
“Quem faz churrasco lá em casa é o meu menino, desde os 14 anos”, diz o empresário. O cardápio não costuma mudar: sempre um asado de tira e um tomahawk, os cortes favoritos do pai, retirados das costelas dianteiras do boi. A gestão do fogo fica por conta de quem cresceu vendo a família transformar gado em negócio – e que agora assume a missão mais estratégica dos Molina.
A MBRF é a consolidação de um projeto pessoal de Marcos Molina ao longo dos últimos anos. O empresário investiu R$ 15 bilhões para viabilizar a fusão da sua gigante de carne bovina, a Marfrig, com a BRF, dona de Sadia e Perdigão. Em setembro, nasceu a nova companhia, com faturamento anual na casa dos R$ 160 bilhões e planos de estrear na Bolsa de Nova York em breve. Miguel Gularte, executivo de confiança de Molina, é quem comanda a MBRF globalmente.
E o primeiro grande negócio da nova companhia carrega as digitais de Marquinhos Molina: a criação da Sadia Halal, sociedade entre a MBRF e a Halal Products Development Company (HPDC), braço do PIF – o maior fundo soberano do mundo – estruturada para atender o mercado de alimentos halal da Arábia Saudita e do Golfo.

A operação, que reúne fábricas e centros de distribuição da Sadia na região, está avaliada em mais de US$ 2 bilhões. O Oriente Médio responde hoje por cerca de 7% da receita global da MBRF e concentra praticamente toda a operação internacional relevante da companhia.
Aposta halal
A Sadia Halal emerge como o maior negócio da MBRF fora do Brasil e como a peça central da estratégia internacional do grupo. Produz alimentos halal – preparados de acordo com as regras do Islã, que regem desde o abate até o manejo, a limpeza e o processamento.
É um segmento que cresce rápido, impulsionado por uma população muçulmana que já supera 1,9 bilhão de pessoas, avança em ritmo duas vezes maior que a média global e vive em países que dependem de importação de proteínas.
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Essa dependência transforma a segurança alimentar em assunto de Estado no Oriente Médio – e é neste contexto que a Sadia Halal se posiciona. A nova empresa foi o caminho escolhido para a MBRF para fincar presença permanente na estratégia saudita de abastecimento, e o projeto que colocou o herdeiro dos Molina na função mais sensível do grupo.
Há mais de um ano vivendo em Riade, capital da Arábia Saudita, Marquinhos se tornou o rosto da MBRF no Oriente Médio e o principal articulador da empresa com o governo de lá. Hoje, acumula as funções de CEO da MBRF Arabia e presidente do conselho da Sadia Halal. O reino, vale lembrar, é um dos principais investidores da dona da Sadia por meio da Salic, veículo do PIF que abriu caminho para o capital saudita durante a reestruturação financeira da antiga BRF.
A Sadia Halal nasce com a ambição de realizar um IPO na Bolsa de Riade já em 2027. Com faturamento anual de US$ 2,1 bilhões (cerca de R$ 11,3 bilhões) e lucro operacional (Ebitda) de US$ 230 milhões, a companhia tem presença em toda a região MENA — sigla em inglês para Oriente Médio e Norte da África —, onde a marca desfruta de um prestígio raro para um produto brasileiro.
Essa história começou ainda nos anos 1970, quando a Sadia, então controlada pela família Furlan, desembarcou no Golfo e rapidamente virou sinônimo de frango congelado na Arábia Saudita. Parte da fama se explica por um detalhe folclórico: muitos consumidores acreditavam que a marca era local por causa da semelhança entre “Sadia” e “Saudi”, um adjetivo que faz referência ao sobrenome da família real (Saud).

O fato é que, ao longo de décadas, a empresa se tornou parte do cotidiano de milhões de lares sauditas — o mercado de consumo mais rico do mundo árabe — e conquistou um status cultural que poucas marcas brasileiras replicaram no exterior.
Pecuarista antes de tudo
Formado em Administração pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Marquinhos Molina se define, antes de qualquer cargo, como pecuarista. Cresceu acompanhando o pai na compra e venda de gado, visitando fazendas e entendendo a lógica – e as manhas – da cadeia da carne.
Essa formação prática veio do pai, que cresceu no balcão do açougue da família em Mogi-Guaçu (SP), onde começou a trabalhar ainda menino. Abriu sua primeira empresa de distribuição de carnes na adolescência e, em 2000, deu o passo que mudaria sua trajetória: comprou um frigorífico em Bataguassu (MS).
De trejeitos simples e muito tímido para falar em público, Marcos Molina sempre foi reconhecido pela capacidade de fazer negócios. A partir daquele frigorífico regional, e por meio de uma sequência agressiva de aquisições, transformou o empreendimento na Marfrig — hoje integrada à MBRF – uma das maiores produtoras de carne bovina do mundo, dona de operações como a National Beef, uma das líderes do mercado de carne nos Estados Unidos.

Marquinhos já carrega outras características. Mais comunicativo, mais à vontade em público e com formação urbana, ele representa a nova geração de empresários do agronegócio: jovens formados em boas escolas, fluentes em inglês e habituados a transitar entre fazendas, conselhos e governos.
Dessa mistura de perfis veio sua primeira empreitada própria, ainda aos 20 e poucos anos: a WebGados, criada em 2016 para resolver um problema que ele mesmo enfrentava. Em entrevistas da época, Marquinhos descreve o drama típico de quem compra animais no interior: viajar horas, chegar à fazenda e descobrir que o lote não tinha a qualidade prometida.
A plataforma tentava digitalizar esse processo, oferecendo vídeos, descrições detalhadas e checagem prévia. A empresa acabou não prosperando, mas marcou o primeiro movimento de Marquinhos como empreendedor.
Antes de assumir qualquer função executiva relevante, Marquinhos integrou o conselho de administração da BRF, ainda na fase pré-fusão. Ali, segundo pessoas que conviveram com ele naquele período, chamou atenção pelo domínio do negócio — sobretudo pela visão do campo, do produtor e da operação, mais do que das planilhas.
A mudança para Riade, em outubro de 2024, aprofundou essa formação. Ele mergulhou no mercado saudita, conviveu de perto com executivos da Salic e passou a entender as engrenagens que regem a segurança alimentar do país — um universo onde política, abastecimento e geopolítica caminham juntos.

A irmã mais nova, Marcella, recém-formada, segue outro caminho, mas também dentro da órbita dos negócios da família: trabalha na área de marketing do grupo e faz parte do comitê de sustentabilidade da MBRF. A mãe, Márcia, é sócia de Marcos Molina nas empresas que controlam o grupo e, segundo pessoas próximas, tem papel ativo nas decisões estratégicas tomadas pelo marido.
Futuro
A nova geração da indústria frigorífica mundial tem dois nomes bem definidos: Wesley Batista Filho, de 33 anos, à frente da JBS nos Estados Unidos, e Marquinhos Molina, no comando da MBRF Arabia. Ambos cresceram no entorno de frigoríficos, aprenderam o negócio ainda adolescentes e hoje lideram as geografias mais estratégicas de seus grupos – justamente aquelas que vão ditar o futuro global das duas companhias.

No caso de Marquinhos, essa geografia é o Oriente Médio, onde o mercado trata a criação da Sadia Halal como um divisor de águas. Para analistas, se a MBRF quiser crescer além do que já construiu no Brasil e nos Estados Unidos, será ali. Relatórios de bancos como Bank of America e Goldman Sachs apontam a joint venture com o PIF como a principal alavanca de valor da companhia na próxima década.
Em notas recentes, esses bancos descrevem a Sadia Halal como “o maior destravador de valor da MBRF”, “a próxima fronteira de crescimento” e o projeto capaz de “posicionar o grupo como líder global em proteínas halal”. Para o mercado, a leitura é simples: se esse plano der certo, ele pode redefinir o peso da MBRF no mapa global de alimentos.
Marquinhos e Wesley Filho simbolizam uma virada geracional num setor que projetou nomes como Joesley e Wesley Batista — e também Marcos Molina, que um dia entregou ao filho a missão de comandar o churrasco da família e agora delega algo maior: o futuro de seu grupo bilionário.