A trajetória do Ipanema Plaza, de símbolo de abandono a promessa de renascimento, é também um retrato de um setor em reconfiguração. A hotelaria brasileira atravessa um ciclo de retomada com novos atores disputando espaço, modelos de negócio em mutação e um ambiente desafiador para quem insiste em velhas práticas.
Da devastação à recuperação
Poucos setores sentiram tanto a pandemia quanto a hotelaria. Em 2020, cerca de 80% dos hotéis fecharam as portas temporariamente e os que restaram operavam com taxas de ocupação de 5% a 8%. “A pandemia foi brutal para a economia, mas devastadora para o turismo”, resume Manoel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), a entidade mais antiga do setor no Brasil, fundada há 90 anos.
O baque financeiro ainda se reflete no balanço de muitos empreendimentos. Mas os anos seguintes mostraram resiliência. Em 2023, os hotéis urbanos registraram uma taxa média de ocupação de 60,8%, superando o nível pré-Covid. A diária média foi de R$ 390,80 — alta de quase 35% em relação a 2022 — e o RevPar (receita por apartamento, um indicador importante para essa indústria) cresceu quase 40%. na comparação anual.
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Nos resorts, o desempenho foi ainda mais expressivo. A taxa de ocupação chegou a 60,7% — a maior da série histórica desde 2010 —, com alta de mais de 10% em relação a 2022. A receita por apartamento ocupado cresceu 10%, reflexo do melhor controle de despesas e da alta demanda de lazer.
Linhares reforça que o turismo de negócios ainda é o motor mais rentável: “Um turismo de negócio deixa de três a quatro vezes mais receita do que um turismo de lazer”. Em São Paulo, o principal polo corporativo da América Latina, a ocupação em 2024 atingiu 63%, com diária média de R$ 560 e RevPar de R$ 354, consolidando a cidade como destino de investidores e operadoras.
A receita do negócio
Seja em resorts de praia ou em hotéis urbanos, a sustentabilidade financeira depende de uma equação que inclui manter ocupação mínima entre 50% e 60% e realizar retrofits a cada quatro ou cinco anos. Esses ciclos de modernização são necessários para atualizar quartos, áreas comuns e tecnologia, sob risco de perda de reputação e de receita.
“A manutenção tem que ser constante. Se você deixa o produto cair, cai a reputação — e hoje, com redes sociais e reviews, isso é muito mais sensível do que há 20 anos”, afirma Waleria Fenato, especialista em gestão de receitas (revenue management, ou RM) no setor hoteleiro. Ela defende que a precificação dinâmica deve ir além das diárias: “O RM deveria ser aplicado a todos os serviços, inclusive alimentos, bebidas e spa. O preço tem que estar adequado ao que você oferece para que o hóspede tenha percepção de valor”.
Olhando para as típicas fontes de receitas de hotéis, a hospedagem segue como a principal, seguida por eventos e locação de espaços, e em terceiro lugar os alimentos e bebidas (A&B). Mas a margem do A&B é muito menor, devido ao custo dos insumos e da operação. Por isso, os hotéis buscam fortalecer receitas de maior rentabilidade, como eventos corporativos e espaços de convenções.
Ao mesmo tempo, enfrentam o peso dos canais de distribuição. Agências de turismo digitais (OTAs, na sigla em inglês) como a Booking funcionam como vitrines indispensáveis, mas cobram comissões entre 15% e 30%. Já operadoras como CVC e Decolar negociam pacotes com descontos agressivos. O resultado é uma erosão da margem para quem não consegue atrair hóspedes pelo canal direto. “Essas grandes OTAs têm um custo alto. O hotel precisa equilibrar a venda nesses canais com a construção de uma relação própria com o cliente”, lembra Fenato.
A concorrência com o Airbnb é outro fator. Para Manoel Linhares, trata-se de um jogo desigual: “Nós pagamos IPTU comercial, três ou quatro vezes mais do que o residencial. A carga tributária é muito alta, e nós geramos muito emprego. Queremos ao menos igualdade de condições.”
O peso da tradição
Cerca de 80% dos meios de hospedagem no Brasil ainda são independentes, ou seja, não estão integrados a grandes redes. Muitos deles enfrentam problemas crônicos: ausência de planejamento financeiro, conflitos entre sócios, uso indevido de recursos e resistência à modernização. O maior desafio, porém, é a sucessão.
“Normalmente, o patriarca montou a operação hoteleira, tinha o sonho da hotelaria, vivia a hotelaria. A segunda geração já não tem o mesmo viés e prefere realizar o ativo”, observa Irapuã Dantas, chefe de real estate da gestora CVPar. Esse movimento tem alimentado um mercado de compra e venda em que fundos e gestoras especializadas assumem ativos desvalorizados, aplicam reformas e reposicionamento e buscam rentabilidade maior.
“O nosso negócio é hotelaria puro-sangue. Nosso ciclo é comprar, melhorar a rentabilidade e vender o empreendimento”, resume Dantas. Em alguns casos, a CVPar usa sua própria bandeira, a Inner House, que combina hotelaria boutique com residências de luxo em modelo híbrido. “É uma operação baseada em experiências — arquitetura, gastronomia, música, wellness. É um luxo descolado, que a gente acredita ser o futuro.”
Enquanto marcas internacionais como Accor, Hilton e Marriott oferecem sistemas globais de distribuição e fidelidade, muitos independentes ainda operam “no papel”, sem ferramentas digitais para precificação ou gestão de clientes. “Eu diria que menos de 3% dos hotéis usam sistemas de gestão de receitas (RMS) no Brasil. A maioria ainda trabalha com planilhas ou vai no feeling na hora de definir os preços dos serviços”, diz Waleria Fenato.
Hoje, três modelos predominam no setor: hotéis próprios administrados por redes, franquias de marcas hoteleiras e multipropriedades. Os contratos de administração, que foram padrão no mercado por décadas, vêm perdendo espaço para as franquias. Isso porque as franquias permitem maior capilaridade, menos custo fixo e mais flexibilidade para investidores locais.
Essa mudança se reflete no pipeline de novos empreendimentos. Em 2025, o Brasil soma 152 hotéis e 23.247 unidades habitacionais em construção, com investimentos estimados em R$ 10,5 bilhões, segundo o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB). O número é inferior ao de 2020, mas mostra retomada após anos de retração. O Sudeste concentra 50% dos projetos, seguido pelo Sul (20%). A maior parte — 73% — está localizada no interior dos estados.
Os empreendimentos mais baratos — os chamados econômicos e supereconômicos — perderam espaço, enquanto cresceram os projetos de padrão intermediário e alto, como hotéis de categoria midscale, upscale e de luxo. Outra tendência é a integração com empreendimentos maiores: hotéis que fazem parte de complexos multiuso, junto com torres residenciais, escritórios ou shoppings, e os chamados branded residences, apartamentos de alto padrão que levam a marca de uma rede hoteleira. A ideia é gerar mais fontes de receita e, ao mesmo tempo, valorizar o imóvel no mercado.
Perspectivas futuras
A Selic a 15% freia novos empreendimentos em um setor tão intensivo em dívidas como o hoteleiro. Sem financiamento fácil, muitos investidores preferem comprar e “retrofitar” hotéis já existentes, em vez de erguer novos projetos.
Sem uma enxurrada de novos hotéis prevista até 2029, a tendência é que a procura continue maior do que a oferta. Isso deve abrir espaço para tarifas mais altas e margens melhores nos próximos anos — um cenário que anima os investidores.
O BTG Pactual, por exemplo, está captando um novo fundo de até R$ 415 milhões para comprar hotéis prontos, mirando renda e valorização dos imóveis. Já administra o BTHI11 e o Hotel Maxinvest (MTMX11), que somam 54 unidades e R$ 3,3 bilhões em ativos. A CVPar segue a mesma linha: adquiriu o Hilton Garden Inn, na Avenida Rebouças, por R$ 110 milhões, e planeja um veículo específico para esse mercado.
Para Irapuã Dantas, da CVPar, não há dúvidas de que a hotelaria é um bom negócio: “É um ativo que paga um prêmio muito bom, acima de outros produtos de renda urbana”.