Mudança à vista nos balanços das empresas brasileiras listadas nos Estados Unidos. Uma decisão recente promovida pelos reguladores do país determinou que todas as companhias abertas por lá passem a discriminar o custo com funcionários nas notas explicativas de seus gastos gerais e administrativos (SG&A, em inglês).
O objetivo, alega o Conselho de Normas de Contabilidade Financeira (FASB, em inglês), é fornecer mais transparência para os investidores sobre como as empresas estão lidando com seus gastos – e em quê. A decisão passa a valer nos documentos publicados em 2027 e a metodologia completa ainda deverá ser divulgada.
LEIA MAIS: Executivos brasileiros são os menos educados do mundo, diz estudo
A decisão do FASB está longe de ser trivial. Órgão vinculado à Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC, também em inglês), é ele o responsável pela padronização GAAP (sigla em inglês para “Princípios Contábeis Geralmente Aceitos”) que se vê nos balanços divulgados nos Estados Unidos.
“É um tema um pouco espinhoso, mas o impacto mais objetivo é ter mais detalhes de dados que, normalmente, são reportados de forma genérica nos balanços”, aponta o analista Matheus Nascimento, da Levante. “A partir da mudança, as companhias vão ter que detalhar muito mais suas despesas comerciais e comissões – o que inclui os bônus pagos, por exemplo.”
O efeito para nós é que empresas brasileiras com capital aberto nos Estados Unidos, como Eletrobras, Sabesp, Petrobras, Itaú, Embraer, Gerdau, XP e Nubank, também precisarão falar sobre a remuneração de seus profissionais.
Segundo Nascimento, pode ser mais difícil explicar dados de empresas que têm dependência de estruturas comerciais mais complexas, como é o caso da XP, “que possui, além do time próprio, a parceria com os escritórios de investimento”.
Para o analista, a mudança deve dar algum trabalho adicional para a confecção dos balanços, dado o nível de detalhamento demandado. “Mas as empresas que possuem balanços saudáveis não deveriam se preocupar.”
Gigantes reclamam
A decisão não era o que algumas companhias queriam. O The Wall Street Journal mostrou que empresas como IBM e Apple, por exemplo, se manifestaram para o FASB contrários à medida – e foram ignoradas. A alegação é de que a mudança traria mais complexidade e gastos às companhias sem, efetivamente, fornecer uma informação que seja relevante para o investidor.
“É plausível a visão [das empresas] de que o nível de detalhe que vai ser gerado não trará tanta clareza para o investidor. Mas, apesar disso, a medida mostra como os reguladores estão ‘puxando’ as empresas para apresentarem informações que sejam mais específicas e comparáveis”, diz Sabrina Frizzo, líder do Centro de Excelência em Inovação e Sustentabilidade da EY Brasil, uma das “big four” da contabilidade.
A avaliação é que a mudança também deverá criar parâmetros (“benchmarks”) entre concorrentes do mesmo setor: qual a relação entre as despesas totais e a remuneração do time e qual a diferença entre o que o alto comando ganha para o time operacional são algumas das análises que podem vir a surgir.
“Nas últimas décadas, temos observado um descolamento muito grande entre o nível de compensação dos altos executivos para os funcionários não executivos. De um racional de 10 para 1 para algo acima de 100 para 1, a depender da indústria”, prossegue Sabrina Frizzo.
Oliver Kamakura, sócio de consultoria em gestão de pessoas também da EY, acrescenta que, se confirmada uma grande disparidade entre diretores e time, haverá pressão por práticas de remuneração mais equitativas e justas. “As empresas vão ter que revisar suas estratégias de atração e retenção de talentos a partir desses comparativos. Isso pode incluir a implementação de novos programas de benefícios que sejam competitivos com seus concorrentes.”
Transparência
É de consenso que o balanço patrimonial não é dos documentos mais sexys na visão das pessoas que acompanham o dia a dia da economia. Mas é nele que as empresas mostram as dores e as delícias de ser quem são, e a forma de remunerar seus funcionários também diz muito sobre isso.
Para os profissionais da EY, a decisão do FASB tem significativo impacto ESG – especialmente pela última letra, o G de “Governança” que, neste caso, pode ser entendida como “transparência”. “Ela vai impactar diretamente na forma como uma empresa gere a sua estratégia”, explica Sabrina Frizzo.
“É uma expectativa crescente por maior transparência das práticas empresariais, do ponto de vista de alocação. Em uma empresa em que o capital humano é o principal ativo, é natural ter a expectativa de um nível de remuneração maior do que de uma de commodities, por exemplo”, lembra Oliver Kamakura.
E no Brasil?
Para as empresas listadas no Brasil, que seguem as Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS, em inglês), do Conselho Internacional de Normas Contábeis (IASB) – a versão internacional do FASB –, ainda não há nenhuma medida similar aprovada.
Procurada pelo InvestNews sobre seguir o modelo americano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira não se manifestou.
Veja também
- Dólar a R$ 6,00 e pressão sobre os juros: o contágio do ‘Trump trade’ para o Brasil
- Suzano avalia expansão nos EUA com compra de empresa da Kraft
- Nos Estados Unidos, o futebol é outro: conheça os esportes mais famosos por lá
- Pão de queijo: a Brazi Bites vai do Shark Tank americano para as prateleiras do Whole Foods
- Quantos feriados existem nos Estados Unidos? Quais são?