de US$ 1 bilhão, voltadas à mineração, ao refino e à manufatura de insumos estratégicos dentro do país.

O lítio, listado pelo Departamento de Energia como recurso essencial à segurança nacional, faz parte do esforço de reindustrialização que também inclui parcerias com Canadá e Austrália.

A China, por sua vez, opera com vantagem. Mesmo tendo apenas a quarta maior reserva mundial de lítio, domina as etapas de refino e processamento, onde se concentra o verdadeiro poder econômico do setor. 

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), China, Chile e Austrália responderam juntos por cerca de 86% do refino global de minerais para baterias em 2024 — com a China sozinha controlando mais de 60% da capacidade mundial de processamento de lítio.

Essa integração vertical — da mineração ao refino químico e à fabricação de baterias — faz de Pequim não apenas uma produtora, mas a arquiteta das margens e dos preços globais do metal.

A CATL, maior fabricante de baterias do mundo, é chinesa e protagonizou um dos principais IPOs do ano, arrecadando US$ 4,6 bilhões — um sinal de que a China ainda deve manter vantagem sobre o Ocidente por um bom tempo.

Linha de montagem automatizada de módulos de bateria, com esteira transportadora e robôs ao fundo.
Litio e bateria de carros Foto: Adobe Stock

Na América do Sul, que abriga parte das maiores reservas mundiais de lítio, a narrativa é outra: não basta ter minério — é preciso escala, infraestrutura e contratos de longo prazo (“offtake”) que sustentem os investimentos. A Bolívia tenta revisar acordos com China e Rússia para atrair capital americano, enquanto Chile e Argentina buscam parcerias internacionais para consolidar investimentos.

O Brasil, que entrou na corrida como “novo polo”, agora enfrenta a ressaca do mercado: os investimentos em lítio andam de lado, enquanto as terras raras ganham protagonismo, mas essa é outra história.