Os maiores bancos da União Europeia passaram anos desenvolvendo discretamente uma nova forma de pagamento que pode finalmente permitir que clientes deixem de usar os cartões Visa e Mastercard — o que indica a intenção da região de se afastar de duas das empresas financeiras mais valiosas do mundo.
Chamado de Wero, o projeto está sendo lançado em grande parte da Europa Ocidental. Apoiado por 16 grandes bancos e processadoras de pagamentos, incluindo BNP Paribas, Deutsche Bank e Worldline, a plataforma permitirá que, por exemplo, um cliente alemão pague instantaneamente um hotel na França usando sua conta bancária, sem necessidade de um cartão Visa ou Mastercard.
Embora possa parecer simples, se as empresas conseguirem realizar esse feito, ele poderá custar bilhões de dólares às gigantes dos pagamentos, que arrecadam altas taxas dos comerciantes europeus toda vez que os consumidores usam seus cartões.
Mais importante, o Wero reflete a inquietação da Europa em depender dos EUA para peças-chave de sua infraestrutura, seja financeira ou de outra natureza. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente suspensão das operações das redes de pagamento no país, governos ao redor do mundo têm se preocupado com a crescente dependência dessas plataformas.
“Visa e Mastercard, por serem tão grandes, detêm muito poder de controle de mercado”, afirmou Martina Weimert, CEO da European Payments Initiative (EPI), empresa responsável pelo Wero. O objetivo é oferecer uma alternativa europeia às soluções internacionais, garantindo mais opções tanto para consumidores quanto para empresas da região.
Apesar disso, o Wero ainda tem um longo caminho até se equiparar à Visa e à Mastercard, que juntas processam trilhões de dólares globalmente por ano. Weimert admite que “seria muito presunçoso” chamar o Wero de concorrente direto. “Somos uma espécie de startup”, afirmou, embora já tenha €500 milhões de apoio financeiro e uma base de clientes pronta, graças aos bancos participantes.
Busca por soberania em pagamentos
Dias após a invasão da Ucrânia, Visa e Mastercard suspenderam suas operações na Rússia, impedindo pagamentos internacionais por portadores de cartões russos e transações de estrangeiros no país. Como alternativa, o Banco Central da Rússia, já preparado para esse tipo de crise, ativou o Sistema Nacional de Cartões de Pagamento, permitindo que transações locais continuassem, mesmo com cartões Visa e Mastercard.
A tensão entre Rússia e as redes de pagamento acabou gerando preocupação em outros países. A busca por maior soberania sobre sistemas de pagamentos tornou-se prioridade para o Banco Central Europeu, que apoia iniciativas como o EPI.
Embora vários concorrentes nacionais, como Swish na Suécia e Twint na Suíça, tenham surgido, nenhum é tão difundido quanto Visa ou Mastercard. A nova plataforma Wero pretende preencher essas lacunas e oferecer um serviço mais abrangente, disponível tanto por meio de seu próprio aplicativo quanto pelas plataformas dos bancos participantes.
Duopólio processou US$ 24 trilhões em um ano
Visa e Mastercard, fundadas na décadas de 1950 e 1960 como uma alternativa ao dinheiro físico, processaram juntas cerca de US$ 24 trilhões no último ano, cobrando taxas por essas transações. Contudo, o cenário competitivo está se tornando mais complexo com o surgimento de rivais regionais e novas tecnologias de pagamento digital.
Iniciativas como o Pix, no Brasil, e o sistema de Pagamentos Instantâneos na Índia têm mostrado que há espaço para novos competidores, especialmente em um momento de crescimento acelerado no volume de transações digitais.
No entanto, as gigantes dos pagamentos não parecem preocupadas. O CEO da Mastercard, Michael Miebach, afirmou que acolhe a concorrência, mas que sua empresa continuará investindo em soluções para manter sua liderança no mercado. Para Charlotte Hogg, que lidera as operações da Visa na Europa, “o cenário competitivo nunca foi tão rico”, e o EPI é apenas uma das várias novas soluções no mercado.
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