Controlado pela Prosus, o iFood tem buscado formas de diversificar sua operação no Brasil para não ser mais conhecido apenas como o app de comida dominante nos smartphones do país. A empresa investiu pesado nos últimos anos para a criação de verticais complementares ao seu negócio principal. Desse esforço nasceram marcas como o iFood Benefícios, atuando com vales alimentação ou refeição; e o iFood Pago, fintech do grupo que concede capital de giro a restaurantes que este ano responderá por mais de R$ 3 bilhões de investimentos do grupo no país.

Escalar no mercado de VA e VR, especificamente, não tem sido uma tarefa fácil, já que a dominância, nesse caso, é das incumbentes do setor (Alelo, Ticket e Pluxee, ex-Sodexo Benefícios). O iFood, inclusive, foi acusado pelas rivais e pelo Ministério do Trabalho de infringir as regras do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), permitindo transferências de saldo entre cartões de VA e VR antes da mudança na legislação, em 2021. A disputa corre na Justiça e é um ponto de alerta para a empresa.

Uma alternativa para driblar os questionamentos da Justiça seria o iFood efetuar a compra de uma das concorrentes nesse segmento. A empresa até negociou nos últimos meses a aquisição da Alelo, uma joint venture do Bradesco com o Banco do Brasil. O negócio estaria estimado em cerca de R$ 5 bilhões ao iFood, mas as conversas entre as partes, segundo apurou o InvestNews, esfriaram nas últimas semanas. O iFood não confirma as tratativas.

Com 83% do mercado, 60 milhões de clientes, 410 mil restaurantes cadastrados e mais de 120 milhões de pedidos mensais, o iFood também enfrenta o aumento da concorrência no mercado de delivery no Brasil. As chinesas Meituan e Didi, com as respectivas marcas 99 Food e Keeta, chegam ao mercado prometendo investimentos bilionários para bater de frente com o iFood. A Didi anunciou na última segunda-feira (15) que irá investir R$ 2 bilhões até junho de 2026. A Meituan, por sua vez, projeta um aporte de R$ 5,6 bilhões nos próximos cinco anos. Além delas, a Rappi deve ganhar novo fôlego após receber um aporte de US$ 25 milhões da Amazon.

O movimento das rivais se dá na esteira de um acordo firmado entre o iFood e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em 2023. Na apuração se havia indícios de abuso da posição dominante do iFood foi vedada a celebração de novos acordos de exclusividades do iFood com redes que tenham mais de 30 unidades no país.

Além disso, os compromissos de exclusividade do iFood com marcas que possuam menos de 30 restaurantes podem ter duração máxima de dois anos, seguidos por uma “quarentena de exclusividade” válida por um ano.

Os acordos de exclusividade foram um vetor importante do crescimento do iFood na última década. Competidores como Uber e a própria 99 naufragaram ou não tiveram êxito no ganho de escala diante da dificuldade de firmar acordos com as grandes redes do setor. Mesmo Carrefour e Magazine Luiza não conseguiram dar tração às suas apostas no campo das entregas: James Delivery e Aiqfome, respectivamente.

Em entrevista ao InvestNews, o CEO do iFood, Diego Barreto, diz não ter medo de disputar terreno com as novas desafiantes. “Qualquer mercado em que entra um player a mais sempre fica mais intenso. Quem vai vencer esse jogo? Quem for bom”, diz ele. 

“Só reage à entrada de concorrente quem não tem um plano para um lugar melhor. Seria como assumir uma fraqueza. O que nos cabe é continuar trabalhando na construção de ativos que criem vantagens competitivas ao longo do tempo.”

Além da queda dos contratos de exclusividade para grandes redes, outro fator que estimulou a entrada de novos competidores no mercado de entregas de alimentos foi a implementação do Open Delivery, sistema de gestão e conexão entre restaurantes, aplicativos e operadores logísticos.

“Se a Meituan chegasse ao Brasil sem ter o Open Delivery, ela teria que convencer mais de 100 empresas de software a adotarem o padrão dela. Agora, isso não é mais preciso”, diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, a Abrasel, que assina a autoria do projeto.

Solmucci afirma que o momento é positivo para o mercado e aposta em uma evolução do setor com as entrantes. “É muito positivo o que está acontecendo. Há espaço para todos crescerem. Em breve, o consumidor vai sentir uma diferença grande. Os restaurantes já estão ganhando com taxas menores e os motoboys também estão com condições melhores”, diz o presidente da Abrasel. “Não será um jogo de ‘rouba monte’. Projeta-se que o mercado brasileiro teria potencial para crescer em até seis vezes o número atual de pedidos.”

Para Andreas Blazoudakis, cofundador da Movile, antiga controladora do iFood, as mudanças na regulamentação trouxeram condições mais justas para as novatas. “A chegada da Keeta e o retorno da 99 Food me lembra o cenário pré-pandemia, entre 2016 e 2019, quando a disputa por consumidores e motoboys através de cupons promocionais era intensa”, afirma ele. “Esse movimento marca uma volta da competitividade nesse mercado.”

iFood pega carona com a Uber

Além do mercado de benefícios, o CEO do iFood, Diego Barreto, tem costurado acordos e o desenvolvimento de novas frentes para o negócio. O executivo negociou pessoalmente com o CEO global da Uber, o iraniano Dara Khosrowshahi, uma parceria entre os aplicativos. A ideia é que o projeto comece a rodar efetivamente em dezembro, mas alguns usuários já conseguem acessar a novidade por meio de testes. O intuito é entregar mais praticidade ao consumidor, para que o cliente possa fazer pedidos de alimentos direto do app da Uber e corridas pelo iFood.

As empresas entendem que as bases de clientes são complementares. A sobreposição estimada seria de apenas 30%, segundo Barreto. “Depois de fazer uma análise da base de clientes, descobrimos que o overlap era baixo. Ou seja, tem muito cliente que está na Uber e não está aqui e tem muito cliente nosso que não está na Uber. Então, vale o esforço”, afirmou ele. No passado, a Uber Eats era um dos principais concorrentes do iFood no Brasil. “Ser concorrentes não quer dizer se odiar”, diz.

O iFood está investindo R$ 17 bilhões no mercado brasileiro. Uma fatia desse bolo, R$ 3 bilhões, é para a expansão de seu banco digital. Cerca de R$ 1 bilhão está sendo destinado para infraestrutura e treinamento de sua inteligência artificial. O grande foco da operação, no entanto, é dar escala a dois modelos: o Turbo, de entregas rápidas, e o Hits, método no app onde os restaurantes conseguem fazer ofertas relâmpago a um valor mais acessível ao consumidor. 

O Hits foi implementado primeiramente em Salvador, capital da Bahia, e já foi replicado para 16 cidades. O roadmap prevê a expansão para 80 cidades em 2026. Segundo Barreto, o Hits tem crescido a “taxas cavalares”.